sábado, 29 de abril de 2023

Relacionamentos interpessoais e a educação


 Cintia Vasconcelos(*)

     

O clima de respeito que nasce de relações  justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos  se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico; "Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários À Prática Educativa , pág.103,1996"
 
Uma das maiores dificuldades e necessidades dos dias atuais são os relacionamentos interpessoais. A tecnologia deixa as pessoas sem paciência pra conversar com outras Tete a Tete. A maldade humana fecha os corações de quem já se decepcionou a novos relacionamentos de amizade inclusive. O egoísmo impede que as pessoas olhem para a necessidade básica do outro, que às vezes é somente um abraço ou a necessidade de ser ouvida. E isso tem acontecido em todas as faixas etárias, porque tornou-se normal querer se defender através do afastamento.

Porém, precisamos ter discernimento e não colocar as pessoas num mesmo patamar. Nem todos são extremamente maldosos. Nem todos são extremamente egoístas. Nem todos querem nos usar e jogar fora.

E os relacionamentos desenvolvem inúmeras habilidades necessárias para nossos crescimento. Trocarmos experiências nos fazem refletir sobre as causas e efeitos. Pontos de vista diferentes nos fazem ter conhecimento de outras possibilidades existentes. O calor humano é fundamental para conexões cerebrais.

Que percamos o medo de nos relacionarmos. O medo está nos impedindo de ir além do que possamos imaginar.

*CINTIA VASCONCELOS












-Pedagoga graduada pela Universidade Anhanguera(2011); e

- Atua na coordenação pedagógica em escolas de níveis médio e superior.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

A arte do possível ou a arte do necessário?


 Antonio Carlos Arruda(*)

          
O título deste artigo pretende promover uma reflexão sobre o atual momento que vivemos na sociedade sobre a questão da violência, tendo como pano de fundo os atuais eventos ocorridos nas escolas e as providências tomadas pelas autoridades públicas.

Parece-me algo comum o anseio da maioria das pessoas que o caminho do entendimento e da paz é o único possível para que possamos conviver de maneira civilizada. Porém por que no mundo atual, a questão da violência se apresenta cada vez mais disseminada e isso tem afetado o mundo escolar?

Penso que o pano de fundo desta questão é admitirmos que vivemos em uma sociedade doente, onde aquilo que a humanidade escolheu como forma de evolução e progresso, rui todos os pilares daquilo que entendemos como processo emancipatório de civilidade.

Temos quadros paradoxais como evolução ininterrupta da tecnologia e avanços científicos e por outro lado, a manutenção da fome, da miséria, do preconceito e discriminação, de problemas ambientais, parecendo estes serem problemas crônicos e difícil solução.

Mais do que nunca estamos em xeque diante de um problema civilizatório de onde queremos chegar e porquê! Ou seja, "vivemos desafios éticos e morais".

O tal progresso ainda não dá conta da resolutividade de problemas centrais existenciais e a forma que encontramos para questionar tudo isso, nem sempre tem sido de maneiras adequadas, se utilizando de respostas violentas que sinceramente, não resolvem nada, pelo contrário, ainda aumenta mais o fosso ético e moral.

Estamos perdendo a capacidade do diálogo, da empatia, de sentir a alegria e a dor do outro, suas angústias, desejos, frustrações e realizações.

E olha que a grande maioria acreditava que após a pandemia sairíamos melhores.

Nesse sentido, assusta e muito quando vemos que no caso da violência, esta passa a "frequentar" os ambientes escolares, onde adolescentes e jovens se veem no direito, de quando frustrados, usarem de qualquer meio, como ameaças e agressões a professores e posse de armas brancas, objetivando fazer justiça com as próprias mãos.

Immanuel Kant (1724-1804) na obra "Sobre a Pedagogia", nos diz na Introdução que "...o homem é a única criatura que precisa ser educada. Poe Educação entende-se o cuidado de sua infância ( conservação e o trato), a disciplina e a instrução com a formação". Também pontua que a Educação é único instrumenta que torna humanos.

As perguntas que nos advém a saber, é o que estamos fazendo e como estamos fazendo, já que parece que a Educação de fato não está cumprindo seu verdadeiro papel?

Entendemos que o ambiente escolar é complexo, pois nos nossos dias, esta lida com várias situações como ambiente familiar, fome, desemprego, dentre outras questões, fora as questões de caráter acadêmico e pedagógico.

Diante de tal quadro como estamos vendo atualmente os posicionamentos das autoridades públicas para minimizar as situações de violência.

Como o título deste artigo diz: promovem aquilo que é possível ou o necessário?

