No Brasil, temos a garantia constitucional de que todo "poder emana do povo, que o exerce por meios de representantes eleitos" (artigo 1º, parágrafo único, CF 1988) e de que a "soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos" (artigo 14, CF88). A Constituição também garante o pluralismo e a autonomia partidária (artigo 17, parágrafo 1º, CF88). Estes são instrumentos do regime democrático, resultado de muitas inúmeras revoluções.
Mas a revolução que mais se tem visto ultimamente é o combate à corrupção, com especial menção aos trabalhos da Operação Lava Jato iniciados em 2014. A legislação eleitoral, contudo, tem feito contribuições que merecem destaque. Especialmente a partir do ano de 2006, a legislação vem tentando combater trocas políticas nas campanhas eleitorais principalmente no que se refere à propaganda eleitoral.
A Lei nº 19.504/97, chamada Lei das Eleições, nasceu num período pós Regime Militar e sob o signo do Movimento Diretas Já. Por esta razão, seu texto inicialmente priorizava a massificação da propaganda eleitoral, de forma a atingir o maior número possível de eleitores para promover o regime democrático. Nas décadas de 1990 e 2000, esta lei permitia a fixação de placas em postes de iluminação pública, em sinalização de trânsito, em pontes, em pontos de ônibus, bem como outdoors, trios elétricos, showmícios, contratação de artistas, utilização de brindes eleitorais como camisetas, chaveiros, bonés e outros (Lei nº 9.504/97, artigos 26, IX, XI, XIII, XIV, 37, 39 e 42). Diante destas permissões legais, fica fácil entender o termo "festa da democracia" para designar o período de campanha eleitoral.
A lei busca regular ou coibir condutas praticadas no meio social que resultem em quebra da harmonia idealizada. Assim, já em 1999, a Lei nº 9.840/1999 começou a dar mostrar do combate à corrupção eleitoral, incluindo o artigo 41-A na Lei das Eleições nº 9.504/97 para criminalizar a "compra de voto" (captação de sufrágio). No entanto, foi a partir de 2006 que o legislador efetivamente começou a frear a propaganda eleitoral, pois esta já dava mostras de ter se tornado mecanismo de clientelismo eleitoral.
Com efeito, a Lei nº 11.300/2006 vedou a propaganda em "postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos", alterando o artigo 37, caput, da Lei das Eleições nº 9.504/97. Em 2013, a redação do dispositivo foi novamente alterada para proibir os "cavaletes e assemelhados" (Lei nº 12.891/2013) e em 2015 outra alteração proibiu os "bonecos e assemelhados" (Lei nº 13.165/2015). Tudo isso se destinou a limitar o abuso da utilização de bens públicos para veiculação de propaganda eleitoral, evitando o favorecimento de candidatos ou partidos que tivessem a "máquina pública" nas mãos. Além disso, a lei buscou evitar, também, que candidatos com mais recursos fixassem sua imagem com mais facilidade na mente do eleitor pela quantidade de propaganda distribuída nas ruas.
Esta motivação, somada à necessidade de se reduzir o apelo midiático, o custo das campanhas e garantir a paridade de armas entre candidatos mais e menos abastados, levou também a Lei nº 11.300/2006 a revogar o artigo 42 e acrescentar o parágrafo 8º, no artigo 39, da Lei das Eleições nº 9.504/97, proibindo o uso de outdoors em campanhas eleitorais. Outdoor é um meio de propaganda caro, que atinge muito mais pessoas, em muito menos tempo, com significativo apelo visual. Campanhas muito caras pressupõem vultosas doações, que levam à criação de vínculos entre doadores e candidatos, vínculos estes muitas vezes baseados em futuras trocas clientelistas entre o candidato vitorioso e seus doadores de campanha.
A coibição de propaganda eleitoral massificada levou também o legislador a proibir pagamento por impulsionamento de propaganda eleitoral na internet, vedação a princípio prevista de modo amplo no artigo 57-C da Lei das Eleições nº 9.504/97 (introduzido pela Lei n.12.034/2009) e melhor delimitada pelo artigo 23, da Resolução TSE nº 23.457/2015.
Mas os cuidados da legislação eleitoral em prevenir a troca eleitoral por meio da propaganda não pararam aí. Em 2009, a Lei nº 12.034/2009 acrescentou o parágrafo 8º, ao artigo 37, da Lei das Eleições nº 9.504/97, dispondo que a veiculação de propaganda em bens particulares (móveis ou imóveis) deveria ser gratuita (ex: residências, veículos, terrenos, etc). Esta proibição mostra que o legislador procurou combater a venda de espaço particular para propaganda eleitoral, já que o eleitor deve apoiar candidato por convicção política e não por interesse econômico.
