1- INTRODUÇÃO
O mercado consumerista, atualmente, integra o cotidiano da sociedade de modo indelével. As relações de consumo paulatinamente tornam-se mais complexas tanto do ponto de vista fático quanto do jurídico.
O Direito do Consumidor visa a regulamentar as relações de consumo, tendo em vista a nítida desigualdade entre as partes envolvidas: consumidor e fornecedor. Objetiva, dessa forma, efetivar o princípio da igualdade nas transações consumeristas segundo a máxima deste princípio que pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. (1)
Entretanto, mesmo o Direito do Consumidor militando a favor do Consumidor que é a parte hipossuficiente da relação consumerista, não se deve ignorar que direitos e obrigações recíprocos emergem deste fato. Significa dizer que tanto consumidor quanto o fornecedor atraem a si direitos e obrigações. Assevera Fábio Ulhoa Coelho que “obrigação é o vínculo entre duas partes juridicamente qualificado no sentido de uma delas (o sujeito ou sujeitos ativos), titularizar o direito de receber da outra (o sujeito ou sujeitos passivos) uma prestação”.[ii] (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2., p. 5.).
Neste contexto, é faculdade do consumidor comprar produtos e serviços, porém, uma vez exercido este direito, cumpre-lhe a obrigação e dever de adimplir o débito, sob pena de sofrer algumas consequências jurídicas negativas, como restrições de crédito e negativação do nome nos Cadastros de Proteção ao Consumidor. Por conseguinte, como forma de conter a inadimplência e preservar as relações consumeristas e econômicas que norteiam o mercado, o Código de Defesa do Consumidor previu a possibilidade da formação de bancos de dados e cadastros de consumidores.
É cediço que, na formação, conclusão e execução dos contratos, respectivamente nesta ordem também se insere o contrato constituído nas relações de consumo, as partes devem guardar observância aos princípios da boa-fé e da probidade, consoante inteligência normativa esculpida no art. 422 do novel Código Civil, ainda, ressaltar outros igualmente importantes, tais como: princípios da lealdade e da cooperação.
Por derradeiro, a possibilidade legal de constituição dos bancos de dados e cadastros de consumidores visa a conferir segurança nas relações negociais, de sorte que o consumidor tenha direito a adquirir o produto ou serviço com qualidade, e que o fornecedor realize sua atividade de forma segura.
Os bancos de dados e cadastros de consumidores assumem atualmente no Brasil um papel social indiscutível, sendo seus institutos de grande aplicabilidade no contexto consumerista nacional.
Além das previsões constantes dos artigos 43 e 44 do Código de Defesa do Consumidor, os cadastros e Bancos de dados ganharam incidência em outros campos, como é o caso no Direito de Família, surgindo julgados anteriores permitindo a inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros negativos( TJSP-AGRAVO 990.10.152783-9/5000 – Acórdão 4653433, São Paulo – Teixeira Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Adilson de Andrade – j.17.08.2010 – DJESP 09.09.2010).
Desta feita, nossa breve explanação tratará este artigo de forma objetiva com sucintas análises quanto aos Bancos de dados existentes no País, à luz do Código de Defesa do Consumidor, incluindo a formação deles, suas espécies, direitos dos consumidores, a inscrição do nome nos cadastro, a sua retificação, os efeitos quando a inscrição for indevida e ilegítima, a reparação de danos nestes casos, suas s jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e outros estados.
2- CRIAÇÃO DE BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES
Com o crescimento da sociedade, o brasileiro médio deixou de ser um poupador e passou a ser alguém dependente de crédito no mercado, algo como um homo creditus.(1)Essa tendência desenfreada é um dos fatores a gerar endividamentos dos consumidores que restam por ter seus nomes negativados em Cadastros de Serviços de proteção ao Crédito.
O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078/1990, regularizou os bancos de dados e cadastros de consumidores em seu art. 43. Os bancos de dados e os cadastros de consumidores são institutos inconfundíveis. Todavia, são espécies dos chamados arquivos de consumo.
