sábado, 8 de outubro de 2022

O que ensinamos está próximo ou distante das necessidades do mercado?




 Autora: Maria Thereza Antunes (*)

A discussão sobre as melhores práticas metodológicas e de técnicas de ensino têm sido um tema recorrente no meio acadêmico, notadamente devido à influência da transformação digital que veio afetando todas as áreas da nossa sociedade, e mais efetivamente a área da educação, quando da pandemia.

Devemos continuar, sem dúvidas, com esse tema em pauta, procurando sempre acompanhar as mudanças tecnológicas e as demandas sociais e procurando por identificar a melhor forma de transmitir ao aluno o conhecimento.

Todavia, o que coloco em discussão nesse curto espaço é sobre o que estamos transmitindo em termos de conteúdo, pois, assim como a forma de transmissão é um componente importante no processo educacional, o conteúdo transmitindo também merece um olhar mais apurado para que esse processo seja exitoso.

Recentemente, em editorial da Revista de Contabilidade e Finanças, o Professor Reinaldo Guerreiro, da FEA - USP, que tive a honra de ser aluna e, posteriormente, colega de trabalho na FIPECAFI, com a clareza e o senso crítico que lhe são característicos, manifestou a sua preocupação, que compartilho, sobre a relevância para a sociedade das pesquisas que as universidade vêm desenvolvendo, especificamente na área das Ciências Contábeis.

A leitura desse editorial me estimulou a abordar o tema deste artigo, ampliando-o para a área de gestão - Administração e Contabilidade, cujas interfaces se dão, notadamente, pelo campo das finanças, avaliação de desempenho e da controladoria.

Assim, as questões que apresento são:

- O que os nossos alunos, futuros administradores e contadores, utilizam efetivamente dos conteúdos ministrados nas disciplinas que compõe a grade curricular de seus cursos de graduação em suas práticas profissionais diárias?

- Esses conteúdos estão em linha com as demandas das empresas?

- O que ensinamos em nossos cursos de graduação estão alinhados com as habilidades e conhecimentos requeridos para o bom desempenho da prática profissional?

Na literatura se verificam críticas recorrentes em relação ao distanciamento (gap) entre a academia e a prática profissional, críticas essas exaustivamente discutidas, tanto na literatura nacional como na internacional (Hopwood, 1983;Frezatti, 2005; Souza; Lisboa; Rocha, 2003; Avenier & Bartunek ,2010. Baldvinsdottir; Mitchell & Nørreklit, 2010; Tucker & Parker, 2014 ; Wood Jr. & Souza, 2019)

Interessante observar que Kieser e Leiner (2009), baseados em um relatório elaborado pela Fundação Ford em 1959, descreveram a educação em gestão como um conjunto de ensinamento de práticas comerciais sem uma sólida base científica. Ainda de acordo com esses autores, esse relatório provocou um movimento para inserir a ciência nas escolas de negócios e isso se desenvolveu com tal magnitude que, cerca de 30 anos depois, em outro relatório, Porter e McKibbin (1988) reclamavam que a educação fornecida pelas escolas de negócios era excessivamente especializada e não fornecia aos alunos a capacidade e os meios para solucionar os problemas complexos da prática profissional.

Desde então, esse distanciamento entre a academia e a prática profissional tornou-se uma preocupação relevante, que ainda perdura, para a ciência da gestão, conforme atesta a literatura já mencionada.

Importante ressaltar que a Contabilidade é, em sua essência, uma ciência voltada para a prática. Essa essência prática da Contabilidade já é evidenciada por Luca Pacioli ao iniciar a sua obra seminal Trattato de computi e delle scritture, com a seguinte frase: "Das coisas que são necessárias ao verdadeiro mercador e a ordem para saber escriturar um Razão com seu Diário em Veneza e também em qualquer outro lugar." (Pacioli, 1494/1911, p.3).

Essa construção do conhecimento contábil pelos práticos não se limita à contabilidade financeira, mas estende-se para contabilidade de custos, embrião da contabilidade gerencial (um dos elos com a Administração), que se desenvolveu a partir das demandas práticas, decorrentes da Revolução Industrial Inglesa, em meados do século XVIII. Essas demandas estavam relacionadas com a avaliação dos estoques de produtos em fase de fabricação, ao cálculo da depreciação dos ativos fixos das indústrias e, notadamente, a partir do início do Século XIX, com as necessidades práticas advindas da construção de estradas de ferro, então em franco desenvolvimento. Ainda no Século XIX, tem-se, também, o início da Administração Científica, marcada pelos estudos de Taylor, Fayol e Ford.

O tema que abordo aqui, ou seja o do distanciamento entre a academia e a prática, é conhecido na literatura por rigour relevance gap. Esse gap está relacionado à falta de alinhamento entre o conhecimento ensinado na academia e o conhecimento necessário para o exercício e aperfeiçoamento da prática profissional. Esse gap também se refere a pouca conexão entre a pesquisa acadêmica pautada no rigor científico e as necessidades dos profissionais da gestão, caracterizada por teorias e ferramentas aplicáveis na solução de problemas complexos que surgem no exercício da prática cotidiana.

Em termos de educação, Bennis e O’Toole (2008), por exemplo, observam que a grade curricular dos cursos de Administração é formada por disciplinas focadas no desenvolvimento de constructos e modelos abstratos baseados em cálculos estatísticos avançados, que têm pouca ou nenhuma aplicação prática, além de não se preocuparem em desenvolver em seus alunos as habilidades necessárias para o exercício profissional.

Essa visão é compartilhada por Coleman (2014) que, com base nos resultados empíricos de pesquisa realizada junto a administradores de fundos de investimentos, constatou que os modelos desenvolvidos pela Teoria das Finanças ensinada nas escolas de gestão, requerem cálculos avançados e estimativa de dados futuros, o que é incompatível com as exigências do exercício da prática profissional do dia a dia.