Quanto aos populares showmícios, foram extintos em 2006. Estes eventos eram muito utilizados nas campanhas eleitorais pois atraíam grande número de pessoas. Entre apresentações de artistas, os candidatos faziam seus discursos. A prática foi levando ao encarecimento dos comícios, com contratação de artistas cada vez mais famosos no intuito de arregimentar mais e mais eleitores. Quanto mais marcante um comício, mas força e popularidade o partidos e seus candidatos ganhavam na campanha e na mente dos eleitores. Este tipo de troca de votos por diversão foi vedada pela Lei nº 11.300/2006, que introduziu o parágrafo 7º, no artigo 39 e revogou os incisos IX e XI do artigo 26, ambos da Lei das Eleições nº 9.504/97. Já os trios elétricos foram proibidos de trafegar sonorizados nas ruas em 2009, pela introdução do parágrafo 10, no artigo 39, da Lei das Eleições nº 9504/97 (Lei nº 12.034/2009). Aqui o objetivo do legislador também foi de impedir a troca de votos por diversão, pois passeatas e carreatas acabavam se transformando em festas móveis nas ruas.
A Lei nº 11.300/2006 proibiu também o apoiamento de campanhas por entidades esportivas (introdução do inciso IX, no artigo 24, da Lei das Eleições nº 9.504/97), pois times ou entidades esportivas têm o poder de direcionar o foco dos torcedores, e ao investir em determinada campanha, voltavam essa atenção aos candidatos beneficiados pelos respectivos investimentos. A mesma intenção de coibir o fervor popular acrescentou o inciso VIII ao mesmo artigo 24, vedando o apoiamento eleitoral por entidades beneficentes e religiosas, já que estas são capazes de convergir votos de grupos unidos por ideologia, caridade ou fé. Em ambos os casos, a troca eleitoral que poderia ser perpetrada entre candidatos e líderes de tais entidades foi proibida pela legislação.
Foi também em 2006 que a propaganda eleitoral por meio de brindes foi proibida. A Lei nº 11.300/2006 revogou o inciso XIII, do artigo 26 e introduziu o parágrafo 6º, no artigo 39 da Lei das Eleições nº 9.504/97, vedando "a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor". Foi o fim das tão populares camisetas com as quais os candidatos presenteavam eleitores. Esta vedação persiste e tem interpretação extensiva, aplicando-se a qualquer objeto ou promessa que possa ser entendida como "vantagem" conferida por candidato a eleitor, podendo levar, inclusive, à criminalização da conduta por "compra de voto" (artigo 41-A da Lei das Eleições nº 9.504/97).
Vê-se que o legislador foi paulatinamente proibindo a utilização de propaganda eleitoral como meio de troca política. O ponto de convergência foi delimitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.4650/2015 proibiu de doação por empresas a partidos e candidatos. Esta vedação resultou do binômio "financiamento eleitoral versus composição do parlamento brasileiros": as 10 empresas que mais doaram nas eleições 2014 contribuíram com a eleição de 70% dos deputados federais pertencentes a 23 partidos políticos diferentes (Estadão, matéria publicada em 08/11/2014). Em trecho do acórdão na ADI nº 4650/2015, consta "...A doação por pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, antes de refletir eventuais preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores, no afã de estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de espírito republicano".
Mas a corrupção é um mal tão versátil que, mesmo fortemente combatida, se reacomoda e volta a se manifestar em minúcias imprevistas. A reflexão que emerge é sobre a natureza da corrupção, que não está fora, e sim, dentro do ser humano, nas grandes e nas pequenas coisas, nos milhões e nos centavos. Este cenário é muito bem pontuado por Wanderley Guilherme dos Santos, na obra "O ex-Leviatã brasileiro – do voto disperso ao clientelismo concentrado", RJ: Civ. Brasileira, 2006, p.9: "Para enorme contingente de brasileiros, os brasileiros não são confiáveis. Nem os burocratas, os empresários [...] Escapam os bombeiros [...] certamente porque o número de incêndios é pequeno".
POR FERNANDA CAPRIO
-Advogada eleitoralista;
-Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto UNIRP (1996);
-Pós-graduada em Direto das Obrigações pela UNESP-Faperp (1998);
-MBA Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas FGV (2004);
-MBA Gestão Estratégica de Marketing pela Fundação Getúlio Vargas FGV (2006);
-Pós-graduada Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela Claretiano Centro Universitário (2012)e
-Mestranda em Políticas Públicas pela UNESP/Franca-SP.
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