Os arquivos de consumo têm características comuns, pois visam o armazenamento de dados referentes a terceira pessoa para utilização nas operações consumeristas. No Brasil, são exemplos de instituições que atuam com o propósito específico de obter, armazenar, organizar e divulgar informações para verificação aos fornecedores sobre a conveniência de celebração de contrato de consumo, o SPC e SERASA.( extraído site: www.faculdadepromove.br/bh/arquivos.../DIREITO%20DO%20CONSUMIDOR.).
Em rápida análise, os bancos de dados são um conjunto de informações sobre a situação financeira e patrimonial dos consumidores a subsidiar os fornecedores sobre a possibilidade ou não de celebração de um contrato de consumo. Por outro lado, os cadastros de consumidores também são caracterizados por um conjunto de informações organizadas sobre consumidores, porém, a rigor, de modo profissional, isto é, o intento declina-se apenas à organização de determinadas categorias de consumidores para fomentação planejada dos negócios empresariais. (3)
Os cadastros de consumidores (…) são espécies de arquivo de consumo que se caracterizam pela coleta e utilização das informações de consumidores pelo fornecedor, para seu próprio benefício ou de pessoas com ele associadas em vista de uma finalidade mercadológica, da conquista de novos consumidores, atendimento personalizado ou específico para os atuais consumidores, a partir da formação de identidade de informação com base nos dados coletados diretamente ou decorrentes de outras bases de informação. A formação, coleta e gestão das informações dos cadastros de consumidores não são feitas de modo aleatório, senão orientadas pela finalidade específica perseguida pelo fornecedor (a formação de uma base de dados de consumidores com determinadas características ou traços comuns). (4)
A finalidade primordial na formação dos bancos de dados e cadastros é a identificação de consumidores promissores à realização de negócios seguros. Desta feita, em qualquer hipótese, a utilização das informações pessoais do consumidor deve ser responsável, para que se evitem violações a direitos individuais.
3- AS ESPÉCIES DE BANCOS DE DADOS
Os principais bancos de dados utilizados no Brasil, e que mais diretamente destaque possuem no tocante às relações de consumo são, sem dúvida, os bancos de dados de proteção ao crédito.
São duas as espécies de bancos de dados: os bancos de dados restritivos e os bancos de dados de informações positivas. Os bancos de dados restritivos imprimem uma mácula nas relações consumeristas de modo a torná-las impassíveis à realização de qualquer negócio no mercado, organizam-se sob diversos modos, sejam mantidos pelas associações de fornecedores (caso do Serviço de Proteção ao Crédito, SCPC, mantidos (sic) pela Confederação Nacional dos Dirigentes Logistas – CNDL) por empresas que tem como objetivo a organização, armazenamento e disposição de dados para consulta, mediante remuneração (caso do SERASA), ou mesmo por órgãos públicos – como é o caso do Cadastro de Cheques sem Fundos, mantido pelo Banco Central do Brasil (BCB) excluindo o Consumidor inadimplente temporariamente do crédito. (5)
Já o segundo que contém informações positivas, ao contrário, abona a conduta do consumidor, atestando a existência de seu bom comportamento na administração do crédito, conferindo-lhe o relevante status de “bom pagador”.
Acrescente-se que, no ano de 2014 e com grande divergência, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que o Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SISBANCEN possui natureza semelhante aos cadastros de inadimplentes, tendo suas informações potencialidade de restringir a concessão de crédito do consumidor. (6)
Por outro lado, existem os cadastros de consumidores de coletas de dados particularizados no interesse de fornecedores e prestadores, como nos programas internos de pontuação das empresas em geral. Frisa-se que, tais cadastros não objetivam a negativação do nome do consumidor com o fim de informação pública, mas, apenas o incremento das atividades e negócios de empresas (SCORE).
Inobstante isso, conforme prevê o art. 43, caput, do Código de Defesa do Consumidor, autoriza o consumidor acessar informações contidas a seus respeito no banco de dados, bem como cientificar-se das fontes das quais emergem. Diga-se de passagem, a acessibilidade, é integralmente gratuita, o acesso do consumidor deve ser amplo e irrestrito às informações sobre sua pessoa, existentes, fichas, registros, registro de dados pessoais e de consumo arquivados.