Embora já tenha decorrido um período de tempo considerável desde que esses estudos foram publicados, pode-se constatar, também por meio da literatura, que, embora alguma evolução tenha ocorrido, esse ainda é um problema a ser resolvido. (Sharma & Bansal, 2020; Costa, Machado & Câmara, 2022; Lukka & Wouters, 2022, Guerreiro, 2022).

Dentre as iniciativas que vêm sendo implementadas, com algum sucesso, na tentativa para reduzir esse distanciamento, merecem destaque o ensino dual no campo da educação e a abordagem do Engaged Scholarship (Van de Ven, 2010), no campo da pesquisa.

O modelo dual de educação é uma abordagem de ensino que integra a teoria e a prática relacionando o ensino em instituições de ensino superior com a formação prática em empresas (Oliveira & Souza, 2021). Nesse modelo, o aluno de graduação alterna períodos de aprendizagem na escola com períodos de aplicação prática dos conhecimentos adquiridos in situ, nas empresas parceiras.

Contudo, alguns autores, sustentam que esse problema do distanciamento entre a academia e a prática, principalmente no que se refere à pesquisa, é um problema que não tem solução e que procurar resolvê-lo é uma perda de tempo. Dentre esses, destacam-se Alfred Kieser e Lars Leiner. Em seus trabalhos (Kaiser & Leiner, 2009 e 2012), os autores, fundamentados na Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann (1995), argumentam que o sistema científico e o sistema da prática são sistemas fechados, autopoiéticos (autorreferenciados) e operam isolados um do outro.

O sistema científico gera teorias e metodologias que só são reconhecidas se estiverem baseadas em métodos cientificamente aprovados pela comunidade científica e constituem a autorreferência do sistema. Já as organizações, também são sistemas autopoiéticos e devem decidir o que observar no ambiente, como observá-lo e quais conclusões tirar de suas observações. Ao tomar decisões, os gestores referem-se a decisões anteriores, seu estilo de decisão geralmente não é reflexivo e suas ações são baseadas em modelos subjetivos que contêm princípios que refletem sua experiência. Eles não consideram a tomada de decisão intuitiva inferior à tomada de decisão racional científica. (Kaiser & Leiner, 2009).

Todavia, da mesma forma que Mascarenhas, Zambaldi & Moraes, (2011), aceitar tais argumentos não seria uma forma de limitar a nossa forma de fazer ciência e nossa atuação como educadores?

Não seria melhor seguirmos as ideias de Baldvinsdottir, Mitchell e Nørreklit (2010), compreendendo que o objetivo final da pesquisa é o de melhorar a vida, ao invés apenas de descrevê-la ou entendê-la e, da mesma forma, em linha com Oliveira e Souza, (2021), ir às empresas entender as suas necessidades para preparar nossos alunos com a prática fundamentada por teorias aplicáveis?

Isso posto...meus agradecimentos ao Professor Reinaldo Guerreiro, por me estimular a compartilhar com vocês, antecipadamente, a minha inquietação de pesquisa já em curso.

Retorno em breve contando os resultados.

Referências:

Avenier, M.J. & Parmentier C. A. (2012). The Dialogical Model: Developing Academic Knowledge for and from Practice. European Management Review. 9, 199 – 212;

Baldvinsdottir, G., Mitchell, F., & Nørreklit, H. (2010). Issues in the relationship between theory and practice in management accounting. Management Accounting Research, 21, 79 – 82;

Bennis, W. & O’Toole, J.(2005) How business schools lost their way. Harvard Business Review, 83(5), 96 – 115;

Costa, F. J. da, Machado, M. A. V., & Câmara, S. F. (2022). Por uma orientação ao impacto societal da pós-graduação em administração no Brasil. Cadernos EBAPE.BR.https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cadernosebape/article/view/85549;

Frezatti, F. (2005). Management accounting profile of firms located in Brazil: a field study. Revista de Administração Contemporânea, 9(2), 147 – p 165;

Guerreiro, R. (2022) Algumas reflexões sobre a relevância da pesquisa contábil para a sociedade. Revista de Contabilidade & Finanças. FEA/USP, São Paulo, v. 33, n. 90, e9040;

Hopwood, A. G.(1983) On trying to study accounting in the contexts in which it operates. Accounting. Organizations and Society,(2-3), 287 – 305;

Kieser, A. & Leiner, L. (2009). Why the Rigour–Relevance Gap in management research is unbridgeable. Journal of Management Studies. 46(3), 516 – 533;

___________________(2012). Collaborate with practitioners: but beware of collaborative research. Journal of Management Inquiry. 21(1) 14 – 28;

Lukka, K. & Wouters, M. (2022). Towards interventionist research with theoretical ambition. Management Accounting Research,55, 1 – 15;

Oliveira, L. C. & Souza, A. A. (2021). As possíveis contribuições do modelo dual de educação para o ensino superior de contabilidade. Revista Valore, Volta Redonda, 6 (Edição especial), 41 – 61;

Pacioli, L. (1494 / 1911) Trattato de computi e delle scritture. In: Opere Antiche de Rigioneria (1911). Milano: Monitore del ragionier;

Porter, L. and McKibbin, L. (1988). Management Education and Development: Drift or Thrust Into the 21st Century? New York: McGraw-Hil;

Sharma, G., & Bansal, P. (2020). Cocreating rigorous and relevant knowledge. Academy of Management Journal, 63(2), 386 – 410;

Souza, M. A. ; Lisboa, L. P. & Rocha, W. (2003). Práticas de contabilidade gerencial adotadas por subsidiárias brasileiras de empresas multinacionais. Revista Contabilidade e Finanças, 32, 40 – 57;

Tucker, B. & Parker, L. (2019) The question of research relevance: a university management perspective. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 33(6),1247 – 1275;

Van de Ven, A. H. (2010). Engaged Scholarship – A guide for organizational and social research. New York: Oxford University Press; e

Wood Jr., T., & Souza, R. J. (2019). Os caminhos da pesquisa científica em administração em busca da relevância perdida. Organizações & Sociedade, 26(90), 535 – 555.

