Embora nas Doutrinas Filosóficas, propriamente ditas, não seja apresentado um corpo de doutrina criminológica, é possível extrair de seus estudos profundos sobre o ser humano, as deduções e consequências ampliadas a outros campos do Conhecimento, tais como, a Antropologia Física, Social e Cultural, a Sociologia, o Direito e a Criminologia. Importante considerar que, do ponto de vista das Escolas Penais, o estudo da personalidade humana, interessa, profundamente, ao problema criminal.
A Criminologia é a Ciência que se ocupa das Teorias do Direito Criminal. O estudo da Criminologia não se restringe unicamente a estudar o crime em suas várias modalidades ou simplesmente, a pessoa do criminoso em seus variados tipos. A Ciência Criminal objetiva também coordenar medidas, quais sejam, as repressivas e as corretivas que visam a punição e a reforma do delinquente, assim como, as medidas preventivas e as defensivas que visam a salvaguarda e a proteção da sociedade, e a garantia de direito, de liberdade, de segurança, que devem ser concedidas por autoridade ou instituição a um indivíduo, a uma coletividade, a um estatuto.
Nesta sistemática, o complexo de preceitos legais que definem os crimes e determinam as penas e medidas de segurança aplicáveis aos delinquentes, denomina-se Direito Penal.
Numa visão panorâmica do estudo da Criminalidade em todos os tempos da Civilização, é de observar-se que ela está presente desde remotas eras, tanto na Gênese Bíblica; quanto na Mitologia ancestral da Índia e do Egito antigo e, inclusive, nos fundamentos da História Ocidental.
A narrativa no Livro do Gênese (22) , apresenta a saga de “Adão”, o ser considerado o protótipo da Raça Hebreia porque seria a geratriz desta raça forte e homogênea, que personifica, portanto, a Humanidade. E o “pecado” por ele cometido ao comer o ‘fruto proibido’, ‘fruto’ este, que simboliza os desejos materiais, a alegoria da cobiça e da concupiscência, consequentemente, o seu arrastamento ao mal, veio demonstrar que, ao sucumbir à tentação, a falta cometida por ele, individualiza a fraqueza da criatura que não sabe resistir à predominância, em si, dos instintos materiais.
Da hereditariedade de Adão, Caim, o lavrador, assassina seu irmão, Abel, o pastor de ovelhas, ficando registrado que o primeiro fratricídio da história, se deveu à extrema irritação de Caim, por inveja, orgulho ferido e baixa estima de si mesmo, que, deixando-o cego para a realidade, entendeu que o Senhor Deus, agradou-se muito mais das oblações de Abel, preterindo as suas.
O Maha-Bharata, um épico clássico da Índia, numa narrativa simbólica dos bravos guerreiros da mitologia hindu, conta que Arjuna, após ter seu reino usurpado, assassina Karna, para descobrir, tardiamente, que seu destemido inimigo era, em verdade, seu irmão uterino.
Na Mitologia Romana, os gêmeos, Rômulo e Remo, sobreviventes após terem sido atirados dentro de um cestinho no Rio Tibre, foram amamentados por uma loba e, algum tempo depois, foram encontrados e criados por pastores que lhes ensinaram a prática da caça, a corrida e, o mal feito de saquear as caravanas que passavam por sua região. Numa daquelas empreitadas, Remo é capturado e preso. Para libertar seu irmão, Rômulo assassina um seu inimigo, após o que, os gêmeos decidem partir e fundar uma nova cidade. Porém, os irmãos, instigados pela turba impiedosa, face aos desentendimentos e em desagravo de suas ideologias, uma vez que, Rômulo desejava fundar Roma no Palatino, enquanto Remo, desejava fundar Remora sobre o Aventino, ocorreu que, Rômulo, tomado de fúria, assassina seu irmão Remo que foi sepultado ao sul do Aventino, na região, hoje conhecida como Remúria ou Lemúria, onde celebra-se a 9 de maio a festa em sua homenagem. Rômulo ainda reinou sobre Roma por 38 anos e, numa das versões sobre sua morte, especula-se que tenha sido assassinado por ordem do Senado Romano.
A Mitologia do Egito antigo, narra o homicídio de Osíris praticado por seu próprio irmão Seth. Uma narrativa trágica, movida pela inveja, pela cobiça, pela sanha de poder e pela traição. Osíris era um deus relacionado à vegetação e à Vida no Além, tendo sido venerado e muito popular até a Era Greco-Romana, quando o Egito perde sua independência política.
Todas estas lições da Ancestralidade filosófica, religiosa, sociológica, política, antropológica e criminológica, indicam o tumulto íntimo sobre o qual se debatem as criaturas desequilibrando o comportamento humano e gerando a criminalidade cujos fenômenos são inerentes às relações humanas. (1) (10) (18) (19) (20) (24)
Hoje como outrora, os escândalos, atos condenáveis por suas consequências funestas, se sucedem, causando, a princípio, grande impacto, constrangimentos e repulsa ao crime, fato típico e culpável. Porém, como os acontecimentos criminosos que suscitam a reação organizada da sociedade são incessantes, e, o mais recente é, algumas vezes, mais escabroso que o anterior, aquela impressão perturbadora de início, a que foi causada pelo fato primeiro, tende a esvanecer e o ‘escândalo’ toma ares de ‘comum’ ou ‘normal’ entre as criaturas que desenvolvem, quiçá, por defesa, a ausência de virtude com a omissão, a indiferença ou a conivência perante o fenômeno criminológico.