O artigo 43, § 1º, CDC prevê que as informações aludidas devem ser claras, objetivas e verdadeiras, redigidas com linguagem de fácil compreensão. Caso o consumidor detecte alguma inexatidão em seus dados, poderá exigir a correção. Em prazo não superior a cinco dias úteis, o arquivista deve retificá-la e disto cientificá-lo. O desatendimento à solicitação do consumidor enseja a possibilidade de impetração de Habeas Data. Todo aquele, uma vez verificado erros cadastrais, deixar de corrigir, imediata e gratuitamente, a inexatidão de dados e cadastros, quando solicitado pelo consumidor, bem como deixar de comunicá-lo, em cinco dias úteis, as respectivas correções, incorre, o responsável pelo armazenamento, em infração, conforme o comando estabelecido no art. 13, incisos XIV e XV, do Decreto 2.181/1997.
Finalmente, a formação de bancos de dados de consumidores prescinde de autorização. Porém, é obrigatório comunicar-lhe por escrito, quando por ele não solicitada, a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo (art. 43, § 2º, CDC). Deixar de comunicar, por escrito, ao consumidor a abertura de cadastro, ficha, registro de dados pessoais e de consumo, quando por ele não solicitados, incide a norma do art. 13, inciso XIII, do Decreto nº 2.181/1997, constituindo-se infração administrativa contra as relações de consumo.(7)
3-NEGATIVAÇÃO DO CONSUMIDOR - JURISRPUDÊNCIA- RETIFICAÇÃO DE DADOS – CANCELAMENTO
No mercado de consumo, os bancos de dados dos consumidores são subdivididos em duas espécies: os que veiculam informações positivas e os que mantêm dados negativos do consumidor, em razão de seu comportamento duvidoso, a rigor, maculado pela inadimplência, ora já ressaltado neste trabalho.
Em 09 de julho de 2011, por sua vez, foi publicada a Lei 12.414, cuja ementa registra tratar-se de diploma que “disciplina a formação e consulta de bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoa jurídicas, para a formação de histórico de crédito”. É o denominado cadastro positivo do consumidor. Visa a norma relacionar os consumidores cujo comportamento probo revela segurança e confiabilidade à formação de contratos de consumo.
Cuida-se de um diploma, repita-se, que disciplina o cadastro positivo. Isto porque à inclusão entre inadimplentes, para efeito da negativação, como acontece, por exemplo, no âmbito do SPC e SERASA, emerge desnecessária a autorização do consumidor. O cadastro positivo de consumidores, à luz da Lei nº 12.414/2011, funciona como um processo de coleta e armazenamento de informações sobre pessoas, físicas e/ou jurídicas, para organizar seu mecanismo de oferta de bens. Passou a conviver com o cadastro de que trata o art. 43 do Código de Defesa do Consumidor.
Uma pessoa, física e/ou jurídica, ao realizar uma compra ou ao contratar um serviço, forma com o fornecedor um contrato de consumo. Logo, surgem para ambos direitos e obrigações recíprocos: o devedor tem direito a receber a coisa e dever de pagar o preço, enquanto o credor dever de entregar a coisa e direito de receber o preço. Frustrada esta relação, surge ao prejudicado o direito de em juízo reivindicar as consequências da inadimplência.
