Autora: Sylvia Regina Emygdio Pereira (*)
Com o avanço dos tempos, vem a pergunta ao especialista da Propriedade Intelectual: "como vou proteger minha criação no Metaverso?" "E o NFT?" "Como vou me defender das cópias, plágios, e da pirataria nesses novos locais?"
Da Propriedade Intelectual extraio, sempre, 10 Mandamentos básicos e eficientes, para o estudante e o profissional da área.
São eles:
1. A ideia não tem dono, a ideia é de todos;
2. A criação intelectual sempre tem dono;
3. Só o ser humano é titular da criação intelectual;
4. Não se pode copiar, nem reproduzir a criação, sem a autorização do dono da criação, seus herdeiros, e/ou sucessores;
5. Não se usará a criação de outrem como se sua fosse;
6. A criação pode fazer uso de qualquer linguagem para se materializar e se corporificar;
7. Tendo a criação aspecto artístico, criativo, e original, e sendo uma obra literária, artística e científica, será um Direito de Autor;
8. Sendo a criação um sinal identificador de produto ou serviço, será uma marca;
9. Tendo a criação novidade, inventividade e aplicação industrial, e superando a técnica existente, será uma patente; e
10. Marca não é direito autoral, mas direito autoral pode ser uma marca e até uma patente.
Mas, por fim, o que é a criação Intelectual?
Tudo o que existe, além da natureza, dos animais, e seres humanos, é criação intelectual, pois foi criado pelo homem, através de sua inspiração, emoção e imaginação. Gosto de dizer que o homem sonha, e quando ele sonha ele cria!.
Wassily Kandinsky[1], em sua obra "LA GRAMÁTICA DE LA CREACION. EL FUTURO DE LA PINTURA", bem explica, "cuando las condiciones necesarias a la maduración de una forma precisa se cumplen, esta inspiración, este impulso interior reciben el poder de crear en el espíritu humano un nuevo valor, que empieza a vivir consciente o inconscientemente en el hombre. A partir de este instante, el hombre busca consciente o inconscientemente una forma material al nuevo valor que vive en él de un modo espiritual. El valor espiritual va entonces en busca de una materialización. El nombre de material hace aquí el papel de un “almacén” en que el espíritu, como un cocinero, escoge lo que le es necesario en este caso."
Assim, para a corporificação de sua criação, o criador escolhe um tipo de linguagem existente e, como o cozinheiro, definido por Kandinsky, escolhe, no armazém, o material a moldar sua inspiração, e, então, ele cria. As linguagens mais comuns são as letras, os números, os sons, as cores, as linhas, as imagens...
Então, a partir da criação materializada sob a linguagem escolhida, o Autor, como agente criador, escolherá um suporte para que sua criação seja armazenada, comunicada, e entregue ao conhecimento do público. Esse suporte poderá ser um meio, uma mídia, em um ambiente real, virtual, digital, e, inclusive, agora, também no Metaverso.
O Metaverso é um hiperespaço, ou seja, um espaço hipotético multidimensional, de mais de três dimensões, um espaço virtual, imersivo e compartilhado pelos humanos, que se constrói como um novo mundo, onde os humanos – por meio de seus avatares digitais – podem se comunicar, trabalhar e realizar diversas atividades, em paralelo com o mundo real.
A criação, uma vez materializada e corporificada, por seu criador/autor, será conceituada e tipificada, na condição de obra e propriedade intelectual, podendo ser uma obra artística, um produto criativo, um invento, uma marca, um programa de computador entre outras.
Uma vez criada e definida como uma nova propriedade intelectual, a criação recém-nascida deverá obter o equivalente a uma "Certidão de Nascimento", ou seja, o seu registro jurídico.
A partir dessa confirmação legal de existência, a criação intelectual passará a gozar da chancela de seu mundo jurídico específico e da comprovação de todos os seus direitos e obrigações, tanto nacionais como internacionais. Doravante, por meio de seu criador/autor, ou por quem este autorizar, poderá realizar negociações, contratações, ao mesmo tempo em que se beneficiará de direitos exclusivos, correspondentes ao seu tipo de propriedade criativa e respectivo instituto legal. Além disso, o criador/autor da criação intelectual violada poderá guerrear contra as violações que atinjam a sua criação e seus direitos respectivos enquanto autor, tanto no âmbito civil, como no penal.
