Autor: Sergio Luiz Pereira Leite (*)
Muito se tem falado sobre a instituto jurídico denominado audiência de custódia, mas poucos sabem exatamente a sua origem e a sua finalidade. Neste artigo limitar-me-ei a discorrer sobre o instituto, sem fazer avaliações com o momento atual pelo qual atravessa o nosso Poder Judiciário. Essa avaliação deixo a cada um dos leitores.
A ORIGEM
O projeto da audiência de custódia, no Brasil, foi lançado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 6 de fevereiro de 2015 e trouxe à efetivação das previsões formuladas anos antes pelo Pacto de São José da Costa Rica, que derivou do Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, objeto do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mundialmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, escrita em 1969, estabeleceu, em seu item 2, do artigo 5º, o seguinte, verbis:
"Ninguém será submetido a torturas, nem e apenas ou trabalhos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano".
Também previu, no item 5 do artigo 7º que "toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou posta em liberdade, sem prejuízo de que o processo prossiga. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo."
E porque a implementação desse pacto somente ocorreu no Brasil tanto tempo depois de sua elaboração? A resposta encontramos no fato de que o Brasil somente aderiu e se tornou signatário desse Pacto no dia 6 de novembro de 1992; pouco após a sua adesão ao Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, adrede mencionado e promulgado através do Decreto nº 592/92.
Passaram-se décadas entre o Brasil apresentar uma resposta prática em relação à audiência de custódia, sendo oportuno mencionar que o STF já havia se posicionado no sentido de que a Convenção Americana de Direitos Humanos tem valor supralegal, ou seja, está acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição, não sendo necessária, nesse caso, a promulgação de leis ordinárias para que ela pudesse ser aplicada (RE 466.343/SP e HC 87.585/TO).
FINALIDADE
Para evitar insegurança jurídica e o incômodo da ausência de legislação nacional sobre o tema, em 14 de julho de 2016, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, o PLS 554/2011, que alterou o § 1º do artigo 306 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), para determinar o prazo de 24 horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada a prisão em flagrante.
Dessa forma, a audiência de custódia, que tem natureza garantista e visa assegurar a validade e a eficácia dos atos produzidos, é o momento em que o acusado de um crime deverá ser apresentado ao juiz, no prazo de 24 horas de sua prisão em flagrante, devendo estar assistido por advogado ou defensor público e com o membro do Ministério Público.
Nessa audiência deverão ser analisadas duas questões, principalmente. A primeira, versa sobre a legalidade da prisão, ou seja, se foram respeitados todos os procedimentos legais, a dignidade do preso e se houve excesso por parte da polícia. Subsidiariamente, deverá ser analisada também a necessidade da manutenção da prisão decretada, convertendo-se a prisão em flagrante em prisão preventiva, se o caso.
Os procedimentos da audiência de custódia estão detalhados na Resolução 213 do CNJ, que elenca as etapas a serem percorridas e, na exposição de motivos ali insertos, vemos como fundamento para a audiência de custódia a questão carcerária. Percebemos que a audiência de custódia se propõe a trazer uma nova proposta à questão prisional, a ideia de que a prisão nem sempre é a melhor escolha e que talvez, uma atitude mais humana, um contato mais justo, possa trazer uma mudança no comportamento social.
A proposta dessa audiência é, em suma, aproximar a pessoa acusada de um crime em flagrante da figura do juiz, afim de que este avalie com mais propriedade, as características do personagem apresentado e as consequências que uma privação de liberdade pode gerar e humanizar a prisão, tudo com o intuito de despertar no julgador um maior interesse pelas medidas cautelares diversas da prisão, como as previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Como esse instituto deriva de tratado internacional do qual o Brasil se tornou signatário, é oportuno lembrar que ele deve se enquadrar nos princípios norteadores de nosso direito, e em especial do direito processual penal.
Ora, as normas provenientes de tratados internacionais são hierarquizadas como normas supralegais, significando isto dizer que se encontram abaixo da Constituição e acima das leis ordinárias. Mas a audiência de custódia traz à lume alguns princípios constitucionais e a sua efetivação, destacando-se que o juiz deixa de ser apenas um aplicador da lei, mas sim um aplicador de justiça.
Ademais, a audiência de custódia tem algumas características que pretendem dar ao acusado uma série de direitos outorgados a todos os cidadãos, como por exemplo, o principio da dignidade da pessoa humana (CF, inciso III do artigo 1º), o princípio do juiz natural (inciso LIII, do artigo 5º da CF), também na previsão do inciso LV, ao mesmo artigo 5º da Constituição Federal, que versa sobre o principio da ampla defesa e do devido processo legal; o principio da celeridade processual, consistente na razoável duração do processo e dos meios que a garantam a celeridade de sua tramitação, previsto no mesmo artigo 5º, inciso LXXVIII do texto constitucional e, por fim, consagra o estado de inocência, pelo qual ninguém será considerado culpado até o trânsito da sentença penal condenatória.
Decorridos alguns anos de aplicação da audiência de custódia, não se pode afirmar com certeza de que o instituto está cumprindo a sua função primordial, mesmo porque alguns exageros se tem cometido por parte do Judiciário, no livrar acusados de elevada periculosidade, da segregação social. No mesmo passo, outros que nenhum perigo representam à sociedade, tem o benefício das penas alternativas denegado. Mas o futuro ainda dirá se tal instituto existirá em sua plenitude e justiça.
Estas, em rápida análise, as considerações que faço a respeito da audiência de custódia.
BIBLIOGRAFIA
Audiência de Custódia – publicado por Nádia Fressatto de Godoy, in jusbrasil.com.br;
Audiência de Custódia – LOPES JR, Aury; PAIVA, Caio;
CAPEZ, Fernando - Curso de Processo Penal – 22ª edição – Saraiva – 2015;
TÁVORA, Nestor – Curso de Direito Processual Penal – 8ª edição – Salvador – JusPodium; e
Acessos a vários sites de tribunais superiores e Congresso Nacional
*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE
-Advogado graduado pela Faculdades de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga (03/76) e
-Militante há mais de 45 anos nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.
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