No âmbito das relações de consumo, criaram-se bancos de dados para relacionar pessoas maculadas pela inadimplência. Nada obstante, alguns requisitos devem ser observados pelos fornecedores, pois são hipóteses que tratam de informações de índole íntima do indivíduo, trabalham com direitos individuais indisponíveis, os chamados direitos da personalidade, como a honra, por exemplo. É o nome de uma pessoa que pode ser denegrida perante a sociedade, e com ele a imagem, a honra, o caráter, etc. Enfim, são situações que constrangem a rigor o cidadão.(8)
Em tese, pode haver a negativação do consumidor independentemente de sua anuência. Vencida a dívida, o fornecedor deve comunicá-la ao órgão responsável pelo banco de dados. Em poder das informações, este deve informar ao inadimplente que seu nome, em determinado hiato temporal, será arrolado entre os devedores, com a consequente negativação. Registre-se: cabe ao órgão mantenedor das informações a comunicação da negativação, não sendo esta responsabilidade do fornecedor, conforme entendimento sólido do Superior Tribunal de Justiça epitomado na súmula nº 359 de sua jurisprudência. Ei-lo, portanto: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”. Precedente: DANO MORAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INSDIMPLENTES. DISCUSSÃO JUDICIAL DA DÍVIDA NÃO IMPEDE, POR SI SÓ, O REGISTRO EM CADASTRO RESTRITIVO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. OBRIGAÇÃO DO ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, E NÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Jurisprudência deste sodalício superior é assente no sentido de que a simples discussão judicial da dívida não é suficiente para obstaculizar ou remover a negativação nos bancos de dados. 2. Igualmente pacífico é o entendimento de que a comunicação compete ao órgão responsável pelo cadastro, e não ao credor ou à instituição financeira, afigurando-se inviável, na espécie, imputar responsabilidade ao recorrente pela ausência de aviso prévio sobre a inclusão do nome do devedor em cadastro de inadimplentes. 3. Recurso provido.(9)
Por fim, postada a correspondência, “é dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em banco de dados e cadastros” (STJ: Súmula 404). Precedente.: A obrigação prevista no art. 42, § 2º, do CDC, considera-se devidamente cumprida com o envio da notificação ao endereço informado pelo credor, independentemente de comprovação por aviso de recebimento.(10)
Realizada a inscrição em cadastro negativo de crédito, o órgão responsável pelo banco de dados pode mantê-la por até cinco anos, contados do vencimento da dívida, e não da data de inscrição (art. 43, § 1º, CDC).
Assim, nos termos do art. 43, § 5º, do CDC, consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor (ou seja, cinco anos), os órgãos de proteção ao crédito não poderão fornecer quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. E mais, consoante inteligência exarada pelo Superior Tribunal de Justiça, “a prescrição a que se refere o art. 43, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor é o da ação de cobrança e não o da ação de execução (11) -(REsp 472.203-RS, Rel. Min. Humberto de Gomes de Barros)”. Este entendimento já foi sufragado pela mesma Corte na súmula de sua jurisprudência, cujo enunciado 323 discorre: “a inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução”.
Paulatinamente, as relações sociais estão copiosamente se realizando sob o manto da informatização. O nome de uma pessoa, ao ser relacionado entre os inadimplentes, inibe a prática de atos negociais, como a celebração de contratos de consumo. Significa dizer que se trata de um bem tão importante que maculá-lo viola a própria personalidade individual. Por esta razão, o Código Civil arrolou o nome entre os direitos da personalidade, conforme constatado na literalidade de seu art. 16.
A imposição de fato nocivo a determinada pessoa é conduta que estigmatiza não somente este direito da personalidade mas muitos outros, dentre os quais a honra e a imagem individual. Como direitos fundamentais, a honra e a imagem da pessoa, quando violadas, reclamam indenização, nos termos do art. 5º, inciso X, da Carta Magna. Por isso, a inclusão do nome do consumidor indevidamente em cadastro negativo implica a ocorrência de danos morais, pois ele sofre uma restrição em sua autonomia privada em razão de uma negativação creditícia sem justificação plausível.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que se o órgão responsável negativar indevidamente consumidor já negativado, isto é, consumidor que possui precedente negativo de crédito, este não poderá reclamar indenização por danos morais, mas apenas o cancelamento da inscrição irregularmente anotada. Neste sentido, proclama o enunciado sumular nº 385: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Precedente: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. COMUNICAÇÃO PRÉVIA. CDC, ART. 43, § 2º. EXISTÊNCIA DE OUTRO REGISTRO. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. Afasta-se a pretensão indenizatória pois, conforme orientação da Segunda Seção desta Corte, “quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição de seu nome como inadimplente em cadastro de proteção ao crédito”(12)
Por derradeiro, cumpre esclarecer que esgotado o prazo estabelecido no art. 43, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, é obrigatória a exclusão do nome do consumidor inadimplente do rol de negativados, incorrendo em infração administrativa, nos termos do art. 13, inciso XII, do Decreto nº 2.181/1997, o organismo que desta forma não proceder.