*MARIA THEREZA POMPA ANTUNES

























Graduação em Administração pela PUC/RJ (1984), com Especialização em Finanças pelo IAG/PUC/RJ (1985), e em Ciências Contábeis pela FEA/USP (2002);

Mestre (1999) e Doutora (2004) em Ciências Contábeis pela FEA/USP, com 23 anos de experiência na área da educação atuando como docente, pesquisadora e gestora;

Pesquisadora líder de projetos de pesquisa com fomento do CNPq e da CAPES, tendo participado de diversos congressos científicos nacionais e internacionais;

Autora de livros e artigos científicos publicados em periódicos indexados, nacionais e internacionais;

Membro de Conselho Editorial de periódicos nacionais e internacionais;

Parecerista e Palestrante com experiência internacional;. Membro da Comissão Científico e Acadêmico do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo (CRC/SP); e

Sócia gerente da Findings Consultoria Ltda, especializada em gestão educacional e perícia contábil.

E-mail: teantunes@uol.com.br

WhatsApp: (11)-98338-4343

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6278852648499064


Nota do Editor:

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sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Ave Cesar! Morituri Saluant Te!


 Autor: Luiz Antônio Sampaio Gouveia(*)

Assim os gladiadores romanos e depois os cristãos que morriam nas arenas de Roma, saudavam os imperadores, antes de perecerem no que era chamado cinicamente por jogos. Desta maneira, eu começava minhas crônicas durante a pandemia, na angústia de nossos dias, saudando o Presidente Bolsonaro, que não parecia se preocupar com nossos amigos vitimados pela covid. Certo que o eleitor brasileiro tem memória curta e isso pode explicar um de seus maiores defeitos, a superficialidade de nossas análises e o desconhecimento dos fatos, para decidir, no que já foi chamado de nosso subdesenvolvimento cultural.

Agradeço, contudo, Bolsonaro e lhe digo apesar dos tristes pesares, obrigado!  Sim! Sua Excelência despertou a consciência cívica nacional a ver a ressureição das esperanças, nas Arcadas do Território Livre da São Francisco. Agora sacramenta as urnas eletrônicas que tanto desmoralizou com sua vitória estupenda, nelas conquistadas e em que pese Lula pelos algarismos, seu vencedor, por pouco e de última hora.

Penso que ele operacionalize a máxima de nossa cultura de que Deus escreve certamente por linhas tortas. Um articulista hoje, 3 de outubro, dia da ressaca, que nem engov cura, porque profunda, em ambos os polos, observou que, com sua vitória, o golpe vem mais tarde. Pode ser! É que o Bolsonaro é antissistema e desde sempre quer fuzilar alguém ou ver morrer 30.000, porque acha que assim o Brasil se regenera. Mas muitos são e foram os que sempre disseram precisamos de uma guerra, com mortos, para que o Brasil se salvasse. Eu, nunca! Afinal não sou general que se salva das batalhas – em que pese o grande General Sampaio, ferido e morto pela Guerra do Paraguai - sou apenas bucha de canhão e não quero guerra com ninguém.

Sinceramente não me levem a mal: choro! Pode ser que Bolsonaro não me entenda porque nunca o vi chorar e olha que muita gente já morreu no seu governo. Mais que 30.000 de sua sonhada revolução. Não, não vou falar do General Ustra, que me arrepia somente de ouvir sua menção a ele. Mesmo que alguém tenha dito no passado, nunca mais, parece que os brasileiros esqueceram de tudo.

Curioso que São Paulo, terra do constitucionalismo – como dizia Ibrahim Nobre, a terra pode ser São Paulo, mas o homem não é mais paulista - foi quem deu a melhor vitória, ao atraso. Com o Major Tarcísio, que já foi da Dilma e do Michel. Sagaz, trabalhador e bom de palco e de palanque. Logo, e se eleito mesmo e contudo, o ciúme o vai enlear. São Paulo é berço de presidentes que não se podem dar com um presidente que queira ser eterno imperador.

Se pedirmos para Bolsonaro ou para Tarcísio recitarem as quatro linhas da Constituição, que o Presidente Jair pensa ser um quadrado para prender seus adversários, principalmente, os ministros do STF, certo que eles não saberão quais são elas. Mas isto não tem importância nenhuma. Logo, Bolsonaro eleito, com esta maioria parlamentar, vai querer fazer a sua Constituição que nem sei se linhas terá. Contudo como pedem seus apoiadores. Suicidas!

Tarcísio ganhou em São Paulo porque o Haddad está cansado e ele, Tarcísio, vendeu sonhos e hipnotizou incautos.

Creio que desde o Regente Feijó, em verdade, um Presidente na Monarquia, o espírito constitucionalista de 1842 e de 1932 vão baixar e ajeitar o Brasil. Porque a grande batalha vai ser em terras de Piratininga e no Rio Grande do Sul, que nossos avós chamavam apenas por Rio Grande. Interessante! A Democracia se vencer em São Paulo e no Rio Grande. Mais uma vez!