Na esfera federal vemos a adoção de medidas como investigar as causas e as formas da violência, levando em conta um maior foco na adoção de medidas de apoio à escolas como dinamização de ambientes mais dinâmicos que incentivem a criatividade e uma participação maior dos alunos (engajamento na vida da escola), apoio de outros profissionais como psicólogos, assistentes sociais e segurança a paisana.

Na dimensão estadual atitudes serão tomadas como intensificação de rondas escolares, contratações de profissionais de segurança e outros de dimensões sociais, assim como no governos federal.

Penso que são medidas necessárias tanto do ponto de vista de se atender já, como outras que surtirão efeito a médio prazo.

O que vejo ainda precário nesta tentativa de resolutividade três questões:

1) É necessário ouvir mais aqueles que estão diretamente no "chão da sala de aula", ou seja, os professores, onde estes podem contribuir de maneira mais profunda não somente em relação ao problema da violência, como também em outras questões que dizem diretamente ao mundo da escola;

2) Se colocar o que de fato em prática o que já em 1996 preconizava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em se estabelecer parcerias e entendimentos com a comunidade escolar, já que a escola está inserida em um contexto onde se ouvindo a realidade onde está inserida, todos tendem a ganhar e avançar; e

3) Faz-se necessário uma ampla campanha nacional, onde se esclareça quais são os papéis e deveres da escola, bem como em relação às famílias, porque está vigente um falso valor moral onde a escola “tem obrigação de resolver tudo aquilo que diz respeito à vida do aluno”. Nesse sentido, reafirmo a tese de que a escola também é o local de discussão e construção de valores éticos e morais, contando com o apoio de familiares e responsáveis.

Portanto , o possível e o necessário devem caminhar juntos e não dicotomizados.

*ANTONIO CARLOS JESUS ZANNI DE ARRUDA














-Graduação em Pedagogia pela Universidade do Sagrado Coração (2017);

- Graduação em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração (1996);

- Mestrado em Educação para a Ciência pela UNESP (2004);
-Doutorado em Educação para a Ciência pela UNESP (2009); e

- Pós doutorado em Educação pela UNESP (2020)


-Trabalha no Ensino Superior nas mais variadas disciplinas, como filosofia, ética e responsabilidade social, antropologia, metodologia científica e filosofia da educação) ;

-Possui experiência na EAD (Educação a Distância) como tutor e elaborador de conteúdos, de projeto pedagógico e gestão de processos;

-Possui conhecimento em metodologias ativas;

- É parecerista ad hoc de avaliação de artigos científicos na Revista Educação e Filosofia na UFU (Universidade Federal de Uberlândia);

- Participa do grupo de estudos em Desenvolvimento Moral na UNESP de Bauru - SP;

-Possui competências em Gestão Educacional, incluindo em especial a liderança e gerenciamento de professores, coordenadores universitários e processos acadêmicos;

 -Possui contato e experiência com o SINAES, ENADE, FIES, PROUNI, Censo de Ensino Superior, CPC’s de Curso Superior, Projetos Pedagógicos de Curso, Projetos de Desenvolvimentos Institucional, Avaliações de Cursos, projeto de elaboração e solicitação de abertura de cursos na modalidade EAD junto ao MEC e ainda recepcionar avaliadores do próprio MEC. É Colaborador de Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Moralidade na UNESP de Bauru - SP. e

-É avaliador de cursos superiores pelo Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo.

Contatos:

e-mail: arrudafilosofia@hotmail.com

linkedin: Carlos Arruda

Tel: (14) 991152195

 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0764418599887611


Nota do Editor:

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sexta-feira, 28 de abril de 2023

Porque morremos no Brasil?


       Autor: Álvaro Santos(*)


Todo ser vivo tem seu predador!!

Onde está Iago?

Morto!

Iago era um novo colaborador em nossa empresa, pelo pouco tempo que nos foi permitido, podemos dizer que era um inocente, sim; um inocente. Iago não apresentou nenhum dos trejeitos característicos da juventude atual, palavras como "parça, correria, tá ligado", pareciam não fazer parte de seu vocabulário.

A morte!

A morte parece dar sinais. Um dia antes de sumir, Iago pede para tirar folga pois sua mãe estava fazendo faxina e ele queria ajudá-la. No outro dia trabalhou seu turno completo e foi pra casa. Segundo sua irmã, jantou e saiu. Apareceu morto.

Porque morrermos no Brasil?

