Case-se com alguém com quem você goste de
conversar”. Nesse texto o pensador francês Simone Athayde enfatiza o
diálogo e a cumplicidade como sendo os principais antídotos para os casais
sobreviverem ao tempo. Mal sabia ele que conversa e cumplicidade também seriam
antídotos poderosos contra uma pandemia.
A COVID-19 nos
trancou em casa, e independente de se você mora sozinha ou não, se é solteiro
ou casado, se tem ou não filhos, conversar é o que temos feito na maior parte
do tempo. E quando o contato é por ligação, mensagem ou chamada de vídeo, pior
ainda, pois a comunicação verbal é praticamente o único recurso: se não há mais
o que dizer, a chamada é encerrada.
A comunicação
verbal, seja ela falada ou escrita é o recurso que restou para paquerar, namorar,
se divertir, estudar, trabalhar, fazer compras e resolver conflitos. Sem a
liberdade para ir e vir, não temos mais como fugir do confronto com o que nos
incomoda em nós mesmos ou nos outros. Antes era mais fácil não pensar nos
problemas, era mais fácil dividir o mesmo teto, porque passávamos pouco tempo
em casa.
Agora, o
confinamento não nos aprisiona somente em nossas casas, mas em nós mesmos e em
nossas relações, e fica muito difícil viver sem olhar para os problemas de
frente, ao mesmo tempo em que temos de nos adaptar a mudanças na rotina, às
incertezas do futuro e a vários medos como os de adoecer e perder quem amamos.
É como estar em uma
panela de pressão, prestes a explodir, e a comunicação é uma faca de dois
gumes, pois dependendo da forma como ocorrer, ela pode gerar explosões
dolorosas ou um alívio poderoso.
Vivemos em uma
cultura na qual somos ensinados a julgar, culpar e punir os outros. Somos
levados a acreditar que as atitudes das pessoas são as causas de nossos
sentimentos, sejam eles amor, medo, alegria, raiva, tristeza e muitos outros.
Então, se você quer melhorar sua forma de se comunicar e conseguir uma relação
de cumplicidade com as pessoas que estão com você, não só durante a pandemia,
mas para o resto da vida, a coisa mais importante que você precisa aprender é
que o que o outro faz não é a causa de nada.
Se olharmos
atentamente para nossas reações ao que uma pessoa faz ou diz, vamos perceber
que reagimos com calma, alívio, alegria e prazer quando a atitude do outro
atende a nossas necessidades. Porém, quando o que o outro faz não atende nossas
necessidades, podemos sentir raiva, tristeza ou frustração.
Quando o outro
atende a nossas necessidades e vice versa, a relação tende a ser bastante
tranquila. O problema começa, obviamente, quando isso não acontece. Então, da
próxima vez que sentir raiva, tristeza ou frustração, em vez de acusar, atacar,
presumir os motivos do outro, virar a cara, retaliar, julgar, punir ou qualquer
outro movimento desse tipo, que fazemos de forma automática porque foi o que
aprendemos a fazer, apenas pare, não faça nada, só respire.
Enquanto respira,
pergunte-se: "qual necessidade minha está gerando meu sentimento?". Por
exemplo, quando a mulher fica com raiva ao ver que, mais uma vez, o marido não
lavou a louça depois do jantar, o que está por trás dessa raiva pode ser uma
necessidade de ser apoiada ou de ordem. Se não fosse isso, talvez ela não se
importasse. Sem ter consciência disso, a mulher provavelmente chega para o
marido e diz: "você só pode estar brincando com a minha cara!! Não está nem aí
para mim... quantas vezes vou ter que falar para você lavar a louça??!!."
Uma fala assim,
coloca quem ouve na defensiva imediatamente, e é uma questão de poucos segundos
para a briga escalar. Ao contrário, se a mulher está consciente de suas
necessidades e entende que são elas as causas de sua raiva, ela não vai julgar
que ele não está nem aí nem pressupor que ele faz de propósito para provocá-la,
e pode dizer algo como: "quando você não lava a louça depois do jantar, eu fico
frustrada, pois estou precisando muito de seu apoio para manter a casa em
ordem". Quando nos responsabilizamos pelo que sentimos e comunicamos isso ao
outro, aumentamos nossas chances de termos nossas necessidades atendidas.
Por trás de todo
comportamento existe uma necessidade querendo ser atendida, tanto de nossa
parte quanto da parte do outro. O comportamento de mentir de um filho pode
estar expressando a necessidade de se proteger do castigo extremo; uma
desobediência pode ocorrer por uma necessidade de ser menos pressionado. Mas
qual a nossa tendência? Logo achamos que a criança está disputando o poder com
a gente e que precisa ser punida por isso.
Enquanto não
abandonarmos a visão simplista de dividir o mundo entre bons e maus, certo e
errado, amigos e inimigos, preto ou branco... estaremos sempre condenados a
viver competindo, a machucar e a sermos machucados e a vivermos vidas pouco
satisfatórias, pois nós mesmos não sabemos do que precisamos, quanto mais como
pedir isso ao outro. Só gostamos de conversar com quem está a nosso lado quando
aprendemos a falar e a ouvir.
REFERÊNCIAS:
ROSENBERG. Marshall
B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e
profissionais I Marshall B. Rosenberg; [tradução Mário Vilela]. São Paulo:
Ágora, 2006.
* RENATA PEREIRA
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