De fato, votei no Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Votei para colocá-lo na presidência porque ele fez a maior inclusão social da História brasileira. Botou o pobre para comer. No auge da popularidade dele, em que esse pau de arara poderia fazer da Constituição gato e sapato, para se reeleger eternamente, Lula foi para casa e botou Dilma lá, passando a faixa. O cara pode usar salto alto, como nunca dantes neste país, mas não tem vocação para ditador. Acredito!

Também Lula não tem ambições monárquicas – já que Bolsonaro se cerca por alguns Órleans e Bragança – para fazer com seus filhos, sua própria dinastia, contudo.

De qualquer forma, parabéns! Cumprimento os de Bolsonaro que se elegeram. Merecem ser cumprimentados. Afinal, já dizia Machado, "ao vencedor, as batatas". Mas vou continuar com Camões: "Em perigos e guerras esforçados. Mais do que permitia a força humana."

Ah, Presidente! Tem o comunismo. Explique para sua grei que ele não existe mais, no mínimo como regime econômico. Na China os plutocratas racham-se de ganhar dinheiro e o povo parece ter de comer, não apelando mais para a antropofagia, que foi a carne da Revolução Cultural. Assim toleram a ditadura do Politiburo chinês que deturpa o Centralismo Democrática da constitucionalidade comunista. O comunismo como temem as elites econômicas brasileiras, não existe. 

Salvo em Cuba, que é um caso a parte por ter sido colônia dos americanos, um outro trauma nacional. Entretanto se não os convencer disto, diga que se Lula for Presidente, sua maioria parlamentar inusitada (meus parabéns!) não deixará que se cubra o Brasil por bandeiras vermelhas. Afinal, Lula ao falar depois das eleições, tinha ao fundo "o auriverde pendão de minha Terra". Como cantou Castro Alves.

Bem! Mas pode deixar o Lula ganhar! Porque não é bom que todo poder esteja em mãos de um só homem. O senhor diz que ama o Brasil! Já tem o Congresso em mãos. Ter também a Presidência? Na vida é preciso ter contraditório. Quem dirá em um país?

Sinceramente oro para que o Senhor seja feliz, o Poder absoluto pode mesmo ser um saco. O senhor terá as mordomias de ex presidente; a aposentadoria de Capitão, a de Deputado igualmente [Veja, como tudo mudou. [Montoro era criticado por ter três aposentadorias, o Senhor, não! E tem mais!]

Poupe-se, Presidente! Com o Senado nas mãos o Senhor pode mandar um Ministro do STF, para casa. Já há emenda constitucional 275, no Congresso. Vai elevar para quinze o número de Ministros do STF. É verdade que nomeados pelo Senado, segundo ela.

Mas o Senhor vai ter muitos senadores e por exemplo, Rosa Weber e Levandowisky, de 1948, o ano que vem vão embora.  Mas quantos mais, o Senhor vai poder nomear, na Presidência? Espero que os paulistas que lhe deram admirável vitória reflitam melhor. Para que tanto poder?

Vamos esquecer um pouco de Carl Schimitt – Hein folk, hein reich, hein fuhrer! -  a Democracia plural é a essência da Civilização.

AVE CESAR! MORITURI SALUANT TE!

Obrigado, Bolsonaro!  

*LUIZ ANTÔNIO SAMPAIO GOUVEIA 




 







-Advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP (Arcadas) (1973);

-Mestre em Direito Público (Constitucional) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;

- Especialista pela FGV, em Finanças (EAESP) e Crimes Econômicos (GVlaw);

-Orador Oficial e Conselheiro do Instituto dos Advogados da São Paulo e

 -CEO de Sampaio Gouveia Advogados.

Nota do Editor:

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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

“Velho da Lancha” ou o “Cabeça Branca” e o Direito de Família


Autora: Sara Ferreira(*)

Este artigo jurídico se assemelha muito, pelo título, a opiniões descritas nas redes sociais como chamariz de leitores, porém trata-se de um assunto sério, uma vez que as relações patrimoniais acompanham às sentimentais e podem atingir à esfera do Direito de Família. Existe um vasto repertório musical, na voz de cantores como Tierry e Kalli & Kawe, que trata de relacionamento de mulheres jovens com homens muito mais velhos e financeiramente bem-sucedidos.

Muitas dúvidas surgem acerca desse tipo de relacionamento que, por conta da idade do cônjuge, pode sofrer imposições diferenciadas. Com base nesses eventos narrados em letras musicais, será realizada uma breve análise sobre tal situação no mundo dos fatos.

Primeiramente, é preciso mencionar que o Código Civil, em seu artigo 1.641, inciso II, não permite escolha do regime de bens por parte de pessoas maiores de 70 anos, uma vez que estas se casarão obrigatoriamente em regime de separação de bens. O Superior Tribunal de Justiça entende que tal disposição também se aplica à união estável (STJ, REsp 1.689.152, Rel. Min. Luis Salomão, 4ª T, DJe 22/11/2017).

Tal disposição é bastante debatida, uma vez que pode ser considerada uma afronta à igualdade formal e material. Conforme demonstra Knaack (2007), doutrinadores consideram este instituto muito discriminatório, uma vez que desconsidera a crescente longevidade da população humana e torna mais difícil a manutenção da independência sexual e emocional.

No regime da separação obrigatória de bens, que também pode ser chamada de separação legal de bens, os bens não se comunicam, ou seja, cada cônjuge terá propriedade exclusiva sobre os bens que já possuíam antes do casamento, sem efetuar a divisão deles em caso de separação. Com a Súmula 377 do STF, aqueles adquiridos de forma onerosa na constância o casamento ou da união estável se comunicam. Porém, é necessário demonstrar o esforço mútuo na aquisição.