Porque não há consequências! Tanto faz roubar, estuprar, matar, esquartejar, espancar, afogar, esfaquear, torturar; crianças, jovens, adultos, velhos; homens, MULHERES, transexuais, bissexuais ou qualquer derivação, de qualquer raça “se for negra estará disponível nas estatísticas- dentro de casa, na rua, na empresa, no shopping, nas ESCOLAS - Não importa! Não há consequências!

2 de outubro de 1992

Dois de Outubro de mil novecentos e noventa e dois. Sim! Está é a data onde o martírio se alastrou, aprofundou e enraizou no seio da sociedade brasileira. Ali perdemos o fio da meada. Naquele dia os bandidos venceram. Ora! Morreram ali cento e onze presos! Como eles venceram? Venceram porque nos colocaram em xeque! Venceram porque a sociedade se vitimizou com a barbárie cometida contra eles – como se os mesmos fossem condescendentes e honrados com suas vítimas antes, durante e depois do ocorrido. Vejam na atualidade, atiram em nossas cabeças, pasmem! Não atiram para o alto! Não alvejam as pernas ou qualquer parte menos sensível do corpo. Não atiram para imobilizar a vítima verdadeira. Atiram, na cabeça!

Legalista

Sou deverás legalista! Sou contra a barbárie! Penso que pau que dá em chico, deva dar em Francisco.

De quem é a responsabilidade ?

A responsabilidade pela atual onda de violência no Brasil é do eleitor. Há quarenta anos iniciamos uma luta pela DEMOCRACIA! Desde então nossa sociedade não entendeu o sistema. Não compreendeu que mudam o bolo mas as moscas continuam as mesmas. Elegemos e reelegemos tiriricas e bandidos em família para elaborarem leis Entregamos mais de um milhão de votos para o sujeito fazer teatro no parlamento. Elegemos ditos de direita para agirem tal qual a esquerda que vem afundando o país em sentimentos arcaicos e vitimismos elaborados. Vivemos da lacração!

Salvar vidas? Porquê?

Porque salvar vidas não dão votos! Enquanto a sociedade viver acuada pela violência será manobrada e e seus olhos vendados não os deixam vislumbrar que tanto a esquerda maldita quanto a dita direita conservadora e patriota além de CRISTÃ estão apenas a manipular o sistema para manter suas regalias e seus ganhos.

Não há consequências!

🇧🇷 Matou? A morte em qualquer circunstância deve ter como pena mínima 80% da pena total. Ou seja; estaremos salvando vidas! Ao aplicar esse CONCEITO estaremos dando ao assassino algo a pensar. A morte deve ter consequências! Esse arcabouço legal arcaico não coloca freio nas ações. Na atualidade, tanto faz matar. Nossos políticos seguros, vivem em outro País! Não sentem o desconforto de sair de casa e não saber se voltam.

Conclusão

Apenas colocando no arcabouço legal que matar em qualquer circunstância, de forma dolosa ou culposa, delator, maior ou menor o sujeito irá arcar com a pena mínima de 80% do que for condenado hei de serem salvas milhares de vidas por ano. Será que vidas importam?

REFERÊNCIAS



*ÁLVARO SANTOS









-Microempresário na área de prestação de serviços
-Autodidata formado pela Faculdade da Vida.

Nota do Editor:
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quinta-feira, 27 de abril de 2023

Divórcio Post-Mortem

 

Autora: Gabrielle Suarez(*)

O divórcio é o rompimento legal do vínculo do casamento civil, onde acabam, definitivamente, as obrigações matrimoniais.

No entanto, o divórcio pós-morte, também conhecido como divórcio post mortem, é uma questão legal mais complexa que pode ocorrer quando um dos cônjuges morre antes que o divórcio seja finalizado.

Apesar de se tratar de uma situação relativamente rara, pode ter grandes implicações legais e emocionais para as partes envolvidas. Em geral, a jurisprudência mais antiga determina que, quando um cônjuge morre antes do divórcio ser concluído, o processo de divórcio é encerrado automaticamente, já que a morte dissolve automaticamente o casamento, em homenagem ao princípio do mors omnia solvit ("a morte soluciona tudo").

No entanto, em algumas situações, o divórcio pode continuar mesmo após a morte de um dos cônjuges, tendo-se em vista que o estado civil de viuvez irradia efeitos jurídicos bem específicos e diferentes do estado civil de divorciado.

A maioria dos casos de divórcio pós-morte envolve disputas de propriedade e herança. Por exemplo, se um casal estiver se divorciando e um dos cônjuges morrer, o cônjuge sobrevivente pode ter direito a uma parte da propriedade ou da herança do cônjuge falecido. No entanto, se o divórcio não for concluído antes da morte do cônjuge, o cônjuge sobrevivente pode perder seus direitos à propriedade ou à herança.

