Dizem que o mal do século XXI é a incompetência. Sou obrigado a concordar. Ora, a cada dia que passa as pessoas se interessam menos em se aprofundar no aprendizado de ciências. Como queremos ter bons profissionais no futuro?
No século XIX, o escritor François-René de Chateaubriand chamou de "mal do século" o sentimento de decadência e melancolia trazido pela percepção da inutilidade e da futilidade da nossa existência.
Esse desconforto, manifestado principalmente pelos jovens da época, deveu-se ao vazio existencial deixado pelo racionalismo iluminista. A ciência, que no século XIX teve seu momento de ouro, ajudou a fortalecer esse sentimento de tédio e tristeza, pois começou a mostrar para as pessoas que, realmente, a realidade das coisas nos torna pequenos e insignificantes perante a grandeza do universo.
O "Mal do Século" foi tão intensificado pelo pensamento científico, que o próprio visconde de Chateaubriand chegou a dizer:"As ciências explicam tudo para a inteligência e nada para o coração".
As pessoas tiveram então que escolher entre duas saídas: ou aceitavam a nossa insignificância, como seres resultantes de uma série de aleatoriedades ocorridas ao longo da formação do cosmos, dos átomos, das moléculas e, finalmente, da vida; ou viravam as costas para tudo isso, continuando com a crença no sobrenatural, nas ideias das religiões, na existência de deus ou de deuses, divindade que teria criado tudo isso, inclusive nós.
Obviamente que a última opção foi a mais escolhida pela grande maioria das pessoas.
Claro. Como seres criados por uma divindade sobrenatural, nós nos tornamos especiais. Deixamos de ser insignificantes e tomamos um aspecto muito mais importante nesse imenso universo. " O deus nos criou e ele tem planos para nós", diriam aqueles que trabalham pela religião.
As pessoas precisam se sentir especiais. Entender o pensamento científico é muito mais difícil. Adicionadas a isso, fortaleceram-se as ideias do medo e da esperança. O medo de que vamos queimar no fogo do inferno se formos pessoas ruins e a esperança de que a vida vai melhorar se vivermos uma boa vida perante deus. Assim, o "Mal do Século" passou. Ele foi derrubado pela emoção que se sobressaiu à razão.
No século XX, vimos ascender os pensamentos religiosos a patamares grandiosos. A ciência cresceu atrás, bem atrás. Alguns cientistas até tentaram demonstrar que, como as ideias das religiões não trazem evidências para serem debatidas, elas não deveriam ser aceitas com tanta facilidade. Mas isso nunca foi levado em consideração pela grande massa da população. A ciência era aceita no desenvolvimento da medicina (vacinas, por exemplo) e da tecnologia (eletricidade, por exemplo), mas nunca para explicar a nossa origem.
Curioso é que a mesma força eletromagnética usada por Tesla para espalhar luz sobre a face da Terra é também a mais importante das quatro forças da natureza no que diz respeito à origem e evolução da vida.
Mas as pessoas preferiram fechar os olhos para essa "luz".
Cada vez mais as pessoas seguiam caminhos demarcados pelas suas opções religiosas e cada vez menos os caminhos da ciência eram escolhidos para tomadas de decisões. E pior. Quando era escolhido, o caminho científico era usado de maneira errada, como no episódio da segunda grande guerra, em 1945, com o lançamento das duas bombas atômicas sobre os territórios japoneses de Hiroshima e Nagasaki.
Salvo algumas exceções, as opções científicas eram fundamentalmente usadas para o crescimento do capitalismo. Na agricultura, ou na indústria, a ciência era aplicada para o desenvolvimento de máquinas modernas que trabalhassem cada vez mais intensamente, acelerando a produção e a geração de dinheiro para o sistema vigente.
Isso também acarretou em diversos problemas ambientais como desmatamento sem controle, uso indevido da água, exposição de pessoas a agentes contaminantes, alimentos industrializados pouco saudáveis, aumento gradativo da taxa de doenças como cânceres e cardiovasculares e a poluição atmosférica desenfreada.
Por exemplo, o aquecimento global, que é fato, queira ou não queira, é também resultado do mau uso da ciência. O desenvolvimento intensificado das indústrias automobilística e siderúrgica, para citar só duas, aumentou de maneira estrondosa a taxa de gases carbonados na atmosfera do nosso planeta. Isso fez com que a temperatura média da Terra se elevasse em mais de 1º C desde a Revolução Industrial. Na visão planetária, isso é suficiente para alterar o comportamento de climas locais e direções de ventos e marés. Como resultado, assistimos a tragédias causadas por chuvas e alagamentos infindáveis em cidades e ilhas pelo mundo todo. Secas agressivas e duradouras se instalam em regiões já assoladas pela pobreza e pela fome. Além dos inúmeros furacões e ciclones que devastam comunidades inteiras, como temos visto nos últimos meses.
No entanto, é claro que o mau uso da ciência não é culpa da ciência, mas sim do homem. E também é claro que a ciência, por outro lado, também vem sendo usada de maneira muito positiva, como nas usinas de energia limpa e renovável, ou no desenvolvimento de carros elétricos que, atualmente em alguns países da Europa, já são até mais baratos que alguns carros de combustão à gasolina.
A verdade é que a ciência e os estudos científicos deveriam ser levados muito mais a sério por todos os países do mundo, especialmente o Brasil, e o investimento nessa área deveria ser muito maior, junto com a saúde e a educação. Até porque elas andam todas juntas. Não se faz saúde, nem educação, sem ensino científico.