Nesses termos, o casal pode lavrar um pacto antenupcial por meio de escritura pública. Não será possível escolher outro regime, mas é possível afastar a aplicação sumular e proteger de forma mais incisiva o enlace, estabelecendo que nenhuma comunicação de bens poderá ocorrer, nem mesmo durante a vigência do matrimônio. Por se tratar de um contrato, é necessário que ambos estejam de acordo por meio de vontade livre, espontânea e esclarecida REsp 1922347/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 01/02/2022).

Acima, foi descrita uma situação de divorcio ou dissolução de união estável. Os casos de morte serão descritos a partir de agora.

Considerando a existência e aplicação da Súmula 377 do STF, os bens particulares do falecido não se comunicarão, restando ao cônjuge sobrevivente a parte que lhe cabe dos bens adquiridos na constância do casamento, ou seja, à meação. O contrato antenupcial não pode figurar como uma renúncia antecipada da herança gerando eficácia póstuma (STJ – REsp nº 1.472.945, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, T3, J. 23/10/2014)

Bibliografia

KNAACK, Joana Darca Malheiros. Imposição do regime da separação obrigatória de Bens no Casamento do maior de sessenta anos de idade. Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Disponível

*SARA BRÍGIDA FARIAS FERREIRA

















- Bacharela em Direito, com habilitação em Relações Sociais, pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2015);

- Pós-graduada em Direito de Família pela Universidade Cândido Mendes – UCAM (2017);

- Pós-graduada em Formação em Educação à Distância pela Universidade Paulista - UNIP (2019);

- Pós-graduada em Direito do Consumidor pela LEGALE EDUCACIONAL (2021);

- Pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado pela LEGALE EDUCACIONAL (2021);

- Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (PPGPAM), pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) (2021);

- Mestranda do Programa de Pós-graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação, ofertado pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA;

- Advogada inscrita na OAB-PA nº 29.463 e

- Professora de Direito da Faculdade Anhanguera de Marabá - PA.


Nota do Editor:

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quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Reduflação a inflação da menor quantidade


 Autor: Ellcio Dias dos Santos(*)


Na sua literalidade, a palavra inflação contempla um processo sistemático de aumento, contínuo ou esporádico dos preços, com consequente desvalorização do dinheiro e a redução do poder aquisitivo do consumidor que agora parece longe de dar uma trégua.

Não bastasse o entrave econômico que provoca a inflação, poderia ainda existir sua "coirmã"? Infelizmente, a resposta é sim.

Atualmente, não é raro encontrarmos na gôndola do supermercado produtos tradicionais de outrora que agora apresentam-se com embalagens menores e/ou em quantidade inferior. De fato, a "coirmã" da inflação existe; sendo conhecida como reduflação.

Em apertada síntese, reduflação é a junção do processo de diminuição do produto atrelado à inflação ou não, prática comercial conhecida internacionalmente como "shrinkflation". Enfim, o consumidor não tem um dia se quer de nirvana!

Ainda que a reduflação não caracterize uma ilicitude, a meu sentir, a falta de informação clara manifesta uma aparente deslealdade para com o consumidor, principalmente o abstraído.

Nessa senda, a Portaria nº. 392, de 29 de setembro de 2021, dispõe sobre a obrigatoriedade da informação ao consumidor em relação ao processo de alteração quantitativa de produtos embalados e postos à venda.

O art. 2º da aludida Portaria traz o ditame específico para o fornecedor obrigando-o a declarar, na rotulagem do produto, posto à venda, as devidas informações, caso seja alterado, vejamos:

Art. 2º Fica o fornecedor obrigado a declarar, na rotulagem de produto embalado posto à venda, em caso de alteração quantitativa:
I -a ocorrência de alteração quantitativa promovida no produto;
II - a quantidade de produto existente na embalagem antes da alteração;

III - a quantidade de produto existente na embalagem depois da alteração; e

IV - a quantidade de produto aumentada ou diminuída, em termos absolutos e percentuais. (grifos nossos)
De mais a mais, o art. 3º do mesmo dispositivo legal apresenta ainda, as minuciosidades, em comprimento aos ditames constantes no art. 2º da mesma Portaria, reparemos:

Art. 3º A declaração exigida no caput do art. 2º desta Portaria deve ser aposta no painel principal do rótulo da embalagem modificada, em local de fácil visualização, com caracteres legíveis e que atendam aos seguintes requisitos de formatação:

I - caixa alta;
II - negrito;
III - cor contrastante com o fundo do rótulo; e
IV - altura mínima de 2mm (dois milímetros), exceto para as embalagens com área de painel principal igual ou inferior a 100 cm² (cem centímetros quadrados), cuja altura mínima dos caracteres é de 1mm (um milímetro).
§ 1º É vedada a aposição das informações em locais encobertos e de difícil visualização como as áreas de selagem e de torção.
§ 2º Caso não exista espaço suficiente para a declaração em uma única superfície contínua da embalagem, o fornecedor poderá informar, apenas, a ocorrência da alteração da quantidade do produto.

§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, a informação completa poderá ser declarada em embalagem secundária, se houver. (grifos nossos)

Isto posto, os órgãos que realizam a defesa e proteção do consumidor no Brasil têm registrado reclamações, de parte dos consumidores, que não estão recebendo informações claras acerca dessa “prática comercial”, numa flagrantemente violação aos direitos básicos do consumidor.

A Lei nº 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor, dispõe no seu art. 6º os diretos básicos do consumidor, dentre eles o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, bem como a correta quantidade:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

II - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. (grifos nossos)
Isto posto, em que pese o arcabouço legal disponível à defesa dos consumidores, em face dessa prática comercial, mesmo assim cabe o advertido, para que não sejamos vítimas de práticas comerciais abusivas, ainda que aparentem legalidade.

