Como professora de Português atuando na educação básica da rede pública paulista há 24 anos, tem sido comum em minha práxis ouvir questionamentos dos alunos sobre a necessidade, e mesmo a importância, de estudar literatura na escola. As perguntas invariavelmente são: "Por que eu tenho que saber quem é Machado de Assis?" "Por que preciso ler um texto escrito há mais de 300 anos?" "Para que eu vou usar isso na minha vida?" "No que ler poesia vai me ajudar no mercado de trabalho?"
Não é raro que os professores, de modo geral, sejam questionados pelos estudantes sobre a necessidade e a utilidade daquilo que estão aprendendo. Isso se deve, em certa medida, ao senso de urgência cada vez mais presente em nossa sociedade, que parece querer atribuir sempre um caráter utilitário e pragmático a tudo o tempo todo. Neste sentido, meu intuito aqui é buscar responder os porquês referentes ao estudo de literatura na educação básica e como ele pode "ser útil", ressaltando que a "utilidade" de qualquer forma de arte é algo extremamente subjetivo. Nas palavras de Ferreira Gullar, a arte existe porque só a vida não basta.
Estudar
literatura pode trazer benefícios significativos por diversas razões.
Primeiramente, a literatura ajuda a desenvolver habilidades de comunicação; por
meio da leitura e análise de textos literários, os estudantes aprendem a
expressar suas ideias de forma clara e eficaz, tanto na escrita quanto na fala
e isso é muito valorizado em qualquer área profissional, pois facilita a
interação com colegas, clientes e parceiros.
Além disso, o estudo da literatura estimula o pensamento crítico. A interpretação de obras literárias requer habilidades para analisar contextos, compreender subtextos e considerar diferentes perspectivas. Esse tipo de raciocínio analítico é essencial para resolver problemas complexos tanto na escola quanto no ambiente de trabalho, permitindo que estudantes/profissionais encontrem soluções e tomem decisões embasadas.
A literatura também contribui para promover a empatia e a compreensão cultural. Ao explorar diferentes épocas e culturas por meio da leitura, as pessoas desenvolvem maior sensibilidade às diversidades e nuances das relações humanas. Essa capacidade é fundamental em ambiente globais e multiculturais, onde entender e respeitar diferentes pontos de vista pode melhorar a convivência, a colaboração e a produtividade.
A literatura é, ainda, uma excelente maneira de estimular a imaginação e a criatividade; pode auxiliar os alunos a visualizarem mundos diferentes e a pensarem além das limitações do cotidiano. Ao explorar histórias imaginativas e diferentes estilos de escrita, os estudantes ampliam sua habilidade de pensar de maneira criativa e inovadora. Essa capacidade pode ser utilizada para elaborar novos conceitos e enfrentar desafios com originalidade.
O estudo da literatura, portanto, não apenas enriquece o conhecimento intelectual e cultural, mas também proporciona um conjunto de habilidades bastante valorizadas em diversas áreas profissionais.
Antonio Candido, sociólogo, crítico literário e professor universitário, maior referência brasileira quando o assunto é o estudo de literatura, propôs que ela tem três funções principais: a psicológica, a formadora e a humanizadora.
Mais
do que propor essas funções, ele afirmou que
" (...) a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade."
Ao
declarar que a literatura é uma
necessidade universal e um direito de todo homem, Candido defende que o acesso
à literatura é uma questão de justiça social.
Assim, com as convicções de uma professora apaixonada por literatura, que enxerga no aprendizado literário uma forma de criticidade, emancipação e humanização, apoio-me em Antonio Candido para sugerir a todos os meus colegas professores que, ao ouvirem de seus alunos "Por que tenho que estudar literatura?", iniciem sua resposta com "Primeiramente, porque é SEU DIREITO...".
Afinal,
se aprender é preciso, humanizar-se é urgente!
Referência:
São
Paulo: Editora Perspectiva, 1998. CANDIDO, Antonio. O direito à
literatura.
- Licenciada em Língua Portuguesa e Língua Inglesa – Faculdades Integradas de Cruzeiro (1996);
-Professora efetiva na rede estadual paulista desde 2000;
-Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté (2003);
-Pós-graduada em Ensino de Língua Inglesa pela UNESP REDEFOR (2012) e
- Designada no Programa de Ensino Integral desde 2014, na EE Oswaldo Cruz (Cruzeiro/SP)
Área de Linguagens (Português / Inglês)