Para evitar que isso aconteça, alguns julgados autorizam que o divórcio continue mesmo após a morte de um dos cônjuges, tendo em vista a manifestação de vontade declarada por uma das partes ou ambas. Essa opção é conhecida como divórcio pós-morte e é geralmente permitida se o divórcio já estava em andamento antes da morte do cônjuge.

No entanto, a possibilidade de um divórcio pós-morte pode ser controversa. Alguns críticos argumentam que isso pode ser uma violação da privacidade e dos direitos da pessoa falecida, pois a pessoa não pode mais se defender ou dar sua opinião sobre o divórcio, bem como o Código Civil determina ser potestativo o direito do cônjuge ao divórcio. Além disso, o divórcio pós-morte pode ser uma fonte de conflito entre os membros da família e pode prolongar ainda mais o processo de divisão de bens e heranças.

Ainda, o Projeto de Lei 4.288/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, altera o Código Civil para possibilitar o divórcio após a morte de um dos cônjuges. O texto prevê que, se iniciada a ação de divórcio antes da morte de um dos cônjuges, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

Em conclusão, o divórcio pós-morte é uma questão legal complexa que pode ocorrer quando um dos cônjuges morre antes que o divórcio seja finalizado. Embora seja uma opção admitida por alguns órgãos julgadores, pode ser controverso e prolongar ainda mais o processo de divisão de bens e heranças. Como em todos os casos de divórcio, é importante obter aconselhamento legal adequado para garantir que seus direitos sejam protegidos.

* GABRIELLE GOMES ANDRADE SUAREZ



-Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha/MG;
 -Atua como Advogada na seara do Direito de Família em São Caetano do Sul/SP; e 
Membra associada do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e comentarista e articulista jurídica.
E-mail: gabrielleasuarez@adv.oabsp.org.br

NOTA DO EDITOR :

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quarta-feira, 26 de abril de 2023

O Estado deve arcar com procedimentos/medicamentos não cobertos pelo SUS?


 Autora Stella  Cerny (*)

A partir dessa indagação temos diversas situações que são enfrentadas diariamente pela população que busca o direito à vida, à saúde. Como é notório, um dos princípios norteadores do SUS é a universalidade do atendimento. Mas o SUS tal como se apresenta no Brasil, encontra limites orçamentários e humanos.

Daí a pergunta: O SUS deve arcar com toda e qualquer prescrição médica? Com o vertiginoso aumento de ações em busca por medicamentos, tratamentos, entre outros, foi instituído pelo CNJ, através da Resolução 107/2010 o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.

Em linhas gerais fixou os seguintes critérios:
"Art. 3º No âmbito do Fórum Nacional serão instituídos comitês executivos, sob a coordenação de magistrados indicados pela Presidência e/ou pela Corregedoria Nacional de Justiça, para coordenar e executar as ações de natureza específica, que forem consideradas relevantes, a partir dos objetivos do artigo anterior.

Artigo 4º O Fórum Nacional será integrado por magistrados atuantes em unidades jurisdicionais, especializadas ou não, que tratem de temas relacionados ao objeto de sua atuação, podendo contar com o auxílio de autoridades e especialistas com atuação nas áreas correlatas, especialmente do Conselho Nacional do Ministério Público, do Ministério Público Federal, dos Estados e do Distrito Federal, das Defensorias Públicas, da Ordem dos Advogados do Brasil, de universidades e outras instituições de pesquisa.

Artigo 5º Para dotar o Fórum Nacional dos meios necessários ao fiel desempenho de suas atribuições, o Conselho Nacional de Justiça poderá firmar termos de acordo de cooperação técnica ou convênios com órgãos e entidades públicas e privadas, cuja atuação institucional esteja voltada à busca de solução dos conflitos já mencionados precedentemente."
O CNJ solicitou que todos os tribunais do país instituíssem o referido comitê de saúde, bem como os tribunais regionais, tendo em vista as questões de medicamentos e tratamentos ajuizadas contra a União.

A discussão sobre medicamentos e tratamentos não cobertos pelo SUS já vinha de longa data, sendo que o STJ decidiu e fixou o Tema 106:
"Direito à saúde. Medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS. Fornecimento pelo Poder Público. Obrigatoriedade. Caráter excepcional. Requisitos cumulativos. Tema 106."
Somente para se ter uma ideia de quantas ações existiam à época do julgamento do Tema 106, mais de 8.800 processos foram suspensos em todo o território nacional aguardando a decisão judicial. Mas como foi enfrentada a questão pelo STJ?

