As intensas transformações experimentadas no mundo, notadamente, as relacionadas aos modelos de produção e aos de acumulação de capital, bem como as ideias do Vale do Silício, das teorias da economia compartilhada etc geraram reflexos profundos sobre os direitos sociais dos trabalhadores, sob o argumento de que são excessivos e desnecessários e até ofensivos à economia, como as paralisações, sindicalização, negociações coletivas, direito ao lazer, descanso, dados da vida privada, desconexão etc.
Merece, ainda, a reflexão mais detida de como compatibilizar trabalho da 4a Revolução Industrial e os direitos sociais conquistados no decorrer da História. Isso porque já fazem parte de nossa realidade e são mecanismos de trabalho que movimentam mão de obra em, praticamente, todos os continentes.
O fenômeno da uberização suscita a discussão sobre apologia de que o subemprego pode ser a causa da sobrevivência da economia e do crescimento dos mercados, mantendo o consumo ativo e a economia circulando.
Essas novas formas de trabalho são crescentes em todo o mundo. O modelo de trabalho é vendido como atraente e ideal, pois propaga a possibilidade de se tornar um empreendedor, com flexibilidade de horário e retorno financeiro imediato. Surgem os trabalhadores por conta própria, afastando-se da tradicional proteção trabalhista.
Das novas relações, há a discussão de que existe fragilidade e riscos decorrentes dos novos modelos de contrato de trabalho, oriundos de dispositivos tecnológicos, denominados de sharing economy – economia colaborativa ou cultura de compartilhamento.
Trata-se de um processo que vai para muito além do Uber e da economia digital, que é novo, mas é também uma atualização que conferiu visibilidade a características estruturais do mercado de trabalho mundial.
Aliás, esclareça-se que no modelo Uber a empresa quer se comportar como simples mediadora entre o trabalhador e o cliente, terceirizando todos os elementos possíveis considerados custos do trabalho.
A grande preocupação da temática é a proteção social dos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria tanto em períodos de normalidade como em tempos de pandemia, como ocorre nos anos de 2019 e 2020 com a propagação do Coronavírus (COVID – 19).
Outro destaque do estudo é buscar pontos de equilíbrio entre os fatores econômicos de um mundo globalizado e a manutenção da proteção dos direitos sociais (exemplos: direitos trabalhistas e previdenciários, bem como proteção ao desemprego à doença ou à velhice)
Este tema se torna mais forte quando se trata dos trabalhadores das plataformas digitais, principalmente, com os serviços prestados à UBER, por exemplo, ou até mesmo aplicativos de entrega de alimentação em domicílios (delivery), tanto em situações de normalidades como de exceção do Estado, tais como declaração de calamidade pública, estado de sítio, estado de defesa etc, na medida em que ficam sem receber contraprestação.
É essencial enfrentar este tema para fins de definição até de políticas públicas, com um equilíbrio do ponto de vista econômico e social, de comportamentos e posições que assegurem proteção contra a perda de rendimento profissional quando da ocorrência de um determinado risco, como, no caso de profundas recessões econômicas, catástrofes naturais e de pandemias, como ocorre no presente ano, em que existe a paralisação de atividades não essenciais em todo o território brasileiro.
No Brasil, ainda não há consenso sobre o tipo de proteção trabalhista e social. Há divergências claras na doutrina e na jurisprudência no que se refere a uma relação de emprego ou a uma mera prestação de serviço.
É preciso analisar as consequências econômicas e sociais dos informais conectados às plataformas digitais também pelo viés do princípio da solidariedade coletiva, exatamente porque há a tendência de crescimento destas relações informais advindas do fenômeno da robotização e extinção de postos de trabalho gradativamente no sistema capitalista produtivo. Isso também ocorre pelas inovações tecnológicas.
As mudanças estruturais nos mercados de trabalho ultrapassaram as fronteiras entre as diferentes situações no emprego em todo o mundo.
É real a alteração no formato das relações trabalhistas, ocasião em que os regimes de trabalho por tempo indeterminado e com os requisitos legais estão, paulatinamente, a depender do grau de tecnologia do local, modificando-se para relações mais esparsas, como o trabalho por tempo parcial e até o trabalho intermitente. Destacam-se, no Brasil, a Reforma Trabalhista de 2017 e nova alteração legislativa, em 2019 e as alterações adaptadas à pandemia do Coronavírus em 2020, mediante medidas provisórias expedidas pelo Presidente da República em março de 2020.