No que concerne a retificação ou reparo, possui o §3º do artigo 43, do CDC, que o consumidor sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, Em casos tais, deve o arquivista, no prazo de 05 dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas, caso dos credores da dívida nas hipóteses de negativação. O prazo é exíguo para evitar maiores danos aos direitos da personalidade do consumidor. (13) - (TARTUCE. Flávio e Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de Direito do Consumidor. 6. Ed. 2017. p. 541. São Paulo. Ed Método. Vol. Único).
Em acórdão de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que esse prazo de 05 dias úteis deve ser aplicado para o dever do credor de retirar o nome do devedor de cadastro negativo. O prazo é contado da quitação representando aplicação ao princípio da boa-fé-objetiva na fase pós-contratual. Vejamos a publicação desse importante julgado no Informativo n. 501 da Corte Superior: “Cadastro de inadimplentes. Baixa de inscrição. Responsabilidade. Prazo. O credor é responsável pelo pedido de baixa da inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes no prazo de 05 dias úteis, contados da efetiva quitação do débito, sob pena de incorrer em negligência e consequente responsabilização por danos morais. Isso porque o credor tem o dever de manter os cadastros do serviços de proteção ao crédito atualizados. Quanto ao prazo, a Ministra Relatora definiu-o pela aplicação analógica do art. 43, §3º, do CDC, segundo o qual o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de 05 dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. O termo inicial para a contagem do prazo para baixa no registro deverá ser do efetivo pagamento da dívida. Assim, as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária, ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.” A Min. Relatora ressaltou a possibilidade de estipulação de outro prazo entre as partes, desde que não seja abusivo, especialmente por tratar-se de contratos de adesão. Precedentes citados: REsp 255.269- PR, DJ 16.04.2001; REsp 437.234- PB, DJ 29.09.2003; AgRg no Ag 1.094.459-SP, DJe 01.06.2009, e AgRg no REsp 957.880-SP, DJe 14.03.2012 (STJ – Resp1.149.998/ES – Rel. Min. Nancy Andrighi – 07.08.2012.
Essa forma de pensar foi confirmada em 2014, em julgamento do incidente de recursos repetitivos pela Segunda Seção da Mesma Corte Superior que resultou a expedição da súmula 548: “Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito.”
Com efeito, para os órgãos de sistema de proteção ao crédito, que exercem atividade de arquivamento de dados profissionalmente, o Código de Defesa do Consumidor considera razoável o prazo de 05 dias úteis para, após a investigação dos fatos referentes à impugnação apresentada pelo consumidor, comunicar a retificação a terceiros que dele recebeu informações incorretas. Evidentemente, esse mesmo prazo também será considerado razoável para que seja requerida a exclusão do nome do outrora inadimplente do cadastros desabonador por aquele que promove em exercício regular de direito, a verídica inclusão de dado de devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito”(14)
Quanto ao cancelamento da inscrição no banco de dados ou cadastro, o § 1º do artigo 43 do CDC determina em sua parte final que não podem os cadastros conter informações negativas referentes ao período superior a 05 anos. Em outras palavras, após 05 anos da inscrição ocorrerá a sua caducidade, sendo o referido prazo de natureza decadencial do direito potestativo de inscrição.
