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terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Povos Indígenas e a (IN) Justiça Ambiental no Brasil


Autora: Katiele Rehbein(*)
       
O conceito de justiça ambiental diz respeito à distribuição equitativa dos impactos positivos e negativos ambientais na sociedade. No Brasil, a temática é muito importante e evidente, visto os diversos problemas ambientais que recaem sobre determinados grupos que, em tese, não deveriam ser submetidos a assumir desproporcionalmente as consequências ambientais negativas derivadas de atividades econômicas.

Nesse contexto, a justiça ambiental pode ser caracterizada como o conjunto de princípios que garantem que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos de classe, étnicos ou raciais, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo.

Não raras vezes, os mais vulneráveis, como as populações indígenas, periféricas e quilombolas, são submetidas a impactos ao meio ambiente que são graves, como o desmatamento, poluição do ar, solo e água e as mudanças climáticas. Além do mais, a exploração insustentável dos recursos naturais também acarreta impactos para essas comunidades, como a falta de acesso a esses recursos, a perda da biodiversidade e a invisibilização e ocultação dos seus modos de vida tradicionais.

A justiça ambiental engloba diversas leis, normas e políticas públicas que buscam tutelar o meio ambiente e garantir o acesso à justiça ambiental para as mais diversas comunidades. Como exemplo, pode-se citar a Constituição Federal de 1988, que estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever por parte do Estado e da sociedade em geral de preservação para as presentes e futuras gerações (art. 225); A Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), os seus objetivos e instrumentos, assim como estabelece os crimes ambientais e suas sanções; A Lei nº 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, que dispõe sobre as condutas ilícitas contra o meio ambiente e estabelece as penas respectivas; A Lei nº 12.527/2011, Lei de Acesso à Informação, que regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas, incluindo-se as ambientais; A Lei nº 11.428/2006, Lei da Mata Atlântica; Lei nº 12.305/2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos; Lei nº 12.334/2010, Política Nacional de Segurança de Barragens; dentre outras normas e políticas específicas de cada setor, como o Código Florestal, Política Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional de Mudanças Climáticas.

Ainda, nesse sentido, vale destacar algumas convenções internacionais como a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD); a Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs); Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), dentre outras.

Mesmo sendo considerado um país com umas das legislações ambientais mais avançadas do mundo, o Brasil tem dificuldade na implementação de políticas em prol dessas populações colocadas à margem da sociedade, as leis têm se mostrado insuficientes para sanar o problema. Desse modo, a efetivação da justiça ambiental é um desafio multifacetado e que deve ser observado e corrigido, principalmente para a parcela população que sofre diretamente os impactos de não continuar sendo submetida a assumir desproporcionalmente os resultados negativos das atividades econômicas.

Essas comunidades, habitualmente, têm menos acesso a recursos e poder político, tornando-as ainda mais vulneráveis frente os impactos negativos decorrentes do desenvolvimento capitalista. Também são essas mesmas populações que são afetadas pelas consequências econômicas e sociais desses problemas, como a perda de emprego, deslocamento forçado, saúde precária e moradia em locais ambientalmente impróprios.

É inegável que falta o reconhecimento da centralidade do problema da justiça ambiental, que está na constatação de que a escassez crescente dos recursos e da desestabilização dos ecossistemas afetam de forma desigual, e injusta, diferentes grupos sociais ou áreas geográficas. O relacionamento entre os humanos e a natureza reproduz, em maior ou menor grau, as assimetrias políticas, econômicas e sociais. Com um pouco de atenção, pode ser notado que devido às múltiplas formas de degradação ambiental, os ônus recaem predominantemente nas populações de menor renda, comunidades negras e populações indígenas (IORIS, 2009).

Se sabe que a distribuição de modo desigual dos riscos ambientais para determinados grupos sociais é uma consequência do capitalismo, em que as vantagens da produção de bens e serviços se acumulam nas camadas sociais mais altas, ao mesmo tempo em que os riscos caem sobre as camadas sociais mais vulneráveis.

Desse modo, as injustiças ambientais não podem/devem ser naturalizadas, porque são resultado de um modelo desenvolvimentista pautado na desigualdade e no pensamento de domínio sobre outros grupos, sendo que essa fragmentação separa as questões ambientais das injustiças que ocorrem no corpo social.

Nesse sentido, a injustiça ambiental é repetidamente um resultado do sistema econômico e político vigente, que prioriza o financeiro e o desenvolvimento em detrimento da sustentabilidade ambiental e do bem-estar das comunidades. Empresas privadas e governos deliberam com decisões que beneficiam interesses de uma minoria com bons recursos financeiros, causando prejuízo do bem comum, muitas vezes ignorando impactos negativos ao meio ambiente e na saúde das comunidades afetadas.