REFERENCIAL

BRASIL. Portaria nº 392, de 29 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-392-de-29-de-setembro-de-2021-349267216. Acesso em: 14/09/2022.

BRASIL. Lei nº. 8.078/1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 21/09/2022.

ARTIGO. Mariana Amaro. Dúzia de dez? Entenda o que é a ‘reduflação’, a redução de quantidade ou qualidade dos produtos. 
Acesso em: 14/09/2022.

* ELLCIO DIAS DOS SANTOS














-Advogado graduado pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC, Luziânia/GO (2013); 
 -Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Universidade Cândido Mendes (2004); 
-Graduado em Ciências com habilitação em Matemática, São Luis/MA pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; e
- Servidor Público Federal.
-Mora em Brasília/DF.

Nota do Editor:

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terça-feira, 4 de outubro de 2022

A Atividade Legiferante do Judiciário e o risco à Segurança Jurídica


Autor: Rogério Pietroski (*)

O artigo a seguir é uma análise do seguinte caso: Destaque da Revisão da Vida Toda.

Está esculpido no artigo 3º da Constituição da República de 1988 que os Poderes são independentes e harmônicos entre si. A cada qual compete o exercício do seu múnus público, qual seja, do Judiciário é julgar, do Legislativo é criar as leis e do Executivo, por suposto, é aplicar as leis e as decisões judiciárias. Isso se chama atividade típica dos Poderes. Contudo, nada impede que esses, nos limites de sua competência, possam invadir a esfera do outro Poder a fim de dar celeridade a questões administrativas.

Há casos em que Poder Executivo, em hipótese de relevância e de urgência, segundo disciplina dada pelo artigo 62 da CF/88, ultrapassa a fronteira da execução em direção à atividade de legislar, como se verifica pelo instituto da Medida Provisória. Assim acontece com outros Poderes. Conforme previsto pelo artigo 58, caput e §3º da CF/88, o Congresso Nacional e suas Casas poderão criar comissões permanentes e temporárias com poderes típicos de autoridades judiciárias. Isso de modo algum ofende a harmonia e a separação dos poderes, haja vista que uma perspectiva rígida sobre a atividade típica dos Poderes criaria barreiras burocráticas e ineficientes para a gestão pública.

Entretanto o direito é uma balança com sistema de freios e de contrapesos[1] - Checks and Balances. Um peso não pode se sobrepor ao outro, sob pena de ofender a harmonia, o equilíbrio. Com relação a isso, cabe discorrer de forma crítica ao denominado ativismo judicial[2], fenômeno esse que tem se revelado, em certa medida, como uma verdade ditadura do Poder Judiciário. Cumpre esclarecer que a importância da atividade atípica dos Poderes para a harmonia dos mesmos, no entanto, de sobremaneira acerca do Poder Judiciário, não pode incorrer em risco à segurança jurídica.

Recentemente tivemos o julgamento da Revisão da Vida Toda, Tema 1102 do STF, uma ação previdenciária que, no mérito, discute a inclusão das Contribuições Previdenciárias anteriores a julho de 1994 no Período Básico de Cálculo. Em algumas situações há aumento substancial na apuração da nova Renda Mensal Inicial (valor do benefício previdenciário). Em síntese, com a edição da lei 9.876/99, no seu artigo 3º, criou-se uma regra de transição para o artigo 29, II, da lei 8.213/91, o qual em sua redação original previa que o salário benefício (a média das contribuições) consideraria todo período contributivo.
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) (grifo nosso)
Como mencionado, o artigo 3º da lei 9.876/99 introduziu uma regra de transição[3], cujo teor limitava o termo inicial do período contributivo, isto é, o conceito "todo o período contributivo" seria restringido, tendo o início a partir de julho de 1994.
Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei. (grifo nosso)
Quando o legislador cria uma regra de transição, tem-se por objetivo amenizar o rigor de uma alteração legal. No caso em tela, o artigo 29, II, da lei 8.213/91 modificou radicalmente o modelo de planejamento previdenciário dos segurados. Anteriormente a média das contribuições se dava com base nas últimas 36 contribuições previdenciárias. Dessa forma, o segurado não ficaria por demais prejudicado, pois tendo como padrão, segundo o espírito da lei anterior, contribuir com baixos valores antes das últimas 36 contribuições, teria uma redução significativa de seu benefício, haja vista a diluição dos valores maiores com os menores.

Ocorre que a famigerada "regra de transição" não contemplou uma parcela diminuta da sociedade. Como diríamos para situações excepcionais: a exceção da exceção. Assim se veja, ao longo da vida laboral do segurado, o comum é que o trabalhador inicie sua carreira profissional com uma remuneração baixa, consequentemente, com contribuições previdenciárias menores, e, à medida que ascendesse profissionalmente, passaria a lograr maiores valores, vertendo maiores contribuições. Todavia, para toda regra há uma exceção.

Diferentemente do que incide com a maioria esmagadora dos trabalhadores, há aqueles que, em seu primeiro emprego, iniciam contribuindo para previdência com valores maiores do que ao final de sua vida laboral. Parece contraditório, mas acontece! E existe uma explicação razoável para alguns casos.

Por exemplo, o empregado público do Banco do Brasil que, ao ser aprovado em processo seletivo, geralmente, inicia ganhando mais do que o empregado da iniciativa privada. Cumpre esclarecer que, especificamente, com relação ao Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e outras instituições públicas com vínculo pela CLT, sobressai um fenômeno interessantíssimo do ponto de vista da Revisão da Vida Toda e que ilustra alguns casos excepcionais.

Para isso, requer-se vênia pela digressão de alguns fatos históricos de relevância econômica, porém necessários para entender a problemática que envolve a redução progressiva das contribuições previdenciárias de um segurado. Nesse sentido, passa-se a discorrer.

