Há alguns dias realizamos em nossa
escola uma reunião de pais. A finalidade era de dar algumas orientações sobre
mudanças no regimento escolar e no Projeto Político Pedagógico, além de
entregar os boletins. Algo muito comum no cotidiano de qualquer escola.
Dispus todo o necessário para reunião na quadra e, enquanto os pais chegavam, deixei no som uma música clássica qualquer. O propósito foi recepcionar os pais e preparar os ânimos para a reunião.
Sentei-me, aguardando o início e revisando o que iria falar. Alguns pais não me perceberam e foram se alojando próximos a mim. Nisto, percebi uma certa reclamação e zombaria sobre a música que tocava. No município é costume que os falecimentos sejam anunciados na torre da igreja matriz, para tal, utiliza-se uma música antes do comunicado e a comparação foi imediata.
Obviamente não me senti ofendido com o juízo sobre a música escolhida por mim, todavia, fiquei pensando sobre esta situação e sua relação com a escola e a educação. Voltei a um tema que recorrentemente falo por aqui, mas que não me deixa de me incomodar.
A educação básica e até mesmo o ensino superior virou uma forma de adestramento para se buscar uma melhor profissão. Isto daria maior qualidade de vida. E entenda bem, qualidade de vida é entendido como sendo meios materiais para subsistir, recursos financeiros que possibilitem consumir coisas e exercer uma função que tenha certo status social.
São repassados um conjunto de conteúdos e técnicas, que no mundo interior do estudante não se ligam com a realidade, mas que são necessários para sua adequação social e ao propósito de qualidade de vida buscada. O estudo é sempre um meio para uma melhor satisfação material.
Além do mais, existe o currículo, o enem e as avaliações externas (quem trabalha em escola sabe o terror que é feito sobre este assunto). Digo isso tanto da rede privada quanto da rede pública.
Falar em elevar a alma humana as mais altas qualidades da humanidade ou em um tipo de conhecimento que aponte para unidade da realidade na multiplicidade das coisas é esoterismo e idealismo.
Entenda, essas coisas não são ruins em si, mas quando a educação se resume a isso, então temos uma educação que amputa grande parte do que ela pode e deve realizar, e dentre este muitos aspectos temos a percepção do belo e a formação moral.
Os gregos antigos cunharam a expressão apeirokalia, que posto em linhas gerais, significa a falta de experiência das coisas belas durante etapas decisivas da formação. O efeito disso se daria na dificuldade em perceber o belo, o bom e o verdadeiro.
Percebam, o sujeito privado do contato com coisas belas ao longo do seu desenvolvimento se torna incapaz de ter uma experiência ou reconhecer algo mais profundo e elevado. Ele pode ter alcançado um enorme sucesso em algum ofício, ser uma pessoa bem sucedida e dispor de recurso material, todavia, é incapaz de reconhecer, experimentar e meditar as coisas mais perfeitas em oposição às menos perfeitas ao seu redor. Com isso, toma o imperfeito como belo e o belo como feio. A beleza torna-se uma questão de opinião e tudo fica relativo.
Utilizando-se de uma imagem da filosofia platônica, esse indivíduo está preso na caverna do seu imaginário mal formado. O rasteiro e o vulgar movem sua atenção e o que é realmente bom passa despercebido e por vezes é até mesmo odiado. Ao ver algo mais perfeito, ou seja mais próximo de ter todas as potencialidades em ato, é incapaz de percebê-la e ver o seu valor. E não sente falta daquilo que nunca teve.
Daí, falando essas coisas, dá a impressão que somente a cultura erudita, com música clássica e outras obras é que tem valor, que as expressões populares não prestam e que tudo não passa de uma formação aristocrática refinada e afetada. Então, não é bem assim.
A ausência do belo gera uma dificuldade no julgamento moral do sujeito, pois suas escolhas e modelos a serem seguidos não partem daquilo que é mais elevado, mas se prendem sempre ao mais imediato e sensível. Virtudes e bons hábitos, a noção do sacrifício e a beleza de superar os seus instintos e sentimentos mais rasteiros nunca passaram por ele.
Platão, no diálogo "A República", busca criar uma cidade ideal. Quando trata da educação dos cidadãos, reforça que as crianças devem ser expostas ao belo desde cedo, censurando qualquer exposição a obras e coisas que incentivem a corrupção dos jovens, seja por modelos humanos movidos por interesses vis ou em desarmonia das formas. A afeição ao belo e as coisas belas, dotadas de harmonia e belas formas, ajudará os cidadãos a preferir ações nobres ao invés das feias e vulgares.
Portanto, a beleza conserva uma relação próxima com a educação e a formação moral, que está além de possibilitar meios para a subsistência, mas leva o homem a transcender sua materialidade e alcançar patamares mais elevados de ser. Educar no belo, de alguma forma é educar para a moral. É possibilitar que se possa fazer as melhores escolhas.
Este dever não está somente objetivado para as escolas, pois toda sociedade compartilha a responsabilidade de conduzir a formação dos seus membros mais jovens. Talvez nós, adultos e participantes desta responsabilidade, devemos reformular nosso imaginário para podermos auxiliar as novas gerações nesta empreitada. É difícil dizer por onde começar, mas devemos começar. Os clássicos já existem em todas as artes, basta a nós o esforço de redescobri-los e consequentemente transmitir seus símbolos para aqueles que estão confiados a nós.
* FÁBIO DA FONSECA JÚNIOR
-Graduado em Filosofia pela Faculdade São Luiz - Brusque/SC (2008);
-Graduado em História pela Faculdade Paulista São José - Elói Mendes/MG (2016);
-Mestrado em Educação pela Universidade Federal (UFLA) de Lavras/MG (2019) e
-Diretor da Escola Estadual Professor Wanderley Ferreira de Rezende - Carmo da Cachoeira/MG