A contida menção à prescrição ao final do artigo 43, §5º do mesmo diploma, segundo o qual, consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos sistemas de proteção ao crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. Desse modo havendo prescrição do débito correspondente, o nome do devedor deve ser retirado imediatamente do cadastro,, sob as penas da lei. Se o prazo prescricional do débito for maior de que os cinco anos, mesmo assim deve ocorrer o seu cancelamento, pelo respeito ao teto temporal quinquenal estabelecido na norma consumerista em prol dos vulneráveis negociais. E neste sentido entende nossa jurisprudência pátria: “ o prazo prescricional referido no art. 43, § 5º do CDC, é o da ação de cobrança, não o da ação executiva” ( STJ – Resp 676.678/RS – Quarta Turma – Rel. Min. Jorge Scartezzini – j. 18.11.2004 – DJ. 06.12.2004, p.338;STJ – Resp 631.451/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 26.08.2004 – DJ 16.11.2004, P. 278).
Por fim, encerrando o estudo deste último tópico, quanto o cancelamento dos registros, frisamos que, no caso de pagamento da dívida ou acordo entre as partes, cabe ao credor tomar as medidas para a retirada do nome do devedor de cadastro de inadimplentes, sob pena de sua responsabilização civil. Esta hipótese representa clara aplicação de boa-fé objetiva na fase contratual, presente a violação positiva da obrigação, por quebra do dever anexo de colaboração, caso o credor não tome as medidas cabíveis, responsabilidade post pactum finitum.(15)
4- REPARAÇÃO DOS DANOS NOS CASOS DE INSCRIÇÃO INDEVIDA
Matéria de grande relevância, necessário se faz, mencionar os efeitos da inscrição indevida do nome do consumidor nos de serviço de proteção ao crédito.
Apesar de sua notória caracterização como ilícito puro, o doutrinador Flávio Tartuce, entende que o melhor enquadramento da hipótese supra é de abuso de direito, por quebra da boa-fé objetiva e da função social. “Serve como luva, portanto, o art. 187 do CC/2002, em diálogos das fontes (“ Também comete ato ilícito de o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelo bons costumes”).(16)
A inscrição do nome do devedor por parte do credor, quando a dívida efetivamente existe, constitui exercício regular de direito, a afastar o ilícito civil (art. 188, inic. II do CC/2002). Daí decorre a correta dedução de que, se a dívida inexiste e a inscrição é feita, presente está o exercício irregular do direito de crédito. Consigne-se que várias jurisprudências aplicam corretamente o conceito de abuso de direito em tais casos ( TJMG – Apelação Cível 0189607 – 96.2009.8.13.0028, Andrelândia – Décima Oitava Câmara Cível – Rel. Desig. Des. Arnaldo Maciel – j. 23.11.2010 – DJEMG 13.12.2010; TJRS – Apelação Cível 7703580954, Porto Alegre – Décima Sexta Câmara Cível – Rel. Des. Paulo Sérgio Scarparo – j. 24.06.2010 – DJERS 01.07.2010; TJBA – Recurso 59714-7/2002-1 – Segunda Turma Recursal – Rel. Juíza Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedor – DJBA 09.10.2009; TJRJ – Apelação 2009.001.15841 – Décima Sétima Câmara Cível – Rel. Des. Raul Celso Lins e Silva – DORJ 29.04.2009, p. 204; TDDF – Apelação Cível 2007.06.1.002814-8 – Acórdão 281232 – Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais – Rel. Juiz Alfeu Machado – DJU 18.09.2007. p. 150.
A Configuração da hipótese como abuso de direito serve para reforçar a responsabilidade objetiva ou sem culpa no caso de inscrição indevida, além da incidência de vários preceitos do CDC. (17)-(Idem. p. 545)
Há que se falar igualmente em manutenção indevida do nome em cadastro, quando a dívida é paga ou quando expirado o prazo máximo de conservação do nome por cinco anos. Nestes casos, como os cadastros de consumidores lidam o nome, o direito de personalidade da pessoa, que tem proteção fundamental, é correto afirmar que cabíveis danos imateriais, conforme presunção “in re ipsa”.Esta presunção é relativa, cabendo prova em contrário, por parte do fornecedor, podendo ainda sofrer por danos materiais nos termos do artigo 402 do CC/2002, mediante prova, salvo nos casos em que há pedido de inversão do ônus da prova, art. 6º, inc. VIII do Código de defesa do Consumidor.
