Era digital ou Era da Informação são termos adotados para delimitarmos os avanços tecnológicos que surgem da chamada Terceira Revolução Industrial e que se destacam na difusão de um ciberespaço, um meio de comunicação e informação instrumentalizado pela informática e pela internet.
Tem-se como marco desta era que estamos imersos no uso de diferentes tecnologias e precisamos aprender a aprender a utilizá-las. Isso apresenta-nos muitos desafios. Desafios que afetam e desestabilizam as ações dos educadores. Sejam eles considerados pais, responsáveis, professores e demais seres humanos que interagem com outros seres humanos. Educar, mediante o uso destas ferramentas tecnológicas, é uma etapa em que precisaremos de mais atividades intelectuais do que braçais.
Bates - especialista mundial em planejamento, treinamento e gestão em e-learning e educação a distância – autor da obra Teaching in digital age, traduzida recentemente para língua portuguesa pelo Prof. Mattar (PUC/SP e UNISINOS), listou e comentou as competências necessárias à esta era. A obra é uma referência a docentes do ensino superior que queiram utilizar tecnologias da melhor forma.Com base na Conferência Board do Canadá, em 2014, citamo-las a seguir: habilidade de comunicação; capacidade de aprender de forma independente; ética e responsabilidade; trabalho em equipe e flexibilidade, habilidades de pensamento, competências digitais e gestão do conhecimento.
Cabe aos educadores se conscientizarem da importância do desenvolvimento destas habilidades. Comprometimento no desenvolvimentos destas habilidades aos educandos da era digital.
Não adianta postar-se as queixas sobre as habilidades e competências a serem desenvolvidas ou as grandes e rápidas mudanças no modo de viver, gerado pela era digital. Isto só nos tira o foco da intenção do ato de educar; além do que, cremos, enquanto humanos, sonhamos por viver esta era.
O ato de educar é longo, em especial ao considerarmos as evoluções e transformações da sociedade contemporânea. Parafraseando Platão, arriscamos afirmar que são precisos 50 anos para educar o ser humano. Tal ação contrapõe-se a agilidade e rapidez proporcionada pela era digital. É preciso ter consciência que o futuro será cada vez mais incerto e volúvel.
Acho que não basta conscientizar-se sobre as incertezas futuras, pois sobre essa ótica educar será desanimador, é necessário refletir sobre tais incertezas e aprender a agir com alteridade frente a elas. Isso exige as habilidades citadas anteriormente e justificam os dois lados do ato de educar. A meu ver, quem escolhe educar de modo romântico” faz uso da reflexão e compreende a atemporidade da educação, pois permite que independente da presença do educador a educação continue. Como tudo neste mundo, educar também tem dois lados. Pode-se educar de modo que se proporcione um ser humano autônomo e emancipado, capaz de dar continuidade a dignidade da vida humana. Esta forma poder ser vista por alguns como romântica. Por outro lado, pode-se, também, educar de modo que se contraponha o apresentado anteriormente. Mas, para qualquer uma das formas, requer tempo.
Tempo é outro fator a ser refletido na era digital, pois falamos ou vivemos o chamado “real time”, tempo real, e “full time”, tempo integral. Considerando que educar deve acontecer em tempo integral, os educadores devem estar atentos a informação veiculada em tempo real. Isso proporciona aos educandos o processo de reflexão voltada à intenção que se tem com ato de educar.
Podemos, também, considerar o tempo líquido, como proposto por Bauman (2011) – polonês, um dos maiores sociólogos da atualidade. Ele define o tempo como “líquido”, mediante a rapidez das mudanças. Para o sociólogo tudo está se tornando líquido, até o amor, a família. Desta forma, o autor entende que nada foi ou está sendo feito para durar, para ser “sólido”. Se, nos acomodarmos a liquidez educaremos para tal, é preciso ter clareza que ela não poderá afetar nosso objetivo maior – cuidar da dignidade da continuidade continuidade da vida humana.
Mais do que nunca, o ser humano precisa utilizar muito a reflexão, portanto, necessita saber a intenção pela qual se vive e se educa. Isso lhe é útil para solucionar os problemas quotidianos, atrevemo-nos a afirmar, refletir para superar a liquidez.
Superar a liquidez é processo que requer tempo e reflexão, pautados em objetivos. Solicita ampliar e modificar a forma de comunicação. Comunicação para seres ativos, comunicadores ativos; nada de telespectadores.
Assim, destacamos entre os legados de Freire (2005), a educação por meio do processo dialógico. Processo que é pautado em uma intenção, em que os sujeitos são “ouvidores” e “falantes” sobre os projetos de vida, mediante os acontecimentos em que estão envolvidos. Um processo dialógico, segundo Freire (2005), se faz por meio da ética, estética, política. O educador nos ofertou este legado por volta dos anos 60, pouco mais dos meados da década do século XX.
