O indivíduo não é um, mas sim composto infinitamente por muitas partes intensivas e extensivas pertencentes às relações de movimento e repouso, velocidade e lentidão, somos potências singulares em modos diversos de acontecer e existir. Assim sendo, podemos dizer que um indivíduo é muito mais complexo que uma unidade.
Nos sentimos uma unidade quando estamos separado de tudo, inclusive de nossa natureza e existência. Quando apoiamos nossas existências nos estados emocionais, individuais e suspensos de estar em relação ( a qualquer outro ou outra coisa), nos apresentamos presos no poder dos estados estáticos de emoção e apego, assim negando nossa natureza que é composta de fluxos e variação.
Quando não estamos em movimento, damos voz aos fantasmas que obtém a força do atolamento, da neurose, que nos coloca fora do tempo que é o acontecimento vivo. Essa força do fantasma, nos impede de vivermos o inédito real dos acontecimentos, no corpo, na mente,no real da passagem/presente esvaziando a potência de criação de movimento/pensamento, nos embotando na exatidão. Se nos apegarmos aos estados, viveremos nas demandas de um sistema ou mecanismo neurótico, que repete uma imagem esvaziada e achatada, algo que ficou cristalizado, sem movimento, idealizado, inexistente,apenas imaginário, que faz com que nossos presentes e futuros não cheguem na realização, mas sim como função da manutenção do fantasma, ficção que alimenta a ilusão que somos um eu independente do que nos acontece. Esse eu é narcísico, egoico, delirante e normatizado pelo poder, medroso, fraco e morto com a ilusão que está economizando para ter mais vida.
Desta forma, quando acreditamos que somos um "eu" ao invés de sermos o predicado do que nos acontece, não passamos de signos que remete a signos, nem nascemos, desta forma, nem nos diferenciamos das máquinas. Isso implica que nos reduzimos em discursos meio semióticos,incorporais,fantasiosos, imagens e produtos.
Nos apresentamos como objetos onipotentes, alienados e iludidos por nossas imaginações, ficamos assim reduzidos em uma imagem.
Desta maneira, nos tornarmos seres faltantes, pois nos tornamos o objeto ao invés do acontecimento, passando a nos confundir com o acontecido, onde o ordinário toma conta e nos tornamos o funcionário das funções, que nos traz o poder de funcionar em detrimento do acontecer em movimento que cria o inusitado, o presente, o tempo, a gente.
Viramos escravos de nossas emoções quando agarramos o que nos impressiona ao invés de nos conectarmos com o que acontece. Aprisionamo-nos quando nos apegamos aos estados emocionais pelo fato de precisarmos de um absoluto ou responsável pelos efeitos do que nos pode afetar, como se pudéssemos controlar e assim nos assegurar dos perigos de existir.
Podemos dizer que nos tornamos coesos quando fluímos fora de um ideal, quando nos deixamos ser penetrados pelo devir, assim como um bebê que está aberto a passagem da experimentação.
Quando estamos acontecendo, ativamos o extraordinário, isso implica em extrair do ordinário o raro da singularidade de nossa potência em movimento, e para isso acontecer, precisamos se entregar a vida e suspender as reações para convocar ações encarnadas de composições ou decomposições que partem da experimentação de fato sem vieses ou qualquer cultura,estar aberto, como um bebê recém chegado na terra.
Quando entramos no modo reativo como se pudéssemos controlar ou engessar o movimento da vida acontecendo que é inerente a nós, perdemos a plasticidade da arte de existir que está implicada na experiência do diferenciar-se de si mesmo, estar no movimento.
Contudo, para conseguirmos nos despir do formal, ordinário e ideal, precisamos embarcar no movimento da vida viva pelos ensaios da espontaneidade da criação/abertura, convocando o processo da ação ao invés da descarga da reação. A partir disso, podemos nos libertar e aceitar que o perfeito é o inacabado, nos dando a chance de acontecer de diversas maneiras e perceber infinitos modos de rebeldias interiores ou variações intensivas que trazem o fenômeno/acontecimento, que se coloca de uma maneira potente/criativa/inédita. Que tal identificarmos o caos como condição que abarca fascínio, terror entre outras emoções que combatem as opiniões estáticas/estéticas ,dando assim vazão a possibilidades de movimento e consistência entre as forças violentas das composições.
Para a composição se efetuar é necessário poder se desapegar e se decompor das formalizações acomodadas, quando conseguimos isso, podemos dizer que estamos nos efetuando em prol da intensificação da existência.
Como podemos intensificar "o como acontecemos na vida?"
Creio que se entregando para a existência da vida em si. Reconhecendo as fragilidades que nos sinaliza a humanidade que nos traz a potência e a plasticidade de criação/duração.
Quando podemos abandonar essa onipotência de que vivemos sob aprovação ou reconhecimento do outro, de Deus , do pai , do chefe, do Estado, como se existisse uma lei universal de um certo e errado, ou um céu e inferno que nos roubam da vida movimento.
Ao se despir dessa merda toda, podemos migrar para a potência do acontecimento , assim nos entregamos ao encontro do movimento incerto sem começo ou fim, não dando espaço para comparações, superstições e pureza, investindo assim nas efetuações de nossos sonhos, suscitando o desejo em prolongar-se em desejo, investindo na intuição que aspira a duração –movimento vital criativo sem referência ilusória de melhor ou pior mas sim singular coexistindo com outras singularidades.
A partir desse sensível que não investe no ideal, formalizador e referencia, podemos nos apoiar nas existências mínimas como traz o David Lapoujade onde o pensamento não assegura ao pensador a sua existência como Descartes afirma. Mas sim a experiência que traz criação da mais experiência sem referência de demanda mas sim como investimento de desejo=existência.
Partindo do que Souriau aponta,que não há um único modo de existência para todos os seres que povoam o mundo. Nos elucidando o quanto há variedades dos modos de existência ou desejo compreendido entre o ser e o nada.
O quanto a cada existência tem seu modo sem predestinação , enfim, podemos existir em vários planos distintos permanecendo numericamente um em suas multiplicidades. Assim sendo, podemos dizer: que um ser pode participar de vários planos de existência como se pertencesse a vários mundos. Um individuo vive nesse mundo.Um individuo existe neste mundo, ele existe como corpo, existe como "psiquismo", mas também existe como reflexo em um espelho, como tema, ideia, lembrança no espírito do outro, tantas maneiras de existir em outros planos.” Os seres são realidades plurimodais, multimodais - intermundos, de um emaranhado de planos( lapoujade-As existências mínimas p.15).
POR FABIANA BENETTI
-Psicóloga, Psicanalista, Esquizoanalista e, Especialista em Psicossomática.
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