Com a reforma econômica de 1994, que introduziu o Real como uma nova moeda para combater a inflação descontrolada, algumas empresas, inclusive as públicas, cujo capital, em boa parte, tinha lastro em Dólar, sofreram com reestruturações para garantir a própria sobrevivência, pois a moeda nacional, por um período, era mais forte do que a estrangeira. Nesse interregno de reestruturações, impôs-se aos empregados os denominados PDV’s (Programas de Demissão Voluntária), os quais tinham por objetivo enxugar o quadro de funcionários e, por conseguinte, diminuir gastos. Observe que esses PDV’s estão inseridos dentro das Reformas Previdenciárias das leis 8.213 de 1991 e 9.876 de 1999, as quais, como descrito anteriormente, alteram radicalmente a forma de planejamento previdenciário dos segurados.

Em grande parte, o trabalhador que "optava" pelo PDV, dificilmente, teria êxito em ingressar no mercado de trabalho, vertendo as mesmas contribuições previdenciárias. Na prática o segurado se submetia a um emprego com contribuições previdenciárias menores ou, ainda, passava para a informalidade, na qualidade de contribuinte individual, recolhendo pelo mínimo. Como consequência disso, o benefício previdenciário teria grave prejuízo, ao ponto de, em casos extremos, o trabalhador, que recolhia para previdência com remunerações acima de 10 salários mínimos, ter limitado sua aposentadoria a um salário mínimo. Isso é estarrecedor.

Feito as considerações sobre o contexto em que se levanta a tese da Revisão da Vida Toda, convém avançar sobre a questão de como o Poder Judiciário, enquanto legislador, exercendo sua atividade atípica, provoca insegurança jurídica.

A polêmica que envolve a Revisão da Vida Toda, sob o Tema 1102 no STF, já se arrasta há algum tempo no Poder Judiciário. Discute-se muito sobre o impacto econômico que essa ação previdenciária causará ao erário público. A Advocacia Geral da União, enquanto defensora do INSS, investe em sua única tese capaz de persuadir os Ministros do STF, qual seja, o prejuízo bilionário para a parte Ré.

Sem qualquer respaldo na realidade dos fatos, desprovido de um laudo técnico sério, o INSS inova nos valores da condenação. Ignorando fatores como decadência, prescrição, ação de exceção, desinteresse do detentor do direito, apresenta, de maneira irresponsável, para não dizer fraudulenta, em clara litigância de má-fé, dados inflados, os quais aumentam progressivamente, de modo proporcional ao seu desespero. No processo argumenta que o impacto será R$ 46 bilhões. Depois, não satisfeita, em março de 2022, divulga para mídia que o impacto será de R$ 360 bilhões. Ultimamente, em um caso clássico de mitomania, informa que será de R$ 480 bilhões. Enfim, por mais que esses valores demasiadamente inflacionados, cujo teor se reputa totalmente inverídico, fossem reais, a alegação econômica não deve prosperar, uma vez que em nada corresponde ao direito em si. Reflexos econômicos não podem influenciar a matéria de direito, sob o risco de legitimar o estelionato institucional, haja vista que as contribuições anteriores a julho de 1994 foram recolhidas pelo INSS.

Infelizmente, no que se refere aos valores de condenação apresentados pelo INSS, a presunção relativa de veracidade, atribuída ao Poder Público, parece influenciar, em certa medida, alguns Ministros do STF, como se verá na sequência.

Com o advento trágico da Pandemia do Covid-19, alterando drasticamente a rotina da humanidade, trazendo o risco de contágio pelo contato físico, o padrão de trabalho, tido como tradicional, precisou-se reinventar. As atividades laborais que podiam ser realizadas à distância, sem prejuízo, foram adaptadas para o modelo virtual. Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal também aderiu ao trabalho remoto. Criou-se, então, o que foi nomeado Plenário Virtual, a fim de atender as demandas judicias nesse cenário singular de crise sanitária.

Nesse contexto de Plenário Virtual foi pautado o Tema 1102 pelo então Relator Ministro Marcos Aurélio. Gerou-se grande expectativa sobre esse julgamento. Nada era tido como certo. Tanto a parte autora quanto a ré não tinham garantia do desfecho. Nesse ambiente de ansiedade, sobreveio o voto do Ministro Relator de modo favorável à Revisão da Vida Toda.

É importante esclarecer que a sistemática do Plenário Virtual não permitia, de fato, o debate entre os Ministros do STF. Assim, conforme decidiam sobre a tese, os mesmos depositavam virtualmente os seus votos. Em seguida, os demais teriam acesso ao voto e podiam deliberar, seja apresentado, de forma impressa, o seu voto ou, simplesmente, acompanhado o voto apresentado.

O Ministro Relator foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moares. Em contrapartida, divergiu do voto do Relator, o Ministro Nunes Marques, sendo acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Roberto Barroso. Depois da apresentação de todos os votos, faltando 29 minutos para o trânsito em julgado da Revisão Toda, estranhamente, o Ministro Nunes Marques, já tendo se convencido e entregue seu voto divergente de forma impressa há mais de um ano, requer o Pedido de Destaque, nos termos do artigo 4º da Resolução 642 do STF.

Art. 4º Não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de destaque feito: (redação, incluindo incisos e parágrafos, dada pela Resolução nº 669, de 19 de março de 2020, publicada no DJe nº 67, Edição Extra, em 20 de março de 2020)

I - por qualquer ministro; (grifo nosso)

II - por qualquer das partes, desde que requerido até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão e deferido pelo relator;

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o relator retirará o processo da pauta de julgamentos eletrônicos e o encaminhará ao órgão colegiado competente para julgamento presencial, com publicação de nova pauta.

