Autora: Silvana Cavalcanti(*)
No
celular, uma mensagem do "INSS" avisa : "você foi selecionado para realizar
a prova de vida" – mas, não se preocupe... a prova de vida poderá ser
realizada via reconhecimento facial. Entre na página do INSS, coloque seu login
e senha e siga as instruções, em breve você receberá uma mensagem, siga todos
os passos e ... plin.. sua prova de vida foi concluída.
Tudo
seria tão simples e tão prático, a serviço dos milhares de aposentados de todo
o país, idosos, pessoas nas mais diversas situações e comorbidades... A
intenção da Autarquia Federal foi excelente, entretanto esta opção pode trazer
maiores dores de cabeça do que benesses.
Explicamos:
fraudadores inescrupulosos, não se sabe de que maneira, conseguem acessar os
dados biométricos de milhares de pessoas e vendem estes dados, para outros
fraudadores, que repassam esses dados para a realização de empréstimos
consignados, sem a autorização do beneficiário – e, pior, o dinheiro vai para a
conta do aposentado...
Os
leitores devem se perguntar : Mas por qual motivo os supostos fraudadores
transfeririam o valor do empréstimo diretamente para a conta do aposentado ou
pensionista?
Simples...
dali há alguns dias... outra mensagem é enviada para o celular do aposentado e
do pensionista, informando que o INSS (obviamente que não é o INSS), detectou
um empréstimo fraudulento e para tanto, o dinheiro deve ser devolvido ao
banco..
O
interlocutor por telefone ou por Whatsapp ainda informa que será enviado um
boleto para que o pagamento seja realizado e o dinheiro supostamente devolvido
– aí o golpe idealiza as condições jurídicas necessárias para que a fraude,
infelizmente, seja descartada pelo judiciário fazendo com que muitas ações
sejam julgadas improcedentes.
Explicamos...
o interlocutor, então acessa a
localização geográfica do tal aposentado ou pensionista, inclusive pede para
que o mesmo ative a localização. Confirma o endereço e todos os dados. Envia o
boleto e ainda informa que para realizar o cancelamento do tal empréstimo, é
necessário que o aposentado faça o reconhecimento facial – a tal biometria
facial.
Pronto.
O fraudador tem nas mãos tudo que precisava para , teoricamente, validar a sua
fraude, ou seja, a fotografia do aposentado, um SIM, digitado no whats app, e a
geolocalização do aposentado com o seu número de telefone no seu CPF , obviamente.
Continuando
o golpe, o fraudador envia um boleto para o ingênuo aposentado, que para se
livrar do empréstimo não solicitado pelo consumidor, paga o boleto com o dinheiro depositado do suposto
empréstimo . Entretanto, esses boletos contém algoritmos que não são do banco onde o empréstimo foi
disponibilizado e vão para as contas dos fraudadores.

O
aposentado fica com a dívida descontada de seu benefício mensalmente. Ao
reclamar perante a justiça, a defesa do banco
escancara os logs – com a geolocalização do aposentado... o print do SIM... e a fotografia do aposentado. Em defesa, conclui a
instituição financeira que o empréstimo foi realizado pelo aposentado.
Em
nosso trabalho na defesa dos interesses do consumidor, temos nos amparado a
legislação consumerista, como forma de rever os valores descontados, porque
muitas das vezes, o aposentado e pensionista só se apercebe do golpe, tempos
depois mas esta missão tem sido muito dura.
Vimos
aconselhando a que os nossos clientes depositem em juízo o valor depositado a
revelia do consumidor e não faça uso deste dinheiro – porque a instituição, em
sua defesa, sempre alega que "embora o
consumidor afirme que não autorizou o empréstimo – usufruiu do numerário
disponibilizado."
Mesmo
assim, não tem sido fácil a vida dos
juízes.
Isto
porque é difícil lhe dar com provas concretas apresentadas pelas instituições
financeiras, que confirmam a realização do empréstimo – ou seja, o que parece –
não é.
