A educação brasileira vive um tempo curioso, para não dizer exótico. As novidades se sucedem – e o ensino está cada vez pior. Em conversa com o professor Arnaldo Niskier – membro da Academia Brasileira de Letras –, dele recolho o espanto com que recebeu a notícia de que uma determinada “Instituição Educacional” do Distrito Federal recomendou aos seus professores que não tirassem pontos dos alunos que escrevessem errado. Ou seja, ninguém deve dar bola para a gramática e a ortografia.
Segundo uma confortável versão, quem se preocupa com essas coisas “é a burguesia”. Particularmente, esgotei a minha capacidade de espanto diante de tais barbaridades. Se o aluno toma conhecimento dessa estranha orientação, de que forma terá estímulo para demonstrar apreço pela Língua Portuguesa?
Ao mesmo tempo em que isso ocorre, especialistas em educação apontam erros mais frequentes anotados nas provas dos acadêmicos:
1) falta de adequada ordenação de ideias, o que prova não ter o aluno o hábito de escrever;
2) falta de coerência e coesão nos textos;
3) inadequação ao tema proposto (por falta de familiaridade com o tema, o aluno foge para outro mais confortável);
4) dificuldade em estruturação de parágrafos;
5) erros de concordância nos tempos verbais, fragmentação da frase, separando sujeito do predicado por vírgula, utilização equivocada de verbos e pronomes, o que em alguns casos leva até a prejudicar a compreensão do texto.
Se isso é verdade nas redações, é fácil imaginar o que ocorre quando o indivíduo se expressa verbalmente, em que as agressões ao vernáculo doem nos ouvidos.
Se os alunos têm dificuldades de escrever e expor com clareza suas ideias é porque sua cota de informação e leitura é mínima, para não dizer inexistente. Tenho insistido na vergonha em que se constitui a nossa taxa anual de leitura: menos de dois livros por pessoa, o que nos coloca muito longe das nações mais desenvolvidas.
Em primeiro lugar, pode-se registrar o fato, facilmente comprovável, de que nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Ruy Barbosa. Culpa, quem sabe, da deterioração do nosso sistema de educação básica.
Em segundo, o pouco apreço que devotamos ao gosto pela leitura.
Em terceiro, lê-se por hábito, por entretenimento, pelo simples dever, na busca de informações, para realizar uma pesquisa universitária, por motivos religiosos ou até mesmo para preencher a própria solidão.
A conclusão é óbvia: sem leitura, como escrever adequadamente?
O que fazer para os estudantes leiam mais? A resposta não é tão simples.
O bom professor , que estimula o gosto de ler, promove a leitura acompanhada, dialogada, co mentada, leitura a dois etc., para identificar com os alunos a existência de uma obra de arte literária. Quando ocorre a descoberta, não há dúvida, estamos diante do intrincado e maravilhoso mundo da literatura.
Os professores podem, discretamente, variar a oferta literária, entendendo que literatura não é língua somente.
A leitura da obra literária, luxuosa ou não, é o ponto de partida ou regra de ouro do ensino de letras, que lidará com gêneros ou tipos conhecidos desde Aristóteles. Assim são criados os fundamentos literários para trabalhar o lirismo, a narrativa (conto, romance, epopeia etc.) e outros tipos, como as memórias, o diário, a máxima, identificar o gênero é um primeiro e fundamental exercício, a que se deve somar o exame da estrutura da narrativa: enredo, personagem, tempo, ordem de relato, suspense, apresentação e desfecho.
Os pais devem considerar o livro como um instrumento com que a criança tenha um rel acionamento íntimo, no qual vai aprender lições que ajudarão muito na sua formação posterior. Se uma criança não possui o gosto pela leitura na infância, na adolescência ou na fase adulta as coisas se tornarão difíceis.
Criar o hábito (ou gosto) pela leitura é um primeiro passo que depende basicamente de pais e professores. Há uma idade para isso, que infelizmente para os calouros não coincide com os seus 17 ou 18 anos. Começa antes, na altura ainda do ensino fundamental. Depois, é só alimentar a cabeça de bons produtos, a fim de que persista o interesse.
Volto à “Instituição Educacional” do Distrito Federal para lamentar que os seus professores sejam instados a abandonar a ideia da redação, “porque em geral os temas dados aos alunos são irreais”. Além disso, há o desprezo pelas regras gramaticais e ortográficas, como se houvesse um desejo recôndito de prestigiar a ignorância. O governo cultiva a miséria e o analfabetismo como se fosse um patrimônio. Não se quer exagerar os cuidados com a norma culta da língua, mas por que valorizar o linguajar sem regras? A educação não existe exatamente para conduzir os alunos ao aprendizado?
Sobre a redação, permito-me discordar da tese enunciada. A ser verdade o que foi proclamado em Brasília, ninguém mais poderia ser escritor, dando asas à imaginação. Só se poderia escrever sobre vivências claras, com o evidente abandono de tudo o que pudesse privilegiar a criatividade.
O Brasil dá mais ênfase ao topo, o ensino superior, do que à base, o ensino fundamental.
O resultado é outra manifestação de instabilidade: a qualidade do ensino superior vem sendo puxada para baixo por causa da má qualidade do ensino médio; e este também vem perdendo qualidade por causa da piora no ensino fundamental.
No ensino público: faltam 400 mil professores no ensino básico (fundamental e médio) no País. A maior carência é para as disciplinas de matemática, química, física e biologia. Há escolas que nem as têm na grade.