sábado, 10 de setembro de 2022

Educar para o Belo


 Autor: Fábio da Fonseca Júnior(*)

Há alguns dias realizamos em nossa escola uma reunião de pais. A finalidade era de dar algumas orientações sobre mudanças no regimento escolar e no Projeto Político Pedagógico, além de entregar os boletins. Algo muito comum no cotidiano de qualquer escola.

Dispus todo o necessário para reunião na quadra e, enquanto os pais chegavam, deixei no som uma música clássica qualquer. O propósito foi recepcionar os pais e preparar os ânimos para a reunião.

Sentei-me, aguardando o início e revisando o que iria falar. Alguns pais não me perceberam e foram se alojando próximos a mim. Nisto,  percebi uma certa reclamação e zombaria sobre a música que tocava. No município é costume que os falecimentos sejam anunciados  na torre da igreja matriz, para tal, utiliza-se uma música antes do comunicado e a comparação foi imediata.

Obviamente não me senti ofendido com o juízo sobre a música escolhida por mim, todavia, fiquei pensando sobre esta situação e sua relação com a escola e a educação. Voltei a um tema que recorrentemente falo por aqui, mas que não me deixa de me incomodar.

A educação básica e até mesmo o ensino superior virou uma forma de adestramento para se buscar uma melhor profissão. Isto daria maior qualidade de vida. E entenda bem, qualidade de vida é  entendido como sendo meios materiais para subsistir, recursos financeiros que possibilitem consumir coisas e exercer uma função que tenha certo status social.

São repassados um conjunto de conteúdos e técnicas, que no mundo interior do estudante não se ligam com a realidade, mas que são necessários para sua adequação social e ao propósito de qualidade de vida buscada. O estudo é sempre um meio para uma melhor satisfação material.

Além do mais, existe o currículo, o enem e as avaliações externas (quem trabalha em escola sabe o terror que é feito sobre este assunto). Digo isso tanto da rede privada quanto da rede pública.

Falar em elevar a alma humana as mais altas qualidades da humanidade ou em um tipo de conhecimento que aponte para unidade da realidade na multiplicidade das coisas é esoterismo e idealismo.

Entenda, essas coisas não são ruins em si, mas quando a educação se resume a isso, então temos uma educação que amputa grande parte do que ela pode e deve realizar, e dentre este muitos aspectos temos a percepção do belo e a formação moral.

Os gregos antigos cunharam a expressão apeirokalia, que posto em linhas gerais, significa a falta de experiência das coisas belas durante etapas decisivas da formação. O efeito disso se daria na dificuldade em perceber o belo, o bom e o verdadeiro.

Percebam, o sujeito privado do contato com coisas belas ao longo do seu desenvolvimento se torna incapaz de ter uma experiência ou reconhecer algo mais profundo e elevado. Ele pode ter alcançado um enorme sucesso em algum ofício, ser uma pessoa bem sucedida  e dispor de recurso material, todavia, é incapaz de reconhecer, experimentar e meditar as coisas mais perfeitas em oposição às menos perfeitas ao seu redor. Com isso, toma o imperfeito como belo e o belo como feio. A beleza torna-se uma questão de opinião e tudo fica relativo.

Utilizando-se de uma imagem da filosofia platônica, esse indivíduo está preso na caverna do seu imaginário mal formado. O rasteiro e o vulgar movem sua atenção e o que é realmente bom passa despercebido e por vezes é até mesmo odiado. Ao ver algo mais perfeito, ou seja mais próximo de ter todas as potencialidades em ato, é incapaz de percebê-la e ver o seu valor. E não sente falta daquilo que nunca teve.

Daí, falando essas coisas, dá a impressão que somente a cultura erudita, com música clássica e outras obras é que tem valor, que as expressões populares não prestam e que tudo não passa de uma formação aristocrática refinada e afetada. Então, não é bem assim.

A ausência do belo gera uma dificuldade no julgamento moral do sujeito, pois suas escolhas e modelos a serem seguidos não partem  daquilo que é mais elevado, mas se prendem sempre ao mais imediato e sensível. Virtudes e bons hábitos, a noção do sacrifício e a beleza de superar os seus instintos e sentimentos mais rasteiros nunca passaram por ele.

Platão, no diálogo "A República", busca criar uma cidade ideal. Quando trata da educação dos cidadãos, reforça que as crianças devem ser expostas ao belo desde cedo, censurando qualquer exposição a obras e coisas que incentivem a corrupção dos jovens, seja por modelos humanos movidos por interesses vis ou em desarmonia das formas. A afeição ao belo e as coisas belas, dotadas de harmonia e belas formas, ajudará os cidadãos a preferir ações nobres ao invés das feias e vulgares.

Portanto, a beleza conserva uma relação próxima com a educação e a formação moral, que está além de possibilitar meios para a subsistência, mas leva o homem a transcender sua materialidade e alcançar patamares mais elevados de ser. Educar no belo, de alguma forma é educar para a moral. É possibilitar que se possa fazer as melhores escolhas.