O importante é verificarmos que a forma de comunicação e de viver mudou mediante o advento da internet, diríamos, internet de todas as coisas. Define-se como Internet of Everything (IoE)[1] – ou simplesmente a Internet de Todas as Coisas - a evolução natural das várias transições da tecnologia atual. A mesma surge como resposta a combinação da própria Internet of Things (Internet das Coisas) com a mobilidade crescente, o que gera a urgência pela computação em nuvem e a importância cada vez maior do volume de dados armazenados.
Retomando a ideia do processo de educar, como considerado por Freire, e sob a intenção de manter a continuidade da dignidade da vida humana frente aos desafios da era digital, tem–se que não poderemos deixar de orientar as novas gerações. É necessária igual atenção aos indivíduos da mesma geração que a nossa, ou seja, aqueles que, de repente, estejam passando pela vida sem sentir e compreender os riscos do não conhecimento dos perigos do viver. Isso nos lembra um verso da música do Jota Quest, Do seu lado, “viver é uma arte, é um oficio, só que precisa cuidado”.
Apresentamos o significado de cuidado em Boff (2008, p.34) como “uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro”. O autor (2008, p.34) afirma que o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, ou seja, essa é uma forma de ser/estar humano. A presente citação conduz ao pensamento de que precisamos rever como decidimos nossas ações quotidianas. Barros e Beto (2009) afirmaram que a ética é a ciência que aprofunda os critérios e as razões das opções mais profundas que as pessoas tomam para viver melhor. É ético tudo o respeita e favorece a vida.
Fica pelo exposto que carecemos da clareza:
1. que educaremos na era digital, também por meio por meio do cuidado. Boff afirma ainda que cuidamos do que amamos. Cuidemos para não amarmos mais as coisas do que aos nossos entes queridos, nosso espaço – Cosmo;
2. educamos pelos nossos atos, atitudes; assim estamos interferindo na sociedade, precisamos rever constantemente, nossos atos. Portanto, somos todos educadores;
3. temos que lembrar, que continuamos precisando de um ser humano que compreenda os diversos contextos, saberes, de modo que possa atuar de forma consciente na realidade.
Os espaços digitais favorecem o educar como ato ambíguo, como qualquer outro espaço. Parece-nos que se, vamos chamar de antigamente, as regras para conviver e aprender a viver eram impostas, agora elas devem ser dialogadas de modo que o outro consiga compreender o sentido do viver.
Enquanto educadores conscientes de mudanças e do objetivo do viver, conviver, utilizaremos os diversos espaços digitais e não digitais para educar. Temos, por exemplo, pais/escolas que não sabem bem como fazer o uso de diferentes tipos de dispositivos móveis por crianças e jovens. O uso destes aparelhos é inevitável, até por que estes ofertam diferentes tipos de mídias, o que é bom, ajuda na aprendizagem e no desenvolvimento de habilidades dos diferentes usuários. Entretanto, a organização do tempo e do material ofertado nestes dispositivos é responsabilidade dos educadores.
Mudam as tecnologias, mudam os tempos, mudam as velocidades, mas a essência do ato de educar fica aos que têm clareza da intenção da educação que defendem. Educadores dialógicos mediam por diferentes meios, formas, linguagens, de modo a auxiliar os diferentes aprendizes no processo de criação, reinvenção, inovação e de metamorfosear a realidade, sem perder a essência da dignidade da continuidade da vida humana.
Se mantivermos a sensibilidade necessária ao processo dialógico para o educar, a tarefa poderá ser mais fácil. Vamos lembrar que somos seres de inacabamento, portanto, capazes de aprender a todo tempo. Claro, cada ser humano em seu tempo. Educar é um desafio, um processo e movimento contínuo que exige reflexão sobre a concepção de nossa identidade e de nossos atos e atitudes. A compreensão da importância dos valores éticos e morais, de olho nas mudanças, que também são processos organizados por nós seres humanos.
POR MARIA CRISTINA MARCELINO BENTO
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do mundo líquido moderno. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar,2011.
BARROS, Marcelo e BETTO, Frei. O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
Bates, Tony. Educar na era digital: design, ensino e aprendizagem. Tradução: João Mattar et al. São Paulo: Artesanato Educacional, 2016.
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar – ética do humano – compaixão pela Terra. 14ª edição. Petrópolis: Vozes, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. 31ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2005. 146p.
https://canaltech.com.br/coluna/internet/Internet-de-Todas-as-Coisas-uma-nova-internet-para-uma-nova-era/
1Para saber mais consulte: https://canaltech.com.br/coluna/internet/Internet-de-Todas-as-Coisas-uma-nova-internet-para-uma-nova-era/
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