@ Herança Digital
Muito se fala em herança de imóveis, em herança de dinheiro, em herança de todo o tipo de coisas materiais tangíveis e palpáveis, mas hoje o mundo e a economia não se restringem a isso.
Com um mundo cada vez mais conectado e com a internet presente na vida de todos, o metaverso parece ter vindo para ficar, assim como diversos bens digitais que são absolutamente imateriais e intangíveis, mas com valor econômico a ser considerado.
Me refiro desde bibliotecas de livros digitais no kindle (aqueles armazenados na Amazon), por exemplo, até milhas aéreas, criptomoedas, etc. Sem contar os tantos perfis em redes sociais que monetizam as suas contas com divulgação de produtos e serviços, além de infoprodutos vendendo a todo o tempo.
Como fica a herança desses bens digitais?
Não temos ainda legislação que abarque tais questões, mas urge que tenhamos já que essa evolução e essa nova realidade veio para ficar.
Os doutrinadores são bastante divergentes quanto a esse tipo de herança, mas a maior parte deles defende a ideia de que os bens sem cunho patrimonial como emails, conversas de whatsapp, acervo de fotos em nuvens, contas em redes sociais (sem exploração econômica).....não devem ser partilhados por constituírem questões da vida privada do falecido e que sua privacidade deve ser preservada, exceto que ele tenha feito alguma disposição em sentido contrário e de forma expressa em testamento.
Esses bens são considerados bens digitais personalíssimos e sem nenhum conteúdo econômico.
Principalmente depois da redação do artigo 5º da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), nº13.709/2018, que prevê "informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;" e "dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural...", é necessário bastante cautela em relação à privacidade das pessoas, mesmo depois da sua morte.
Já em relação aos bens digitais de caráter patrimonial e econômico, como as criptomoedas, as bibliotecas virtuais, as milhas aéreas.....a doutrina majoritária entende que pode e deve ser partilhada aos herdeiros. Nesse sentido, aliás, é o teor do Enunciado nº 687 CJF: "O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo".
Entretanto, ainda que tenhamos essa definição superficial dos bens digitais (personalíssimos ou de valor econômico) a grande verdade é que inexiste legislação pertinente, o que deixa um vácuo para os operadores do direito.
E não têm sido raros os casos apresentados aos Tribunais para dirimir controvérsias sobre o assunto.
Em recente decisão da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou uma decisão de 1º grau que havia indeferido o pedido de uma mãe de acesso aos e-mails e demais mensagens do filho. O apelo da mãe era o interesse em elucidar a morte precoce e não explicada do filho. O Tribunal entendeu que deveria prevalecer o legítimo interesse da apelante em buscar elucidar as circunstâncias do falecimento de seu filho, bem como sua suspeita particular de suicídio e que, esse interesse teria mais relevância, no caso concreto, que o risco à violação da privacidade do de cujus ou de terceiros. APELAÇÃO Nº: 1123920-82.2023.8.26.0100.
A 3ª Câmara também do Tribunal de Justiça de São Paulo também concedeu a uma mãe o direito ao acervo digital da filha falecida com o desbloqueio de seu celular. Para o relator do caso, não se vislumbrava violação a eventual direito de personalidade da de cujus no contexto dos autos. APELAÇÃO Nº 1017379-58.2022.8.26.0068.
Já em sentido contrário, entretanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Agravo de Instrumento de nº 1.0000.24.174340-0/001 negou o pedido de um espólio para acesso ao acervo da conta Apple do falecido, onde constaria o seu acervo fotográfico, sob o argumento de que se tratava de conteúdo personalíssimo, e se o falecido quisesse, o teria compartilhado em vida.
Na ausência de legislação específica, plataformas como o Facebook e o Instagram adotam políticas internas que permitem ao usuário, em vida, decidir sobre o destino de seu perfil em caso de falecimento. No caso do Facebook, é possível nomear um “contato herdeiro”, que poderá realizar ações limitadas na conta memorial, como fixar publicações e atualizar fotos de perfil, sem acesso ao conteúdo privado. Já o Instagram possibilita apenas a transformação da conta em memorial, mediante comprovação da morte, não permitindo sua administração por terceiros. Ambas as plataformas respeitam a vontade expressa do usuário, mas, na ausência dessa manifestação, o acesso por familiares ou herdeiros dependerá de autorização judicial.
É de suma importância, portanto, que a nossa legislação se adeque a essa nova realidade, mas enquanto isso não acontece, o ideal é que, havendo interesse, as pessoas se valham de testamentos e codicilos para determinar o futuro de seu patrimônio digital, seja ele meramente personalíssimo ou econômico.
DENISE MOYSES TUSATO
-Graduada pela PUC/SP (1993);
-Especializada em Direito de
Família CEU – Centro de Extensão Universitária(1998);
-Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões – Faculdade Legale (2017);
-Pós Graduação em Direito
Sistêmico pela EPD(2024):
- Mediadora certificada pelo CNJ
- Advogada Civilista, atuante na área de Família e Sucessões, nacional e internacional.
Instagram: @dra.denisetusato
Nota do Editor:
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