Este dever não está somente objetivado para as escolas, pois toda sociedade compartilha a responsabilidade de conduzir a formação dos seus membros mais jovens. Talvez nós, adultos e participantes desta responsabilidade, devemos reformular nosso imaginário para podermos auxiliar as novas gerações nesta empreitada. É difícil dizer por onde começar, mas devemos começar. Os clássicos já existem em todas as artes, basta a nós o esforço de redescobri-los e consequentemente transmitir seus símbolos para aqueles que estão confiados a nós.

* FÁBIO DA FONSECA JÚNIOR


-Graduado em Filosofia pela Faculdade São Luiz -  Brusque/SC (2008);

-Graduado em História pela Faculdade Paulista São José - Elói Mendes/MG (2016);

-Mestrado em Educação pela Universidade Federal (UFLA) de Lavras/MG (2019) e 

-Diretor da Escola Estadual Professor Wanderley Ferreira de Rezende - Carmo da Cachoeira/MG


Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores. 

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Ciclos


 

 

"Há mais coisas entre o céu e a terra

do que pode imaginar a nossa vã filosofia"

 William Shakespeare

 

 

 

 

Mitos são Verdades

 O mitólogo estadunidense Joseph Campbell escreveu: “Mitos são sonhos públicos”. A palavra “Mito” vem do grego antigo Mythos e significa “palavra”, “narrativa”, “conto”. Trata-se de histórias sagradas, pois guardam em sua essência a sabedoria antiga, em uma linguagem simbólica, metafórica. Entender a linguagem dos mitos é entender a linguagem da própria vida, é interagir conscientemente com seus sinais em nosso cotidiano, pois os mitos são o reflexo de nossa própria existência, das nossas verdades. Os Mitos são universais e nos oferecem a chave para as questões existenciais.

Toda narrativa sagrada ou mitológica mostra o quanto a vida se desenha diante dos nossos olhos com seus sinais; basta olharmos com mais atenção. Na história de Noé, o arco-íris surgiu como símbolo entre a aliança de D’us e o homem, isso foi passado de geração em geração e tal narrativa permanece viva nos dias de hoje. Assim como o símbolo da cruz nos remete a Cristo. E podemos encontrar os mesmos símbolos e arquétipos em quase todas as tradições e culturas. Por Exemplo, na tradição judaico-cristã temos a imagem da Árvore da Vida, também encontrada no Islamismo, chamada por Maomé de Árvore de Tuba; no budismo encontramos a Árvore Bo, onde Buda se iluminou, na mitologia nórdica temos a Yggdrasil, esses são apenas alguns exemplos.

Não é à toa que muitos presidentes de grandes empresas usam, em seus escritórios, a figura de uma águia; arquétipo de liderança, foco, determinação e visão ampla. Já os diretores costumam ter em seus escritórios a figura do cavalo.

Arquétipo (do grego arkhétypon), conceito surgido com Carl Jung em 1919, são modelos originais, imagens primordiais armazenadas no Inconsciente Coletivo. Arquétipos de heróis, reis, dragões, da morte, por exemplo, estão em nosso imaginário desde nossa infância. Arquétipos estão presentes nos mitos, contos de fada, lendas, dando significado para essas estórias. E hoje tais arquétipos são usados no cinema, na publicidade e nos demais meios de comunicação. Somos influenciados por esses arquétipos inclusive quando consumimos serviços e produtos.

"Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades" (Cazuza)

Como tais símbolos podem se manifestar em nossos dias como sinais das coisas como elas são ou de mudanças que estão por vir? Um exemplo é a destruição do Museu Nacional, na Zona Norte do Rio, pelo fogo. O incêndio começou por volta das 19h30, no dia 02 de Setembro 2018, 200 anos depois do seu nascimento. 

O museu foi instalado no Palácio de São Cristovão; que foi residência da família real portuguesa de 1808 a 1821, depois abrigou a família imperial brasileira de 1822 a 1899. Se olharmos para o passado, podemos ver a princesa Maria Leopoldina assinando o decreto de Independência do Brasil no dia 02 de setembro de 1822, cinco dias depois, no dia 07, tal decreto chegou às mãos de D. Pedro I através de um emissário, dando assim o grito da Independência às margens do Ipiranga.

O Museu Nacional, também chamado de Museu da Quinta da Boa Vista, era um símbolo da história do Brasil, era o arcabouço onde toda a nossa história estava guardada e mantida; museus simbolizam o passado e contam a sua história. Quando D. Leopoldina assinou o decreto, simbolicamente ela assinou o fim de uma época para o início de outra na história do país; através daquele ato deixamos de ser uma colônia para nos tornarmos um Império; houve uma ruptura com o passado. Na noite do dia 02 de setembro de 2018, no mesmo dia, mês e local do decreto assinado por D. Leopoldina, um incêndio destrói a nossa história; outra ruptura simbólica com o passado, justamente no ano das eleições presidenciais.

