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quarta-feira, 4 de novembro de 2020

O Cartão de Crédito Ficto e sua Margem Consignável


 

Autor: Ellcio Dias dos Santos(*)


O primórdio da formação do nosso sistema financeiro remete à chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, período em que foi criada a primeira intuição financeira em nosso País. 

Mais a frente, acompanhando o processo de revolução e modernização industrial, praticamente em todas as suas fases, as instituições financeiras atuam com o objetivo de gerenciar recursos, auferir lucros e dividendos, bem como, ofertar produtos financeiros ao consumidor, disponibilizando o chamado "crédito". 

Pois bem, as tentadoras ofertas de dinheiro, ou melhor, crédito se apresenta em diversas formas, desde o empréstimo pessoal, em folha de pagamento (consignado), refinanciamento e até em cartão de crédito, consignado ou não. 

Face o apertado introito, abordaremos a modalidade de empréstimo que de certa forma vem retirando o sono de muitos consumidores, para não dizer aterrorizando-os. 

Dentre as vítimas, por assim dizer, destacamos os aposentados, pensionistas e servidores públicos, todos consumidores, já que existe efetivamente uma relação de consumo, nos termos da Súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, nossa Corte Cidadã, se não vejamos: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". 

De mais a mais, ainda que a oferta de crédito por parte de uma dada instituição financeira busque de certa forma trazer algum tipo de alento ao consumidor do ponto de vista financeiro, não há justificativa plausível, mesmo com amparo legal, capaz de justificar a prática abusiva de algumas intuições, quando da oferta de crédito na modalidade cartão de crédito com reserva de margem consignável, ou em síntese, a RMC. 

Essa modalidade de crédito aproveita-se da Lei nº 10.820/2003, que regula o processo de autorização para desconto de parcelas em folha de pagamento. Nesse ponto, a expertise da instituição financeira busca respaldo no § 2º, do Art. 2º da Lei em epígrafe, "in verbis": 

"Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se: 

§ 2º No momento da contratação da operação, a autorização para a efetivação dos descontos permitidos nesta Lei observará, para cada mutuário, os seguintes limites

I - a soma dos descontos referidos no art. 1º não poderá exceder a 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração disponível, conforme definido em regulamento, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

a) a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluída pela Lei nº 13.172, de 2015)

b) a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito; e (Incluída pela Lei nº 13.172, de 2015) (grifamos)"

 

Em suma, o artigo em epígrafe remete aos limites máximos permitidos por lei para descontos em folha de pagamento de aposentados, pensionistas e/ou servidores públicos, ou seja, de 30% (trinta) por cento, já o restante, 5% (cinco) por cento, seria por meio da modalidade cartão de crédito, totalizando assim um comprometimento de 35% da renda do contratante. 

Contudo, ainda que o consumidor contrate na modalidade de empréstimo somente com desconto em folha, algumas instituições financeiras estão embutindo à revelia do consumidor, ora contratante, um cartão de crédito com margem consignável, que não foi entregue, portanto, ficto, com a potencialidade de gerar uma dívida impagável. 

Trata-se de uma prática abusiva, capaz de configurar venda casada e em pleno descompasso com a norma consumerista, Lei nº 8.078/1990, o conhecido Código de Defesa do Consumidor - CDC, sobretudo no desrespeito ao direito de informação, disposto no art. 6º, III, 31 e, especialmente, o art. 52 do CDC. 

Nessa direção, tal prática evidencia claramente a abusividade e a desproporcionalidade do negócio jurídico ofertado ao consumidor. Portanto, passível na hipótese de nulidade contratual prevista no artigo 51, IV do CDC, conforme:


"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. (grifamos)"

Face o exposto, demonstra-se bastante pertinente a tentativa de desconstituição do contrato pela via judicial, com o afastamento dos valores descontados mensalmente e sem previsão de encerramento, considerando que o desconto via empréstimo na modalidade, cartão de crédito é efetuado diretamente em folha, no valor mínimo do suposto débito com a indicação de RMC. 

Mais adiante, o salto remanescente da fatura, bem como os juros e todos os encargos financeiros atrelados ao cartão de crédito permanecem em aberto, criando uma espécie de “bola de neve” da avalanche que desce das montanhas frias e geladas das instituições financeiras, perceptível pelo consumido após meses de pagamento. 

Por fim, a nosso sentir, a prática adotada evidencia a intenção de se estabelecer uma espécie de dívida vitalícia, entre o consumidor e a instituição financeira, gerando dependência e sujeição face flagrante violação ao direito do consumidor. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n.º 10.820, de 17 de dezembro e 2003. Dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, e dá outras providências.
Acesso em: 28/10/2020;

BRASIL. Lei n.º 8.078, 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 28/10/2020;

Acesso em: 30/10/2020. 

*ELCIO DIAS DOS SANTOS


















-Advogado graduado pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC, Luziânia/GO (2013); 
 -Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Universidade Cândido Mendes (2004); 
-Graduado em Ciências com habilitação em Matemática, São Luis/MA pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; e
- Servidor Público Federal.
-Mora em Brasília/DF.

Nota do Editor:

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