Não se pode olvidar que a globalização, o progresso tecnológico, mudanças nas preferências individuais e as alterações demográficas, bem como o desemprego nos postos de trabalho tradicionais contribuíram para alterações importantes nos mercados, razão pela qual a 4a Revolução Industrial é uma realidade que urge por estudo e direcionamento até para fins de auxiliar as políticas públicas, principalmente, nos países em que estas relações estão surgindo contemporaneamente, como é o caso do Brasil.
Esse giro tecnológico reafirma para muitas empresas que é mais vantajoso (principalmente, fiscal) manter contratos mais tênues, esparsos, e, com isso, descentralizam, ao mesmo tempo, que optam por contratos sazonais.
Por exemplo, uma empresa como UBER é muito mais consentâneo com seu mecanismo empresarial que realize com os diversos motoristas que usam o aplicativo uma relação de prestação de serviços, tratando-os como autônomos, sem vínculo trabalhista tradicional. Não somente ela, mas também diferentes plataformas digitais possuem esse raciocínio empresarial/produtivo, sob uma perspectiva de maior autonomia, ganho rápido, flexibilização da jornada etc.
Ao mesmo tempo, os que trabalham por conta própria em plataformas digitais poderão ter problemas sociais crônicos em determinadas situações, sobrecarregando o sistema fiscal do Estado e até o sistema de saúde se não houver um mecanismo jurídico que os protejam no desempenho de suas atividades.
Isso porque se estiverem desassistidos de uma relação previdenciária, em casos de acidentes e doenças, bem como invalidez, serão socorridos pelo Estado. Muito embora se defenda uma capitalismo e uma liberdade da iniciativa privada, no fim das contas, será o Estado que intervirá nas relações quando houver um risco social.
A justificativa desse raciocínio é que referidos trabalhadores, em tese, são desprovidos de direitos trabalhistas, como um descanso semanal remunerado e o período de férias, essenciais para a saúde e integridade física do indivíduo e até não possuem o direito de desconexão, aumentando o risco de acidentes e de doenças profissionais quando do desempenho de suas atividades.
As atividades econômicas que exercem preveem um estilo mais informal, flexível e por demanda e o trabalhador ganha, praticamente, por produção. Não há garantias nem estabilidades.
Há grupos consideráveis dos trabalhadores que são deixados sem acesso adequado à proteção social em virtude da sua situação no emprego ou do tipo de relação de trabalho. Em suma, as pessoas em empregos atípicos não se beneficiam geralmente do mesmo acesso aos regimes gerais de proteção social que as pessoas em contratos convencionais.
Esses trabalhadores por conta própria enfrentam obstáculos para constituir e fazer valer direitos adequados a prestações devido às disposições que regem as contribuições e os direitos. Isso gera insegurança social e também preocupações em nível de ausência de acesso adequado à proteção social, ferindo o patamar civilizatório mínimo.
Para aprofundar essa análise, é preciso perquirir qual a natureza jurídica dos trabalhadores que usam essas plataformas. A partir desta perspectiva trabalhista, cabe destacar que as prestações de serviços através de plataformas virtuais são atividades marcadas por traços como uma flexibilidade exacerbada, uma intensa individualização do vínculo de prestador de serviços com a plataforma virtual e algumas embaçadas fronteiras da plataforma como possível empregador.
O grande dilema existente é a sustentabilidade econômica e social dos sistemas de proteção social e a realização de atividades mediante as plataformas digitais no mundo contemporâneo.
A proposta é exatamente buscar o equilíbrio destas sustentabilidades, bem como aprofundar o estudo para fins de auxiliar a tomada de medidas que permitam a todos os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria acumular direitos enquanto beneficiários de um sistema (cobertura efetiva adequada) e facilitar a transferibilidade dos direitos de proteção social entre regimes.
Além disso, nota-se, até pela dificuldade, muitas vezes, de assumir a responsabilidade pelo seu próprio negócio, é preciso simplificar as formalidades administrativas dos regimes de proteção social para os trabalhadores por conta de outrem, os trabalhadores por conta própria e os empregadores, nomeadamente as micro, pequenas e médias empresas.
O Direito do trabalho e os direitos humanos consolidam-se, são essenciais, primordiais em qualquer sociedade civilizada. Ao assegurar direitos mínimos aos trabalhadores, garantindo que eles sejam tratados como seres humanos, e não como coisas ou meras peças da engrenagem produtiva, o direito do trabalho atua na concretização da própria dignidade da pessoa humana.
A dignidade não pode deixar de ser um importante fundamento. Com base nessa perspectiva, é preciso enfrentar a matéria e seus desafios.
*MARIA RAFAELA DE CASTRO
-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto /Portugal(2016);
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região;
-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;
-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;
-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;
-Professora do curso Gran Cursos online;
-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.
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