Dessa forma, bebendo nessa instigante fonte do sonho e da criação humana, os advogados especialistas da Propriedade Intelectual lidam, basicamente, com o Direito de Autor (nestes, também incluídos os Softwares), as Marcas, as Patentes, e as Tecnologias. Cada um desses Institutos da Propriedade Intelectual possui sua gama de particularidades, noções e definições, que presumem sejam estudadas e compreendidas, individual e profundamente.
Ainda, em se tratando de marca, patente (privilégio), software, e de alguns tipos de licenças próprias, existe também a respectiva regência legal administrativa dessas criações intelectuais e de seus direitos pertinentes. Esta regência legal administrativa dá-se por intermédio da aprovação inicial, concedida por Autarquia governamental específica, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, onde essas criações intelectuais são analisadas e verificadas em seus fundamentos essenciais, recebendo, ou não, seus respectivos registros exclusivos.
Nessa verificação, não só a prioridade, a novidade, e a anterioridade de tais criações intelectuais são analisadas pelo INPI, que concede ou não, a exclusividade pleiteada à criação específica, por um determinado limite temporal definido em lei, permanecendo o INPI, durante toda essa vigência temporal - concedida com exclusividade - na supervisão dos direitos que registrou.
O direito de autor, em seu duplo aspecto (moral e patrimonial), é o direito que todo criador tem sobre a sua criação intelectual literária, artística e científica original. As criações sob a proteção dos direitos de autor são, dentre outras, as obras escritas e faladas; as composições musicais; as obras artísticas, desenhos, pinturas, ilustrações; as obras visuais, audiovisuais, fotografias; as obras dramáticas; as cartas geográficas; os games; os softwares.
As atuações, interpretações e execuções originais são reguladas e protegidas pelos Direitos Conexos. O direito de autor e seu vizinho os Direitos Conexos, também, possuem seus Órgãos administrativos próprios, encarregados da expedição dos respectivos Registros de Direitos Autorais. Não obstante, o Registro de Direito de Autor tem cunho declaratório, sabido que uma criação autoral, legalmente, já existe a partir de sua criação, não dependendo de nenhum registro para sua existência, o que não ocorre com a Marca e a Patente.
Nesse caminho criativo, nos deparamos, mais recentemente, com um novo e revolucionário sistema de novas potencialidades, que pretende criar um mundo próprio, um novo universo. É o referido Metaverso: um mundo novo criado digitalmente com novas possibilidades visionárias. Este novo universo introduziu conceitos e criações digitais novas que já repercutem, como o blockchain, o NFT, o figital, dentre outros.
Como criação nova, o Blockchain é uma sequência de blocos, que não podem ser interrompidos ou modificados, e que contêm e ordenam blocos de informação em uma segura cadeia sequencial, como as transações realizadas na rede bitcoin. Além disso, ele agrupa um conjunto de informações por meio da criptografia – que é o conjunto de técnicas e princípios que objetivam cifrar a escrita - garantindo a segurança das operações que realiza. O Blockchain tem por finalidade ser imutável e poder registrar todas as transações e o rastreamento de ativos de uma rede digital, gerando uma certificação que torna o ativo digital um bem único, que não pode ser substituído por outro. Nesse sentido, o Blockchain pode ser comparado a um grande "cartório de registros" mundial. O Blockchain também registra o NFT (non fungible token), que pode se corporificar e materializar como uma criação intelectual, ou seja, um tipo de propriedade intelectual, outorgando-lhe um "certificado de autenticidade", a partir da segurança de sua tecnologia.
De tantas novidades, surgem as perguntas: que direito será aplicado a este novo universo? Como se fará a proteção de suas criações? Como se preservará a segurança e a privacidade de suas criações intelectuais, obras, e de seus usuários?