Foi decidido que para concessão de medicamentos não incorporados nas listas do SUS (Rename) há a necessidade de comprovação cumulativa dos seguintes requisitos: a) laudo médico que ateste a imprescindibilidade ou necessidade do medicamento e ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de arcar com o medicamento; c) registro na ANVISA do medicamento solicitado.

Portanto, restou claro que o julgamento não fixou a lista do Rename como taxativa, mas sim exemplificativa, adotando o SUS o binômio: protocolos clínicos incorporados e listas editadas pelos entes públicos.

Ressaltamos ainda que o Ministério da Saúde e o Conitec são os responsáveis pela inserção, alteração, dentre outras condutas de novos medicamentos, conforme Lei 8080/90, artigo 19-Q[1]. O Conitec observará as evidências científicas e avaliação econômica do medicamento (benefício x custos).

O SUS pautou-se na "Medicina baseada em evidência", tão difundida pelo Prof. Dr. Álvaro Nagib Atallah. Com isso, adotaram-se os 'Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas', que são o conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.

Há que se dizer que no SUS as doenças são custeadas em blocos ao contrário do que ocorre nos planos privados. O médico ao prescrever deverá levar em conta o custo do medicamento aliado à eficácia cientifica para aquela patologia. Isso quer dizer que se houver dois medicamentos para o mesmo tratamento o medicamento listado no Rename será usado, mesmo havendo outro comercializado pela Anvisa.

Ademais, o artigo 19-M[2] da Lei 8.080/90 prevê o fornecimento de medicamentos em consonância com o protocolo clínico para a doença – cuja definição encontra-se no artigo 19-N[3], II, da Lei 8.080/90 –, ou, na falta de protocolo, de acordo com as relações de medicamentos instituídas pelos gestores do SUS, consoante disposto no artigo 19-P[4] da mesma Lei.

Estabeleceu-se, ainda, nos artigos 19-Q a 19-R[5], as formas de incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos pelo SUS, tendo em vista a evolução científica e os benefícios decorrentes do avanço da Medicina.

Nesse contexto, admite-se a adoção de novos fármacos, antes não abrangidos pelo sistema do SUS, considerando "as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso" (art. 19-Q, § 2º, I, da Lei 8.080/90).

O registro do medicamento na ANVISA possibilita às autoridades sanitárias do Estado o controle das substâncias de interesse à saúde pública, a fim de garantir ao consumidor a qualidade, a eficácia e a segurança do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde providencie a sua incorporação à rede pública.

O laudo médico deverá relatar que todos os tratamentos e medicamentos foram usados para melhora do quadro clínico do paciente, mas sem qualquer sucesso no tratamento. Mas e se o medicamento não foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde? Entendeu-se que essas listas devem ser consideradas apenas como orientação na prescrição não possuindo força legal capaz de impor aos médicos a prescrição de certos medicamentos, tendo em vista a constante evolução da Medicina.

Acrescente-se que o fato de existirem alternativas terapêuticas oferecidas pela rede pública de saúde, para o tratamento da moléstia do paciente, não desonera o Estado da obrigação de fornecer o medicamento necessário e adequado ao tratamento buscado, na forma prescrita pelo médico.

Quanto à incapacidade financeira, deve-se entender como aquela no que tange à impossibilidade de arcar com os custos do tratamento/medicamento. Aqui não se trata de incapacidade econômica para arcar com os custos do processo, a justiça gratuita.

E finalmente, quanto ao registro do medicamento na Anvisa, é condição precípua. Mas e quanto a medicamentos que não foram registrados? E medicamentos importados? Aqui também restou decidido que é viável desde que no país de origem tenha sido registrado pelos órgãos competentes. Teríamos aí a chancela do órgão produtor atestando a segurança e eficácia do medicamento. A Anvisa faz desde o registro até a fixação do preço, atestando a segurança e o benefício do produto, sendo requisito necessário para ser incorporado pelo SUS.

Portanto, podemos concluir que caso o medicamento não conste na lista do SUS (Rename), alguns requisitos deverão ser preenchidos para que o paciente consiga êxito em eventual ação judicial, sendo que um ponto de extrema relevância e adotado pelo SUS e pelos NatJus dos tribunais de justiça, é que haja evidência científica do tratamento prescrito para a doença mencionada e esgotamento de todas as possibilidades indicadas pelo SUS.

No que tange a medicamentos off-label, importados e doenças raras, são objetos de posterior artigo no qual abordaremos as questões e o modo como nossos tribunais têm se posicionado.