§ 2º Nos casos de destaques, previstos neste artigo, o julgamento será reiniciado. (grifo nosso)
Em linhas gerais, o Pedido de Destaque tem o condão de reiniciar o julgamento, quando o autor do pedido tiver dúvida quanto ao seu próprio voto. Não se trata, de forma alguma, de um artificio covarde para manipular a decisão do colegiado. Frisa-se que, no momento do Pedido de Destaque, o Ministro Marcos Aurélio já havia se aposentado. Em seu lugar, fora nomeado o Ministro André Mendonça, curiosamente chefe da Advocacia Geral da União. Ao ser reiniciado o presente julgamento, como previso pelo §2º do artigo 4º da referida Resolução 642, o voto do Ministro aposentado seria integralmente desconsiderado, abrindo, com isso, a possibilidade de reversão do julgamento.

Ora, na faculdade de Direito, um dos primeiros conceitos que se aprende é sobre a hierarquia das normas. Essa hierarquia normalmente é representada por uma pirâmide, sendo que no topo está a Constituição Federal. Abaixo estão as Emendas Constitucionais, seguidas dos Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos. Ainda, nessa ordem decrescente, tem-se as Leis Complementares e Leis Ordinárias. Giza-se que o Código de Processo Civil é enquadrado como uma Lei Ordinária. Depois, observa-se as Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos Legislativos e por fim, quase na base da pirâmide, as resoluções.


A partir da exposição acima, fica evidente que o Código de Processo Civil é hierarquicamente superior as Resoluções, incluindo as do STF. Pois bem, veja a disciplina do artigo 941, Caput e §1º do CPC.
Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

§ 1º O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído. (grifo nosso)
Nessa toada do artigo 941 do CPC, o voto do ministro aposentado, ainda que do STF e sob a égide da Resolução 642 do STF, deve ser preservado e se, eventualmente, houvesse reinicio do julgamento, não poderia ser descartado. Em que pese a manutenção do voto ministro aposentado já estar pacificada pelo recente entendimento, por ocasião de questão de ordem, sustentado no plenário do STF, ficou claro que, para alguns ministros, a saber, Cássio Nunes e, em especial, André Mendonça, haja vista seu desconforto pela impossibilidade de votar em alguns casos, que a Resolução do STF está acima do Código de Processo Civil. Ou os referidos Ministros desconhecem a hierarquia das normas ou há forças misteriosas trabalhando nos bastidores. Sejamos francos, é flagrante a interferência política no processo da Revisão da Vida Toda.

Pois bem. Antes de proferir seu voto, é oportuno mencionar que o Ministro Alexandre de Moraes foi o último a votar, após um pedido de vista para melhor conhecer do caso. Entre o pedido de vista e a entrega desse, passou-se aproximadamente 10 meses. Esse dado é de extrema relevância para entender o que virá a seguir e que se mostrará como ofensa grave à Separação dos Poderes e à Segurança Jurídica.

Para se entender a crítica sobre o tratamento dado no julgamento da Revisão da Vida Toda, é necessário compreender, ainda que de forma introdutória, os métodos de integração normativa e superação do conflito aparente de normas. Veja a disciplina do artigo 4º, do Decreto-Lei 4657/42, que diz:
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
A Resolução 642 do STF é alvo de severas críticas por dar margem a interpretações que distorcem garantias legais e constitucionais. Acerca disso, tem-se o artigo 4º, I, dessa Resolução que permite o Pedido de Destaque após a apresentação de todos os votos, ofendendo a decisão soberana do colegiado. Um bom julgador, apesar dessa lacuna, com base em outro artigo 4º, mas agora do Decreto-Lei 4657 de 1.942, utilizaria a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito para decidir. Em se tratando de analogia, faria referência à Constituição Federal e ao CPC. Já quanto aos princípios gerais do direito, destaca-se o Princípio da Separação dos Poderes e da Segurança Jurídica.

É compreensível, dado o contexto singular da crise sanitária, mencionada anteriormente, que a redação da Resolução 642 do STF tivesse lacunas. É fato que não houve tempo hábil para redigir um texto sólido e que mensurasse os efeitos a longo prazo de suas normas. Contudo, é inadmissível o uso das "brechas" normativas com a intenção de manipular decisões judiciais, violando outro princípio, agora o do Juiz Imparcial.

Por derradeiro é saudável para a separação dos Poderes e a harmonia entre esses que interesses políticos de determinado Poder não interfiram na independência do outro, sob pena de colocar em risco o Estado Democrático de Direito. As investidas políticas para criar quase que tribunais de exceção para julgar determinadas demandas viola o Espírito Constitucional. Ainda não se teve o fim do julgamento da Revisão da Vida Toda, mas é certo que o tratamento que será dado a essa ação modificará sensivelmente a compreensão de segurança jurídica, por meio da criação de perigoso precedente. Vamos aguardar!!!

REFERÊNCIAS

[1] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, p. 176. 2005;

[2] BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil Contemporâneo. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo. As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm. 2011, p. 232-233;
RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 105-110;BARROS, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado, n 13, 2009;

[3] MEDINA, Damares . Regras de transição em matéria previdenciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19 , n. 4006, 20 jun. 2014 . Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29171. Acesso em: 1 out. 2022; e

das-normas/. Acesso em 01/10/2022 às 15:00.

*ROGÉRIO BURKOTY PIETROSKI






















Graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional, UNINTER, Curitiba, PR, Brasil (2015);

-Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUC/PR, Curitiba, PR, Brasil(2004);

-Especialização em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, EMAP, Curitiba, PR, Brasil(2016)

-Especialização em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do

-Coordenador do Núcleo Previdenciário do Escritório Jardim Pietroski Advocacia

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