Autora: Katiele Rehbein(*)
O conceito de justiça ambiental diz respeito à
distribuição equitativa dos impactos positivos e negativos ambientais na
sociedade. No Brasil, a temática é muito importante e evidente, visto os
diversos problemas ambientais que recaem sobre determinados grupos que, em
tese, não deveriam ser submetidos a assumir desproporcionalmente as
consequências ambientais negativas derivadas de atividades econômicas.
Nesse contexto, a justiça ambiental pode ser caracterizada como o
conjunto de princípios que garantem que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos
de classe, étnicos ou raciais, suporte uma parcela desproporcional de
degradação do espaço coletivo.
Não raras vezes, os mais
vulneráveis, como as populações indígenas, periféricas e quilombolas, são
submetidas a impactos ao meio ambiente que são graves, como o desmatamento,
poluição do ar, solo e água e as mudanças climáticas. Além do mais, a
exploração insustentável dos recursos naturais também acarreta impactos para
essas comunidades, como a falta de acesso a esses recursos, a perda da
biodiversidade e a invisibilização e ocultação dos seus modos de vida
tradicionais.
A
justiça ambiental engloba diversas leis, normas e políticas públicas que buscam
tutelar o meio ambiente e garantir o acesso à justiça ambiental para as mais
diversas comunidades. Como exemplo, pode-se citar a Constituição Federal de
1988, que estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o
dever por parte do Estado e da sociedade em geral de preservação para as
presentes e futuras gerações (art. 225); A Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), os seus objetivos e instrumentos,
assim como estabelece os crimes ambientais e suas sanções; A Lei nº 9.605/1998,
conhecida como Lei de Crimes Ambientais, que dispõe sobre as condutas ilícitas
contra o meio ambiente e estabelece as penas respectivas; A Lei nº 12.527/2011,
Lei de Acesso à Informação, que regulamenta o direito constitucional de acesso
dos cidadãos às informações públicas, incluindo-se as ambientais; A Lei nº
11.428/2006, Lei da Mata Atlântica; Lei nº 12.305/2010, a Política Nacional de
Resíduos Sólidos; Lei nº 12.334/2010, Política Nacional de Segurança de
Barragens; dentre outras normas e políticas específicas de cada setor, como o
Código Florestal, Política Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional
de Mudanças Climáticas.
Ainda,
nesse sentido, vale destacar algumas convenções internacionais como a Convenção
das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD); a Convenção - Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC); Convenção de Estocolmo sobre
Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs); Convenção sobre o Comércio Internacional
das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES),
dentre outras.
Mesmo sendo
considerado um país com umas das legislações ambientais mais avançadas do
mundo, o Brasil tem dificuldade na implementação de políticas em prol dessas populações
colocadas à margem da sociedade, as leis têm se mostrado insuficientes para
sanar o problema. Desse modo, a efetivação da justiça ambiental é um desafio
multifacetado e que deve ser observado e corrigido, principalmente para a
parcela população que sofre diretamente os impactos de não continuar sendo
submetida a assumir desproporcionalmente os resultados negativos das atividades
econômicas.
Essas comunidades, habitualmente, têm menos acesso a recursos e poder
político, tornando-as ainda mais vulneráveis frente os impactos negativos
decorrentes do desenvolvimento capitalista. Também são essas mesmas populações
que são afetadas pelas consequências econômicas e sociais desses problemas,
como a perda de emprego, deslocamento forçado, saúde precária e moradia em
locais ambientalmente impróprios.
É inegável que falta o reconhecimento da centralidade do problema da
justiça ambiental, que está na constatação de que a escassez crescente dos
recursos e da desestabilização dos ecossistemas afetam de forma desigual, e
injusta, diferentes grupos sociais ou áreas geográficas. O relacionamento entre
os humanos e a natureza reproduz, em maior ou menor grau, as assimetrias
políticas, econômicas e sociais. Com um pouco de atenção, pode ser notado que
devido às múltiplas formas de degradação ambiental, os ônus recaem
predominantemente nas populações de menor renda, comunidades negras e
populações indígenas (IORIS, 2009).
Se sabe que a distribuição de modo desigual dos riscos ambientais para
determinados grupos sociais é uma consequência do capitalismo, em que as
vantagens da produção de bens e serviços se acumulam nas camadas sociais mais
altas, ao mesmo tempo em que os riscos caem sobre as camadas sociais mais
vulneráveis.
Desse modo, as injustiças ambientais não podem/devem ser naturalizadas,
porque são resultado de um modelo desenvolvimentista pautado na desigualdade e
no pensamento de domínio sobre outros grupos, sendo que essa fragmentação
separa as questões ambientais das injustiças que ocorrem no corpo social.
Nesse sentido, a injustiça ambiental é repetidamente um resultado do
sistema econômico e político vigente, que prioriza o financeiro e o
desenvolvimento em detrimento da sustentabilidade ambiental e do bem-estar das
comunidades. Empresas privadas e governos deliberam com decisões que beneficiam
interesses de uma minoria com bons recursos financeiros, causando prejuízo do
bem comum, muitas vezes ignorando impactos negativos ao meio ambiente e na
saúde das comunidades afetadas.