REFERÊNCIAS

[1]A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. § 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. § 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível;

[2]Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011):

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
II - oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde - SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado;
[3]Art. 19-N. Para os efeitos do disposto no art. 19-M, são adotadas as seguintes definições: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011):
I - produtos de interesse para a saúde: órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
II - protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
[4]Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão IntergestoresBipartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

[5]Art. 19-R. A incorporação, a exclusão e a alteração a que se refere o art. 19-Q serão efetuadas mediante a instauração de processo administrativo, a ser concluído em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, contado da data em que foi protocolado o pedido, admitida a sua prorrogação por 90 (noventa) dias corridos, quando as circunstâncias exigirem. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 1º O processo de que trata o caput deste artigo observará, no que couber, o disposto na Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e as seguintes determinações especiais: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011):

I - apresentação pelo interessado dos documentos e, se cabível, das amostras de produtos, na forma do regulamento, com informações necessárias para o atendimento do disposto no § 2o do art. 19-Q; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);


III - realização de consulta pública que inclua a divulgação do parecer emitido pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);

IV - realização de audiência pública, antes da tomada de decisão, se a relevância da matéria justificar o evento. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011);

V - distribuição aleatória, respeitadas a especialização e a competência técnica requeridas para a análise da matéria; (Incluído pela Lei nº 14.313, de 2022);

VI - publicidade dos atos processuais. (Incluído pela Lei nº 14.313, de 2022)


* STELLA SYDOW CERNY













-Advogada, graduada pela FMU (1997); 

-Especialização em Direito Imobiliário - ESA

-Pós-graduada em Direito Previdenciário – Verbo Educacional

-Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde – EPD.

-Membro Efetivo da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB/SP;

-Membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP;

-Atuando na Cerny Advocacia desde 2006; e

-Atuação nas áreas de planos de saúde, cível, consumidor e previdenciário (www.cernyadvocacia.com.br ).


Nota do Editor:


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terça-feira, 25 de abril de 2023

É o fim dos sindicatos no mundo do trabalho digital?


 Autora: Maria Rafaela de Castro (*)


Um sindicato de classe deve dizer que espécie de sociedade quer – Ricardo Antunes.

É importante analisar a necessidade dos sindicatos se adaptarem aos novos rumos do capitalismo, principalmente, quando avançamos no trabalho realizado pelas plataformas digitais, tais como a Uber, Ifood etc.

Abordar os sindicatos nesse novo rumo é importante haja vista que as reflexões sobre a classe trabalhadora norteiam as lutas da classe nos aspectos econômico, social e política, ditando os caminhos para a nova visão de aplicação e eficácia dos direitos sociais, principalmente, da própria natureza jurídica da relação travada entre as partes (afinal, o uberizado é empregado ou autônomo?).

No Brasil, em específico, tivemos a Reforma Trabalhista que ocasionou, por um lado, a piora da situação sindical no que diz respeito ao financiamento, abolindo-se a compulsoriedade do antigo imposto sindical que, ao seu turno, propiciava a sobrevivência financeira do sindicato para fins de realizar suas atividades de forma satisfatória.

Por isso, quando se rompeu com a obrigatoriedade do financiamento, em postura chancelada pelo STF, teve-se, de fato, um insucesso sindical e, com isso, voltamos à tona da reflexão de Ricardo Antunes.

Isso porque os sindicatos fortes denotam a ideia da fortaleza de uma sociedade, permitindo que as lutas entre empregados e patrões ocorra de forma menos desigual, aproximando-se de uma realidade mais justa.

Nesse panorama, acerta-se em cheio a realidade de que o direito do trabalho, destacando-se o direito coletivo, com ênfase na existência, organização e manutenção dos sindicatos, é um freio autêntico dos exageros do mundo capitalista.

Quando este freio não existe ou está lesionado, observa-se uma superexploração da classe trabalhadora que fica à mercê das políticas neoliberais, com consequências nefastas a toda a sociedade.

Estabelecemos relações dos sindicatos com a sociedade e sua ingerência na atualização do direito do trabalho que, para nós, juízes do trabalho, revela-se como contrapeso de todos os desmandos negativos do capitalismo.

Um aspecto de peculiar interesse é a internacionalização dos sindicatos quando os interesses possam ter impacto além das fronteiras. Aqui incluo um exemplo, a meu ver, atual e direto, qual seja, o labor mediante o uso de plataformas digitais, revelando-se como um termômetro das relações laborais ao redor do mundo.

