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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Amores maduros em tempo de pandemia


 Autor: Luis Lago(*)


Soubemos da estória do Adão e da Eva (um casal outrora feliz, e diga-se desde já: nada bíblico, senão essas coincidências que estão aí, por esse mundo a fora).

Soubemos do que houvera se passado com aquele casal de amigos, pelo Anacleto em uma roda de mascarados previdentes à atroz Covid-19, diante de duas garrafas de Skol, numa providencial mesa externa do  Boteco China Garden do sempre solícito Pynwan.

― Estão numa pior, disse meio abafado o Anacleto.  O Adão ronca. Muito.  A Eva  fica sem sono e irritada.  O evento começa, invariavelmente, às 3h da manhã.

O Anacleto buscou sorver,  via máscara,  um pouco de ar filtrado  ― Há mais...  A Eva também se irrita com o hábito do Adão de não utilizar jogos americanos ou toalhas para comer.  A mesa está todinha arranhada.

 ― E quanto ao sexo?  ― questionou o Alves, depois de um gole rápido.

― O sexo decaiu, , Alves!  Você quer o quê?  Nossos amigos tão com uns 75, 70 nas costelas.  O sexo decaiu.  Mas eles já estavam preparados para o evento.  Talvez fosse até um alívio.  O espaçamento entre as ocasiões eróticas despertou uma desconfiança no começo.

― Na certa tem um "outro" e tem uma "outra",  metidos nesse balaio. Essas coisa que o Freud explicaria com os pés nas costas     o Alves  buscou psicanalisar.

... E eu acho melhor você apertar essa máscara preta nas suas fuças, e se calar.  Mas que saco, Alves!... Deixa o cara contar a história do casal de meia idade!  ― gritou o Juca,  batendo o punho fechado por entre os copos de Skol. ― Vai, continua Anacleto.

― Tá legal.  O caso do Adão e da Eva não era coisa de fugir do leito matrimonial lá deles pra irrigar sofá de amantes.  Era apenas o declínio da vontade de ambos que, curiosamente,  atribuíam ao cônjuge.  Não aguentavam mais,  sequer,  o som da voz dela e dele.  Mesmo os gestos,  por mais delicados que fossem,  pareciam irritar.  Aliás, o silêncio também irritava, tanto quanto a voz.  As piadas dele, repetitivas, causavam uma raiva incontrolável da parte dela

 Ela passava o dia ao celular e o olhar dele fuzilava esse hábito.

O Anacleto desceu a máscara decorada com o gavião da fiel corintiana, sorveu um gole que parecia um perdido num deserto,  deu uma parada como quem encara uma nova vida,  e repôs sobre a cara o símbolo alvinegro de uma das razões do seu existir.  E continuou:

― Vocês se recordam melhor do que eu.  Nossos amigos,  o Adão e a Eva se casaram por amor, sim;  perdidamente apaixonados, até.  Nunca houve adultério.  Inexistiam vícios ou violência. ― O Anacleto cerrou por frações de segundos o semblante,  antes de continuar. ―  Vocês se lembram quando o Adão disse aqui,  nesse mesmo lugarzinho do China:  "gente, tá havendo um desgaste do material".  ― É isso!  Nós podemos seguir com uma analogia.  De tanto rodar, mesmo sem buracos ou acidentes, o "carro" lá deles, (como os de nós),  por tantos anos  de rodagem,  se desgastou;  começou a apresentar  barulhinhos iniciais, peças corroídas e, por fim, pane total!

  É isso aí mesmo, Anacleto!  ― berrou o Mendonça,  batendo palmas.  Para, em seguida, mais serenamente, complementar: ― Nossos amigos Adão e Eva irão se acertar.  Mandarão o carro lá deles (que está nas mesmas condições dos nossos; a gente não pode se esquecer disso!) ― para uma boa garibada na Oficina do Tião.

― É bem assim, gente!...   Conscientes dos limites dos carros de meia idade, seguiremos todos:  o Adão e a Eva e nós, assim como essa combalida humanidade vitalmente mascarada,  com o mesmo ritmo e jeito, côncavos para seus convexos.  Ou, menos poeticamente: 

Uns chinelos meio velhos, para nossos pés com joanetes.


*LUIS LAGO  


















- Jornalista e  Fotógrafo (Não necessariamente nessa ordem); e
-Autor dos livros "O Beco" (poesias) Editora e Livraria Teixeira e "São tênues as névoas da vida" Âmbito Editores (ficção desenvolvida no estilo literário denominado "Realismo mágico")

Nota do Editor:

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