O
sistema fraudulento é tão ardiloso que em face de todas as provas apresentadas
pelas instituições financeiras, os juízes vêm pedindo perícia tecnológica, para
não serem injustos em sua decisão – poucos profissionais existem para a
realização desse trabalho e, fadado ao insucesso, muitos consumidores desistem
de ingressar na justiça e reaver os descontos efetuados, acabando por concluir
que é melhor ficar com o dinheiro depositado ... a enfrentar uma longa batalha
jurídica.
A
suposta regularidade do empréstimo consignado tem sido confirmada pelos
Tribunais, já que o "aceite dos termos do contrato a partir do envio dos dados
biométricos solicitados e a fotografia obtida através da biometria facial é
idêntica à de documento pessoal e correntista..."
Ocorre
que os juros que são utilizados para estes empréstimos são absurdos . Por
exemplo, em recente caso, um empréstimo fraudulento no valor de R$ 15.000,00
foi realizado por 80 parcelas de R$ 330,00 o que significa quase 7 anos de
parcelas, a juros compostos...
Infelizmente,
alguns julgados, desconhecem a verdadeira função destes empréstimos consignados
que, dentre outros predicativos tem o objetivo de enriquecer os fraudadores, causar prejuízos
a economia, e causar danos ao erário
público, inclusive, porque na maioria das vezes, os pensionistas e aposentados,
não tem condições de arcar com as custas processuais sem prejuízo de seu
próprio sustento e o de sua família – e fatalmente recorrem a máquina
judiciária, já exacerbada de processos.
O
sistema é bruto...
O
próprio sistema cria o problema e não consegue se livrar dele. Biometria
facial, geolocalização, endereço de IP... tudo isto é muito complexo para
pessoas humildes, que em sua grande maioria são os beneficiários do INSS .
A
intenção de facilitar a prova de vida e a contratação de empréstimos através da
tecnologia é muito boa – entretanto, inescrupulosamente,
os fraudadores conseguem burlar a segurança dos bancos, a segurança da
autarquia federal, emitem boletos falsos,
e a conclusão a que se chega é que
foi "vendida a facilidade para os fraudadores..."
A
nós, operadores do direito, resta-nos estudar soluções cada vez mais criativas,
do ponto de vista hermenêutico para explicar aos julgadores o inexplicável
porque, infelizmente, as recentes decisões dos mais variados tribunais do país
não estão do lado do consumidor e acabam por validar tais empréstimos, mesmo
que diante da inexistência de um contrato assinado e da afirmativa inegável do
aposentado ou pensionista que definitivamente não contratou a operação : é a tal tecnologia a favor dos estelionatários
que induzem a erro suas vítimas.
A
teoria da liberdade das formas, previstas no art. 107 do Código Civil que reza: "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão
quando a lei expressamente a exigir", tem sido muito utilizada nos
dispositivos das decisões.
A ausência de declaração explícita de vontade da
parte, prevista no Código do Consumidor,
que disciplina no capítulo VI a relação das instituições financeiras a esta
legislação especial, tem sido relativizada, não pela vontade dos julgadores,
mas pela dificuldade que há em refutar as provas que são apresentadas pelas
instituições bancárias, enquadrando o aposentado na validação da operação
bancária.
De
qualquer forma, é preciso alertar e coibir este tipo de prática, alertando
parentes e pessoas próximas para não fornecerem informações particulares, muito
menos enviar fotografias, terem cuidado com as postagens em redes sociais,
porque há casos que os fraudadores conseguem, utilizando também a tecnologia
mapear o rosto do consumidor e tornar verossímil a contratação.
As
decisões, no entanto, não são uníssonas, devendo-se analisar o caso concreto
frente a imensidão de consumidores lesados, que acabam por se vincular a uma
dívida impagável, e havendo explícita
abusividade na técnica utilizada a justiça deve ser acionada.
*SILVANA CRISTINA CAVALCANTI
Advogada,
MBA em Business Law pela FGV, especialista em Direito do Consumidor e em
Direito Internacional.
Seu
escritório atua nos ramos do direito de família, direito do consumidor, direito
internacional, direito trabalhista empresarial e direito imobiliário, consagrando
sua experiência como Membro do Conselho
de Compliance e LGPD da OAB/SP .
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Nota do Editor:
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