Ricardo Antunes, por exemplo, em livros e artigos publicados, traz a noção do cyberproletário ou infoproletário, demonstrando que o enfraquecimento da ideia de pertencimento de classes atinge em cheio o alvo do direito sindical, ficando, portanto, à berlinda na manutenção de direitos sociais e até em conqustas de mais direitos conectados ao novo panorama mundial.

A ausência de pertencimento de classe que atinge os uberizados através de ideias de marketing pesado relacionados ao empreendedorismo revelam o massacre e a erosão dos direitos trabalhistas, pois passam a se considerar como profissionais autônomos e, portanto, alheios ao direito do trabalho.

Em raciocínio consequencial, os sindicatos são postos em segundo plano em diversas relações de trabalho que surgem no mundo contemporâneo, o que se mostra preocupante para a própria evolução do direito do trabalho (em especial, do direito coletivo).

Nesse novo universo que se apresenta, o tema de direito sindical precisa voltar à tona repaginado, superando as limitações de cunho financeiro e ideológico, haja vista sua potencial e constitucional função de garantir os direitos trabalhistas das mais variadas classes sociais.

Afinal, são eles que fazer as negociações coletivas, fontes do direito do trabalho, e conseguem, com isso, aproximar o direito do trabalho da realidade, principalmente, do chão de fábrica.

Daí porque a frase de abertura desse texto nunca esteve tão em voga, qual seja , um sindicato de clase deve dizer que espécie de sociedade quer. É inevitável que o fortalecimento de bases sindicais – independentemente de conotação política – possui o condão de fortalecer a própria sociedade na luta dos seus fantasmas visíveis e invisíveis, como a mão do mercado.

Os desafios, portanto, estão só começando!

* MARIA RAFAELA DE CASTRO

















-Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará(2006);
-Pós -Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá (2008);
-Mestrado em Ciências Jurídicas na Universidade do Porto Portugal(2016);
-Doutoranda em Direito na Universidade do Porto/Portugal;
Juíza do Trabalho Substituta da 7a Região; 
-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;
-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;
-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;
-Professora do curso Gran Cursos online;
-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e
-Palestrante.
- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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Como fazer uma cláusula de resolução de litígios


Autor: Rodolfo Amadeo (*)

Na imensa maioria dos casos, as últimas cláusulas com as quais as partes se preocupam no fechamento de um contrato são aquelas destinadas à escolha do(s) meio(s) de resolução de litígios. Por tal razão, essas cláusulas são frequentemente chamadas de "midnight clauses", aludindo-se ao fato de que são redigidas após a meia-noite, sem a devida reflexão, sendo muitas vezes fruto apenas do ato de “recortar e colar” cláusulas de contratos anteriores que podem até não guardar qualquer semelhança com o contrato que está sendo negociado no momento.

Os motivos da falta de cuidado na redação das cláusulas de resolução de litígios não importam. Seja por ignorância das partes quanto às alternativas a elas disponíveis, seja por se considerar "de mau agouro" falar de litígio no momento do fechamento do negócio, seja, simplesmente, por não se querer aumentar o custo de transação no final da negociação, sua consequência é a mesma: dificultação ou, até mesmo, inviabilização da resolução dos litígios que eventualmente venham a surgir naquela relação contratual.

Imagine um contrato no qual surja um litígio no valor de R$ 500.000,00. Se o meio de resolução de litígios escolhido pelas partes for a arbitragem, com três árbitros, numa das principais câmaras de arbitragem do país, somente os honorários dos árbitros e as taxas de registro e administração da arbitragem podem beirar R$ 350.000,00. Se forem considerados, ainda, os honorários dos advogados que atuarão na causa, o valor pode facilmente se aproximar do próprio valor do litígio, desmotivando as partes a utilizarem tal meio de resolução de litígios. Ao mesmo tempo, a cláusula arbitral inserida nesse contrato desestimulará o demandante a buscar o Poder Judiciário, pois o réu poderá alegar a existência dessa cláusula, provocando a extinção do processo com base no art. 485, VII, do CPC e a condenação do autor nas verbas de sucumbência.

Não se está querendo dizer que a arbitragem não seja meio adequado para se resolver litígios de R$ 500.000,00. Há circunstâncias dos casos concretos (p. ex. a especificidade técnica do objeto do litígio, a grande complexidade fática da causa e a necessidade de sigilo) que podem recomendar a arbitragem como o meio mais adequado de resolução de conflitos para este contrato. O que procuramos ilustrar com o exemplo acima é o fato de que um erro estratégico na hora de redigir a cláusula de resolução de litígios pode, literalmente, custar muito caro aos contratantes ou, ao menos, a um deles.