Anos atrás, quando os computadores começaram a surgir, a Internet a ser desenvolvida, a rede WEB e seu ambiente digital e virtual a crescer, dia a dia, todos fizeram a mesma pergunta!
Houve, então, muitas aulas, palestras, congressos, e muito se escreveu a respeito, como está acontecendo nos dias de hoje com o Metaverso, e suas criações e potencialidades. Contudo, ouso responder que o que ainda vale para o mundo real, vale para o mundo virtual e o digital, e que, as premissas, os princípios, e conceitos gerais fixados pela Propriedade Intelectual demonstram-se perenes e atuais, e, certamente, podem ser bem aplicados às novas criações, inclusive, para esse novo universo, o Metaverso.
Basicamente, significa que o criador/autor sempre será o autor de sua criação; e que para o uso de uma criação alheia, o interessado sempre necessitará da autorização expressa de seu autor/criador, de seus herdeiros ou sucessores, independentemente da linguagem, suporte ou de onde o uso se der, ou seja, em ambiente real, virtual ou digital, mesmo no Metaverso, sob a pena das violações previstas na Legislação pertinente (exceção feita ao "Creative Commons" que oferece suas licenças gratuitas para o uso público).
Aproveitando a linha de raciocínio de Kandisnky, o que muda nestes novos tempos, é a quantidade dos artigos dispostos e à disposição do criador no "almacén", pois os novos e atraentes artigos digitais e suas matérias criativas foram incrementados em sua variedade de escolhas.
Na verdade, não importa quantos anos passem, as premissas e os Mandamentos desta área criativa continuam os mesmos. Posso confirmar essa afirmação, porque sou interessada nesta área há mais de 50 anos, desde quando, no 3º ano matutino, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, o estimado professor ANTÔNIO CHAVES entrou em classe, comunicando que, naquele ano, daria aulas de Direito Civil sobre um novo tipo de Propriedade, o Direito de Autor.
Por tudo isso, continuo dizendo que o grande fator gerador desta área do Direito, é o sonho do homem!... É sempre o seu sonho criado, materializado e corporificado, que alicerça todo esse precioso campo do Direito e suas ramificações, inclusive as mais atuais e inovadoras.
Por fim, a grande lástima a respeito desta área é o pouco conhecimento e valorização, que, normalmente, o indivíduo comum e os usuários dos direitos intelectuais têm a respeito do assunto, inclusive, mesmo, os próprios criadores, os advogados e os Julgadores. Em países mais desenvolvidos, este assunto é tratado com um respeito natural, sendo ensinado às crianças desde as escolas... Se ao menos esta área de tanta especialidade do Direito fosse ensinada em nossas Faculdades que lidam com a criação e o ato de criar (como arquitetura, design, engenharia, belas artes, propaganda, marketing, comunicação, jornalismo, para mencionar algumas...) e, também, naquelas que formam futuros advogados e magistrados, muito se avançaria... Quem sabe um dia, no Brasil, consigamos chegar mais próximos desse sonho...
REFERÊNCIA
[1] Kandinsky, Wassily, in "La Gramática de la Creación el Futuro de La Pintura" –Ediciones Paidós Ibérica, S.A., Barcelona, España - Buenos Aires – México, 1987.
Kandinsky, Wassily (1866/1944) artista russo, naturalizado francês, foi professor da Bauhaus. Estudou Direito e Economia. Foi um introdutor da abstração nas artes visuais. Inaugura o abstracionismo no Ocidente com sua Primeira Aquarela Abstrata, de 1910.
*SYLVIA REGINA DE CARVALHO EMYGDIO PEREIRA
-Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1972);
-Mestrado em Direito (L.L.M.) na New York University em "Trade Regulation" com especialização em propriedade intelectual (1974);
-Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob o nº 31.479; e
-Fundadora do escritório "Emygdio Pereira Advogados Associados";
-Sócia Fundadora do IIDA- Instituto Interamericano de Direito de Autor/USO e do LIBRAS - Licenciantes do Brasil em Direitos do Autor e
-Ministra aulas de Propriedade Intelectual em diversas Faculdades.
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