Diante deste contexto, necessário ainda, mencionar a Súmula 385 do STJ que prevê a possibilidade não cabimento de responsabilização por danos morais quando o consumidor conter s inscrições legítimas e sobrevier uma inscrição indevida, neste caso não caberá danos morais ao consumidor já devedor. Cita a referida Súmula: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por danos moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito de cancelamento.”
Neste interim, há doutrinadores que criticam esta posição do STJ, é o caso, dentre eles, da CLAUDIA LIMA MARQUES que fala: “ a Súmula 385 acabou por criar excludente para o fornecedor que efetivamente erra e ainda uma escusa de antemão de todos os erros dos fornecedores e da abertura de cadastros irregulares ( que ficam sem qualquer punição), caso o consumidor tenha um – e somente um- problema anterior, em que se considerou legítima a inscrição preexistente.”(18)
A indignação além da Cláudia Lima Marques, Bruno Miragem dentre outros é salutar, imaginemos, a título exemplificativo, que uma Consumidora devia um valor legítimo do qual restou a negativação de seu nome no Cadastro de Serviço de Proteção ao Crédito, passados os 05 anos, seu nome não foi devidamente retirado do cadastro, como ressalta a lei, restando uma manutenção indevida. Por conseguinte, ocorre nova inscrição, desta vez, ilegítima, pelo teor da Súmula 385 do STJ, a consumidora não terá direito a indenização por danos morais, pois a inscrição anterior foi legítima, o que não foi legítima foi a retirada do nome da devedora do Cadastro.
Com efeito, em 2016 a Segunda Seção do Tribunal da Cidadania rediscutiu o teor da Súmula, por iniciativa do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, mas, lamentavelmente, não só manteve o seu teor, como ainda, ampliou a sua aplicação credores, pois os precedentes somente diziam respeito aos órgãos mantenedores de cadastros. Pena!
Mister frisar que, isso não quer dizer que o credor possa ser responsabilizado por qualquer outro excesso. A anotação irregular, já havendo outras anotações legítimas, não enseja danos morais, contudo, poderá haver responsabilização por outras atitudes do credor, independentemente da coexistência de anotações regulares, como a cobrança vexatória e indevida, ou o desleixo de cancelar apontamentos indevidos quando notificados para regularização, por exemplo.
Desta feita, apesar da presente Súmula 385 do STJ está plenamente em vigor, nada impede de, uma vez praticadas abusividades por parte do Fornecedor, poderá ainda, sofrer indenização por danos morais.
Para encerrar este tópico, é interessante verificar qual o prazo que tem o consumidor para poder pleitear uma eventual reparação de danos pela inscrição indevida em cadastro negativo. Prima facie, poder-se-ia pensar na aplicação do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do artigo 27 do CDC. A jurisprudência neste sentido: TJRS – Apelação Cível 555907-44.2010.8.21.7000 – Canoas – Vigésima Terceira Câmara Cível – Rel. Des. Niwton Carpes da Silva – j. 11.09.2012; TJSP Apelação Cível – 0148630-14.2008.8.26.0100 – Acórdão 485347 – São Paulo – Vigésima Câmara de Direito Privado - Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rebello Pinheiro – j. 22.11.2010 – DJESP 13.01.2011.
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito do Consumidor, como demonstrado, tem como princípio maior a proteção a parte hipossuficiente e vulnerável da relação contratual, contra abusos porventura cometidos por aqueles que ostentam a qualidade de parte mais forte do contrato. Entretanto, mesmo havendo esta proteção, ambas as partes, consumidor e fornecedor possuem direitos e obrigação recíprocos. À medida que um não pode abusar de seu poder, o outro dessa forma não pode se comportar em relação a seus direitos, ou seja, deve-se conferir a harmonia nos contratos, usando cada um daquilo disposto pelo Direito.