Contudo, a disposição constitucional relativa às questões econômicas estabelece, conforme o art. 170, da CF/1988, que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados" alguns princípios como a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (inciso VI); e a redução das desigualdades regionais e sociais" (inciso VII) (BRASIL, 1988); o que na prática não acontece.

Especificamente se tratando dos povos indígenas brasileiros – que possuem respaldo legal na CF/1988, art. 231 e parágrafos e no art. 232, dentre outros, e pela Lei nº 6.001/1973, que dispõe sobre o Estatuto dos indígenas – essa realidade tem provocado impactos significativos à saúde, bem-estar e modo vida dessa população. Constantemente esses povos são afetados de modo direto por atividades como a (super)exploração dos recursos naturais, o desmatamento, poluição e invasão de terras, inclusive pela indevida falta de fiscalização e omissão do poder público.

As terras indígenas frequentemente são ponto de exploração, como com a mineração, extração de pedras e madeira, construção de estradas e grilagem. Essas atividades degradam o meio natural, afetam a disponibilidade de recursos, contaminam a água e o solo, expõe a população indígena, assim como a fauna e flora, à diversos perigos, prejudicando, inclusive, a saúde, bem-estar e suas atividades tradicionais, como pode ser notado no "recente"[1] caso do povo Yanomami na Amazônia que acabou ganhando grande repercussão.

Para lidar com o problema de injustiça ambiental aos povos indígenas é preciso haver reconhecimento e respeito aos seus direitos, principalmente por meio de ações governamentais. Considerando os direitos territoriais e culturais, com garantia do controle de acesso dos recursos naturais que encontram-se em seus territórios.

É preciso incluir essas comunidades nas decisões que afetam o seu modo de vida tradicional e meio ambiente, com uma participação efetiva de representantes que devem ser consultados e envolvidos nessas questões. Os territórios também precisam de fiscalização e conservação, bem como demarcação aos que ainda não são, para que esses povos possam continuar a viver de forma sustentável. Além disso, é necessário haver apoio político para incentivar as atividades econômicas sustentáveis e, principalmente, para o combate à violência e discriminação a que são submetidos pela hegemonia da cultura ocidental.

A justiça ambiental para os povos indígenas brasileiros é um assunto de extrema relevância, isso porque diferentes atividades sociais e econômicas do mundo capitalista não são naturais das suas culturas. Esses povos foram submetidos forçosamente a se enquadrar em um modo de viver completamente diferente ao que estavam habituados, por meio de diversas formas de submissão que afetaram, e continuam afetando, o modo de vida, saúde e bem-estar.

Portanto, a promoção da justiça ambiental para esses povos brasileiros é fundamental para assegurar a preservação da biodiversidade, seja de flora ou de fauna, e a sustentabilidade dos diferentes ecossistemas existentes, assim como para promover a justiça social e a equidade.

NOTAS

[1] A palavra recente encontra-se entre aspas no texto por se referir a uma tragédia anunciada e denunciada há tempos, sendo omitida e ignorada pelo poder público, porém só recentemente se tornou de conhecimento público.

 REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, Fundação Ford, 2004;

BEZERRA, Ana Keuly Luz. Justiça ambiental: história e desafios. In.: II Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas. “Estado e Políticas Públicas no Contexto de Contrarreformas. Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2018;

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988a. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 fev. 2023;

IORIS, Antônio Augusto Rossotto. O que é justiça ambiental. Ambient. soc. v. 12, n. 2, Dez. 2009. DOI: https://doi.org/10.1590/S1414-753X2009000200012;

SALLES, Carolina. Por mais Justiça Ambiental. 2017. Disponível em: https://carollinasalle.jusbrasil.com.br/artigos/381650476/por-mais-justica-ambiental. Acesso em: 24 fev. 2023; e

TSOSIE, Rebecca. Os povos indígenas e justiça ambiental: o impacto da mudança climática. Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 5, n. 2, p. 36-82, jul.-dez., 2021 | ISSN 2595-0614.

 *KATIELE DAIANA DA SILVA REHBEIN



 

 

 

 

 

 

 

-Especialista em Direito Ambiental – Uninter (2020);
-Especialista em Direito Constitucional – Legale (2021);
-Técnica em Meio Ambiente – IFSUL(2021);
- Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria – PPGD/UFSM;
- Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade de Passo Fundo – PPGCiamb/UPF;e
Bolsista Prosuc/Capes – Modalidade I

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





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