Assim como o decreto da Independência assinada pela princesa Leopoldina marca o fim e o início de um ciclo, a queima do museu sinaliza um país que acabou de fechar um ciclo para iniciar outro, como no mito da Fênix que renasce das cinzas.

Vale lembrar que um dos únicos itens que sobreviveram ao incêndio do museu foram 9 rolos de Pergaminho da Torá, texto sagrado do judaísmo, datados do século 13 e que pertenceram a Dom Pedro 2°. Tais pergaminhos foram retirados dias antes para serem restaurados na Seção de Obra Raras da Biblioteca do Horto, localizada na Quinta da Boa Vista, perto do até então Museu Nacional.

Tudo no Museu Nacional foi destruído pelo incêndio, porém, o que se preservou para o futuro foram os pergaminhos da Torá, ou seja, a tradição judaica sobreviveu, um forte sinal que a aliança entre Brasil e Israel se fortalecerá e resistirá nesse novo ciclo.

Quatro dias depois do incêndio do Museu Nacional, no dia 06, em um ato de campanha presidencial na cidade de Juiz de Fora, MG, Jair Messias Bolsonaro sofre um atentado através de uma facada mortal dada pelo ex-psolista Adélio Bispo; temos aqui o grito de "Independência ou Morte" simbolizado no atentado.

Há algumas especulações simbólicas sobre o cenário onde ocorreu o atentado. As imagens mostram que ao ser atingido, Bolsonaro estava ao lado do Hotel Renascença, o que nos remete ao ato de renascer; depois de passar pelo golpe mortal da facada. A camiseta que ele usava com os dizeres: "Meu partido é o Brasil!", também sinaliza, dentro dessa narrativa, que o atentado não atingiu apenas ao Jair Bolsonaro, mas boa parte dos brasileiros; comovendo até mesmo os eleitores que estavam em dúvida quanto à escolha dos presidenciáveis. O atentado contra Bolsonaro reflete o atentado contra o Brasil.

Já no segundo turno, em que a corrida eleitoral era disputada entre Bolsonaro e Haddad, viralizou os trechos bíblicos a respeito dos nomes dos dois presidenciáveis; em 1° Reis, 11-25, aparece o nome Haddad, de origem árabe, mas já era conhecido e usado entre os hebreus; Haddad foi um rei Inimigo de Israel. Haddad, na tradição árabe, significa “ferreiro”, “ferro fundido”. É interessante notar que na tradição bíblica Tubalcaim, filho de Lameque e da descendência de Caim, foi o primeiro ferreiro da história. Haddad também foi o 8° filho de Ismael, filho bastardo de Abraão com a criada Agar; daí se originou o povo árabe. Jair significa "ele brilha" ou "ele ilumina" de origem hebraica Ya’ir, que significa "iluminado por D’us". Jair foi um dos Juízes de Israel. No Novo Testamento o nome Jair aparece em sua versão grega, Jairo, que era um dos chefes da sinagoga e que alcançou um dos milagres de Jesus ao ter a sua filha curada.

Outro cenário interessante surgiu em meio à polêmica do velório do irmão do Lula, Genival Inácio da Silva, vulgo Vavá, falecido no dia 29 de janeiro, o velório aconteceu no dia 30. A cena que se viu torna-se emblemática; em meio ao sermão do padre ao lado do caixão, petistas com bandeiras e cartazes escritos "Lula Livre" e usando camisetas com a face do presidiário participam do velório. Para um desavisado o que fica parecendo é que o velório é para o próprio Lula. Fica claro que se trata de uma morte simbólica do Lula e, por extensão, do PT. Enquanto o morto Vavá era esquecido, Lula se tornava o protagonista do enterro, mesmo estando ausente, transformando assim o velório do seu irmão no seu próprio velório.

No dia 06 de fevereiro saiu a condenação de Lula pela Juíza Gabriela Hardt; condenado a mais 12 anos e 11 meses de prisão no caso do sítio de Atibaia. A vida da os seus sinais, e às vezes ela é bem irônica.

MATEUS DE MELO MACHADO

 
Poeta, escritor e crítico literário;
Vencedor de Prêmios Literários, entre eles Ocho Venado (México), e um dos finalistas do Mapa Cultural Paulista (edição 2002);
Autor dos livros: “Origami de Metal” – Poemas – 2005 (Editora Pontes);
A Mulher Vestida de Sol” – Poemas – 2007 (Editora Íbis Líbris);
"Pandora" – Romance em parceria com Nadia Greco – 2009 (Editora Íbis Líbris);
"As Hienas de Rimbaud" – Romance - 2018 (Editora Desconcertos),“
Contatos: mateusmachadoescritor@gmail.com
Cel/whats app (11) 940560885


Nota do Editor:

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