O Código de Defesa do Consumidor, ao prescrever normas de proteção, também conferiu direitos aos fornecedores ao legalizar a possibilidade de negativação do nome de pessoas declinadas à inadimplência. Comportou-se desta maneira justamente para conferir efetividade às relações jurídico-consumeristas e segurança nas celebrações dos vínculos contratuais. Por conseguinte, a Lei nº 12.414/2011, ao passo que instituiu o cadastro positivo de consumidores, dando ênfase àqueles que seriamente conduzem seus negócios no mercado de consumo, protege o consumidor ao submeter à sua íntima convicção avaliar a conveniência e oportunidade para abertura, armazenamento, atualização e exclusão dos dados nos cadastros (art. 4º).
Outrossim, a quebra desta harmonia, se praticada pelo fornecedor ou pelos órgãos mantenedores do Sistema de Proteção ao Crédito implica indenização por danos causados à parte prejudicada. Se o descumprimento for realizado pelo consumidor, desafia o ressarcimento dos prejuízos porventura experimentados pelo fornecedor.
BIBLIOGRAFIA
(1)NERY JUNIOR, 1999, p. 42.;
(2) COELHO,Fábio Ulhoa-Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2., p. 5.;
(3)MIRAGEM,Bruno-Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2013);
(4)TARTUCE, Flávio-MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR. VOL ÚNICO.Ed. Método. Ano 2017, p. 523;
(5)MIRAGEM,Bruno-Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2013);
(6)GARCIA,LeonardoMedeiros-Direito do Consumidor. 3 ed. Niterói: Impetrus, 2007.p.155);
(7)TARTUCCE,Flávio-Banco de dados e cadastro de consumidores e Manual Curso de Direito do Consumidor. p. 531, São Paulo. ed. Método. 2017);
(8)RIZZATTONUNES,Luís Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. Ed. São Paulo. Saraiva. P.527);
(9)STJ, RESP 849.223 – MT, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa);
(10)STJ: REsp 727.440-RJ, Rel. Min. Paulo Furtado, Desembargador convocado TJBA);
(11)REsp 472.203-RS, Rel. Min. Humberto de Gomes de Barros)”;
(12)REsp 1.002.985-RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 27.08.2008).Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp nº 1.057.337-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti);
(13)TARTUCE,Flávio e Daniel Amorim Assumpção Neves-Manual de Direito do Consumidor. 6. Ed. 2017. p. 541. São Paulo. Ed Método. Vol. Único);
(14)REsp 1.424.792/BA – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – 10.09.2014);
(15)DONNINI, Rogério Ferraz-Responsabilidade civil pós-contratual. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011);
(16)-( Idem. p. 544).
(17)-(Idem. p. 545), e
(18)MARQUES,ClaudiaLima; BENJAMIM, Antonio Herman;MIRAGEM Bruno-Comentários ao Código de defesa do Consumidor. 3. Ed. São Paulo. p. 833).
POR MARIA CRISTINA ARAÚJO
-Graduada em 2007 pela Universidade Paulista, SP;
-Especialista em Direito Civil e Processo Civil, âmbito Empresarial com capacitação para Ensino no Magistério Superior
- Complexo Jurídico Damásio de Jesus – 2009/2010;
-Pós Graduada(Latu Sensu)em Direito do Consumidor- Complexo Jurídico Damásio
de Jesus – 2017; e
-ADVOGADA CÍVEL; Juizado
Especial Cível – Atua em:
-Relação de consumo e Processo Administrativo – PROCONSP;
-Relação
de Consumo, cobrança indevida, repetição de indébito, negativação errônea em
cadastro, impugnação de cláusula abusiva, venda casada, negativa de entrega de
produto, entrega diversa ao avençado, compra pela internet não cumprida,
responsabilidade solidária, impugnação
de multa administrativa, responsabilidade civil via judiciário, cobrança
indevida contrato de telefonia, fidelização e portabilidade, Bancos, cobrança
indevida, tarifas, revisão contratual de empréstimo. e
- Processo Administrativo,
Reclamação.
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