Arbitragem, mediação, dispute boards, varas especializadas do próprio Poder Judiciário. Atualmente, há diversos meios de resolução de litígios e diversos entes estatais e privados que os oferecem, fornecendo às partes contratantes uma profusão de alternativas entre as quais elas poderão escolher. Mas como escolher, no momento de redação da cláusula de resolução de litígios, o meio que seja o mais adequado ao contrato ou, mais especificamente, aos litígios que dele possam emergir?

Não há uma fórmula definitiva para se responder a essa pergunta, mas certamente tal resposta passa pela necessidade de (1) conhecer as características dos diversos meios de resolução de litígios disponíveis; e (2) imaginar os litígios que poderão emergir daquele contrato em razão dos possíveis descumprimentos das partes.

Sem a pretensão de exaurir as características dos meios adequados de resolução de litígios neste curto artigo, podemos dizer que as principais características buscadas na arbitragem são a qualidade técnica e a definitividade de suas decisões, a celeridade do processo arbitral e o sigilo presente na quase totalidade dos casos (exceção feita aos litígios com a administração pública, cf. art. 2º, § 3º, da Lei de Arbitragem). Já a mediação é buscada também por seu sigilo e por favorecer o restabelecimento do diálogo entre as partes, preservando a relação de longo prazo existente entre elas. Os Dispute Boards vêm crescendo na realidade brasileira, principalmente nas grandes obras de engenharia, e têm como principal característica o fato de existirem de forma concomitante à execução do contrato, sendo constantemente municiados de informações sobre o seu andamento e, por tal razão, são capazes de proferir decisões ou orientações em curto espaço de tempo, impedindo que a obra seja paralisada pela existência do litígio. E lembramos, ainda, a possibilidade de combinar tais meios entre si ou mesmo com uma cláusula de eleição de foro judicial (tais cláusulas, que conjugam dois ou mais meios de resolução de litígios, são as chamadas cláusulas escalonadas).

Quanto aos litígios, a primeira pergunta que as partes precisam se fazer é o quão importante é a manutenção, no futuro, da relação entre elas, seja a que estão formando naquele contrato, seja uma relação eventualmente pré-existente. A importância da manutenção dessa relação é forte indício a recomendar a mediação como forma (ao menos inicial) de tentativa de resolução de litígio.

Outro aspecto a ser considerado é a complexidade técnica ou fática do objeto do litígio que venha a surgir na execução daquele contrato. Sendo o objeto tecnicamente complexo, este é um forte indício da adequação da arbitragem como meio de resolução de litígios provenientes daquele contrato. Litígios complexos do ponto de vista jurídico podem ser bem resolvidos solucionados tanto por arbitragem quanto pelo próprio Poder Judiciário, desde que eleito foro onde exista vara especializada com competência para a resolução de litígios sobre aquela matéria.

Por fim, as partes devem se perguntar se o objeto daquele contrato é de longa duração, com a expectativa do surgimento de diversos litígios pontuais ao longo de sua execução (como uma grande obra de engenharia ou a implantação de um complexo sistema de informática, como um ERP, por exemplo). Nesses casos, a escolha do Dispute Board como meio de resolução de litígios tem se revelado vantajosa para as partes.

Escolhido(s) o(s) meio(s) de resolução de litígios, as partes devem se perguntar qual seria o melhor ente privado para administrá-lo(s). Em relação a este aspecto é necessário escolher câmaras e centros de resolução de disputas com boa reputação no mercado e com boa estrutura para a condução do(s) meio(s) escolhido(s). É também necessário conhecer o corpo de profissionais que o compõem, seu regulamento e os valores que serão cobrados das partes pela prestação dos serviços. Tais informações são facilmente colhidas nos próprios sites dos entes na internet e em conversas com profissionais que já tenham se utilizado dos serviços daquele ente que se quer escolher.

Como se observa, não são muitos os pontos que separam a inclusão, às cegas, de uma cláusula qualquer de resolução de litígios (e os riscos a ela inerentes), de uma escolha informada, que conduzirá as partes à utilização do(s) meio(s) de resolução de litígios mais adequado(s) para aquele caso concreto. São reflexões que podem ser feitas rapidamente pelas partes, ainda que estejam próximas das doze badaladas.

 

* RODOLFO DA COSTA MANSO REAL AMADEO




 













-Graduado  em Direito  pela Universidade de São Paulo (1998);
-Mestrado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo( 2005);
-Doutorado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (2010);
-Professor dos Programas de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo; e
- Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR), da Dispute Resolution Board Foundation (DRBF), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO) e do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE).

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