Mas no Brasil, o que se vê, é o andar na contramão.
Por aqui, mesmo assistindo os índices de poluição do ar ou água e desmatamento da Amazônia só aumentando, ou mesmo que acompanhemos tragédias climáticas em cidades alagadas ou assoladas pela seca, ou, ainda, mesmo que saibamos que a ciência, sendo bem usada, é a única área que pode nos tirar de todas essas crises, as pessoas preferem continuar votando em políticos que prometem melhorias em nome da "bíblia, do boi ou da bala" (referência aos deputados e senadores das bancadas cristão-evangélica, ruralista e a favor do rearmamento da população).
O governo do horroroso, e não honroso, Michel Temer, cortou 44% do orçamento da ciência e tecnologia em março desse ano, mesmo depois do governo da péssima e incompetente Dilma Roussef ter desmoronado essas áreas, junto da educação, com cortes também ocorridos na sua gestão. Lembro que em 2015, ano do lema "Brasil, pátria educadora", o governo Dilma cortou 10% do orçamento do Ministério da Educação, o MEC, o que foi equivalente à quantia de R$ 10,5 bilhões.
Nós, professores preocupados com a educação acima de tudo, não esquecemos.
Assim como também não nos esquecemos, aqui no Estado de São Paulo, do descaso que o governo PSDB demonstra pela educação, há mais de 20 anos. Sim, pois em mais de 20 anos de governo do PSDB por aqui, a falta de reconhecimento e de atenção para com os professores da rede pública é o que mais chama atenção no estado que deveria ser o exemplo para o país e para o mundo, haja vista a quantidade de dinheiro que produz, mas que é muito mal administrado.
E foi assim, pelo menos no Brasil, que a educação e a ciência foram colocadas em segundo plano na cabeça das pessoas. O ensino de ciências por aqui se tornou algo chato e desinteressante para os indivíduos em fase escolar. Para a maioria, saber física, química ou biologia é desnecessário. As ciências da natureza estão em segundo plano porque, na cabeça da esmagadora maioria, foi deus que criou tudo e todos.
Esse pensamento é problemático. Entenda. Não é problema ter uma religião, o problema é se desligar da realidade das coisas em nome da sua religião.
Um estudo feito por cientistas finlandesas da Universidade de Helsinki e publicado na revista científica Cognitive Psychology, revelou que as crenças religiosas, ou crenças naquilo que chamamos de sobrenatural e paranormal, induzem as pessoas a terem má compreensão e percepção do mundo físico. Essa indução leva as pessoas a terem baixa informação sobre física, química e biologia, o que acarreta, por exemplo, em adolescentes e jovens, a tirarem notas baixas na escola, nessas disciplinas.
Sem interesse, esses indivíduos acabam se sentindo inaptos, ou incapazes de ser aprovado em algum vestibular, em alguma universidade e, aos poucos, vão largando os estudos e passam a se dedicar a um emprego comum, acomodando-se pelo resto da sua vida em seu trabalho e seu "pensamento mágico".
O "pensamento mágico" é a propensão de atribuir intenção a fenômenos não mentais, como a deuses, a ocorrência de um terremoto devastador.
Em outras palavras, e ainda de acordo com o estudo supracitado, as crenças religiosas e sobrenaturais são, com frequência, associadas à baixa capacidade de raciocínio e de compreensão das informações sobre o mundo natural.
A saída é uma só. Tornar o ensino científico novamente atrativo para as crianças e adolescentes. Mas para isso, antes, o ensino como um todo tem que ser atrativo. A escola tem que ser um lugar onde os alunos querem estar, e não querem ir embora. Só com uma reforma muito bem feita e estruturada no ensino é que obteremos sucesso ao longo prazo.
Particularmente, eu não acredito que a reforma que o governo atual aprovou (Lei nº 13.415/2017) será eficiente nesse sentido. Pelo contrário. A retirada de certas matérias do Ensino Médio será muito negativa para a formação básica da opinião dos alunos.
Para piorar, movimentos falaciosos e sem nenhum fundamento, como o movimento "escola sem partido", têm ganhado visibilidade na mídia e aumentado o número de seguidores. Uma pena.
Ainda mais triste, foi o que ocorreu nos últimos dias, a decisão de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, com voto de minerva da sua presidente, a decepcionante ministra Carmen Lúcia, que tornou legal, porém facultativo (menos mal), o ensino religioso confessional em escolas públicas. A partir de agora assistiremos uma guerra entre as religiões cristãs, como o catolicismo e o evangelismo, que, com muito mais dinheiro que as outras, competirão pelas escolas nas quais poderão entrar e catequizar alguns alunos.
Enquanto isso, religiões menos conhecidas e, portanto, com muito menos influência político-econômica, continuarão esquecidas e sem nenhum poder de decisão. Imagine, então, o que será dos alunos autodeclarados ateus.
A lavagem cerebral está para acontecer com crianças e adolescentes, e ninguém está fazendo nada contra isso.
Enfim, a educação e a ciência têm um caminho árduo e difícil para atravessar. Talvez nos próximos anos elas ainda não consigam atravessá-lo. Vamos torcer para que não morram no meio da travessia.
POR LUÍS FELIPE TUON
-Graduado em Ciências Biológicas pela UNICAMP e pós graduado em Educação Ambiental (nível Especialista) pelo SENAC – SP;
-É professor nessas áreas desde 2004 e coordenador pedagógico desde 2013.
-Autor de vídeo-aulas na área de biologia; e
-Dá palestras relacionadas ao tema Orientação Educacional e de Estudos.
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