Contudo,
a disposição constitucional relativa às questões econômicas estabelece,
conforme o art. 170, da CF/1988, que “a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados" alguns princípios como a "defesa do meio ambiente,
inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (inciso VI);
e a “redução das desigualdades
regionais e sociais" (inciso VII) (BRASIL, 1988); o que na prática não
acontece.
Especificamente se tratando dos povos indígenas brasileiros – que
possuem respaldo legal na CF/1988, art. 231 e parágrafos e no art. 232, dentre
outros, e pela Lei nº 6.001/1973, que dispõe sobre o Estatuto dos indígenas – essa
realidade tem provocado impactos significativos à saúde, bem-estar e modo vida
dessa população. Constantemente esses povos são afetados de modo direto por
atividades como a (super)exploração dos recursos naturais, o desmatamento,
poluição e invasão de terras, inclusive pela indevida falta de fiscalização e
omissão do poder público.
As terras indígenas frequentemente são ponto de exploração, como com a
mineração, extração de pedras e madeira, construção de estradas e grilagem.
Essas atividades degradam o meio natural, afetam a disponibilidade de recursos,
contaminam a água e o solo, expõe a população indígena, assim como a fauna e
flora, à diversos perigos, prejudicando, inclusive, a saúde, bem-estar e suas
atividades tradicionais, como pode ser notado no "recente"[1] caso do povo
Yanomami na Amazônia que acabou ganhando grande repercussão.
Para lidar
com o problema de injustiça ambiental aos povos indígenas é preciso haver
reconhecimento e respeito aos seus direitos, principalmente por meio de ações
governamentais. Considerando os direitos territoriais e culturais, com garantia
do controle de acesso dos recursos naturais que encontram-se em seus
territórios.
É preciso
incluir essas comunidades nas decisões que afetam o seu modo de vida
tradicional e meio ambiente, com uma participação efetiva de representantes que
devem ser consultados e envolvidos nessas questões. Os territórios também
precisam de fiscalização e conservação, bem como demarcação aos que ainda não
são, para que esses povos possam continuar a viver de forma sustentável. Além
disso, é necessário haver apoio político para incentivar as atividades
econômicas sustentáveis e, principalmente, para o combate à violência e
discriminação a que são submetidos pela hegemonia da cultura ocidental.
A justiça ambiental para os povos indígenas brasileiros é um assunto de
extrema relevância, isso porque diferentes atividades sociais e econômicas do
mundo capitalista não são naturais das suas culturas. Esses povos foram
submetidos forçosamente a se enquadrar em um modo de viver completamente
diferente ao que estavam habituados, por meio de diversas formas de submissão
que afetaram, e continuam afetando, o modo de vida, saúde e bem-estar.
Portanto, a promoção da justiça ambiental para esses povos brasileiros é
fundamental para assegurar a preservação da biodiversidade, seja de flora ou de
fauna, e a sustentabilidade dos diferentes ecossistemas existentes, assim como
para promover a justiça social e a equidade.
NOTAS
[1] A palavra recente encontra-se
entre aspas no texto por se referir a uma tragédia anunciada e denunciada há
tempos, sendo omitida e ignorada pelo poder público, porém só recentemente se
tornou de conhecimento público.
REFERÊNCIAS
ACSELRAD,
Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relumé Dumará,
Fundação Ford, 2004;
BEZERRA,
Ana Keuly Luz. Justiça ambiental: história e desafios. In.: II Simpósio
Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas. “Estado e
Políticas Públicas no Contexto de Contrarreformas. Programa de Pós-graduação em
Políticas Públicas, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2018;
BRASIL.
[Constituição (1988)]. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988a. Brasília, DF: Presidência da
República, [2021]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
Acesso em: 24 fev. 2023;
IORIS,
Antônio Augusto Rossotto. O que é justiça ambiental. Ambient. soc. v. 12, n. 2, Dez. 2009. DOI:
https://doi.org/10.1590/S1414-753X2009000200012;
SALLES,
Carolina. Por mais Justiça Ambiental.
2017. Disponível em: https://carollinasalle.jusbrasil.com.br/artigos/381650476/por-mais-justica-ambiental.
Acesso em: 24 fev. 2023; e
TSOSIE,
Rebecca. Os povos indígenas e justiça ambiental: o impacto da mudança
climática. Revista Direitos Fundamentais
e Alteridade, Salvador, v. 5, n. 2, p. 36-82, jul.-dez., 2021 | ISSN
2595-0614.
*KATIELE DAIANA DA SILVA REHBEIN
-Especialista em Direito Ambiental – Uninter (2020);
-Especialista em Direito Constitucional – Legale (2021);
-Técnica em Meio Ambiente – IFSUL(2021);
- Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria – PPGD/UFSM;
- Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade de Passo Fundo – PPGCiamb/UPF;e
Bolsista Prosuc/Capes – Modalidade I
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