Dia após dia, à Nação brasileira, tem sido apresentado o noticiário que desvenda, ao lado dos crimes que atentam contra a vida, o véu escabroso da corrupção que se opõe ao decoro e à decência, ao mesmo tempo em que descortina para nossa organização política, social e humana a estarrecedora visão que confronta aqueles ideais acalentados pelos sistemas democráticos desde a Revolução Francesa de 1789 – “Liberté, Egalité, Fraternité” - ante o comportamento esdrúxulo de alguns grupos cuja identidade é facilmente perceptível pelo egoísmo, pelo narcisismo, pelo individualismo, pela ganância de poder a qualquer preço, pelo desrespeito às Leis, pelos interesses pessoais de riqueza e de autopromoção deixando à margem aqueles que, realmente, poderiam e deveriam beneficiar o todo no organismo social.
Nessa vivência antropocêntrica, na qual as experiências de uma sociedade consumista e seus mesquinhos valores humanos estão voltados ao materialismo, os valores éticos e morais, vão cedendo lugar àqueloutros de natureza imediatista que avançam rumo a gravíssimas questões comportamentais quais os crimes de todos os matizes, como se a vida e a existência de um homem, um povo e uma Nação, não comportasse outros e maiores objetivos face a impermanência da existência e, a fácil desintegração do corpo físico rumo a sua morte. Também assim, ignora-se, o mais das vezes, a mutação constante exigida pelo progresso na adequação de hábitos, de costumes e culturas, de novas e melhores leis, visando a ordem, a disciplina, o dinamismo, a produtividade, a segurança e a confiança, geradores de desenvolvimento no curso do tempo para evolução individual e coletiva.
Numa Nação onde vicejam as práticas antissociais, a fraternidade, como sentido de união e cooperação; a liberdade, como a segurança de ir e vir; a igualdade, com o senso de oportunidades iguais para todos e não apenas como resultado de benefícios imediatos para uns que são mais ‘iguais’ do que outros, certamente, essa sociedade narcisista, comodista, na qual os indivíduos de qualquer patamar da pirâmide social, somente ocupam-se com os próprios interesses imediatistas, estará fadada a degenerar-se numa terrível corrupção moral e numa sofrível insensibilidade emocional, na qual, ter-se-á a dolorosa sensação de que o amor, tão decantado em prosa e verso, empobreceu, transformando-se simplesmente, em expressão de consumo através do qual, permutam-se os sentimentos e os sentidos pobremente mascarados, tendo vida apenas, enquanto vigorarem os proveitos interesseiros.
Meditando nas implicações deste panorama que se me afigura em doloridos pensares pela complexidade e extensão das questões que permeiam as ansiedades modernas e que tanto se ajustam à Sociologia apresentada pelos geniais estudos dos Teóricos da pós-modernidade quando desvelam: – “o mundo líquido onde a velocidade das mudanças econômicas, culturais e tecnológicas, resultam num mundo incerto, incontrolável e assustador, muito diverso da segurança projetada em torno de uma vida social estável, ou em torno da ordem, como pensava Sigmund Freud em seu clássico, “O Mal-Estar na Civilização” (12) ; indago de mim mesma:
– O que leva cidadãos, homens e mulheres de importância na linhagem política, social e financeira, tidos e havidos como modelos de triunfo e sucesso, a praticarem crimes hediondos de corrupção em razão de seus torpes quão abjetos, ignóbeis quão desonestos, vis compromissos ou descompromissados morais em conluio promíscuo entre os poderes, o público e o privado, sendo destarte, arrolados como criminosos vulgares ao serem desmascarados na lama sobre a qual edificam suas aparências célebres e famosas?!
– Por que desvios, comportamentos voluptuosos na corruptibilidade, se entregam ao tráfico de influências em contratos multimilionários, à traficância de drogas, de cargos públicos, à compra e venda de emendas parlamentares, ao suborno em todos os quadrantes, às negociações espúrias em torno de sentenças judiciais, expondo as chagas purulentas de seu caráter malsão, daninho e nocivo, disfarçado, tantas vezes, num sorriso largo e amistoso, em frases cheias de silogismos aparentemente válidos, porém, que supõem má-fé, falácias nunca conclusivas positivamente?!
– Por que doentia avidez, certos indivíduos, com despudor e indignidade, utilizam-se dos expedientes asquerosos do crime no afã de acumular riquezas indevidas, fortunas incalculáveis, as quais enviam aos cofres de segurança máxima dos bancos internacionais nos chamados ‘paraísos fiscais’ ao tempo em que, se veem obrigados à ‘lavagem’ do dinheiro com a aquisição de obras de arte, joias caríssimas, roupas e acessórios luxuosos de tecidos e materiais nobres, adereços de alto valor adquiridos em ambientes de grande poder econômico nos templos do consumo?!
Refletindo acerca dessa cultura comportamental doentia e sem pretender adentrar o cerne da Antropologia Criminal ou da Sociologia Criminal ou mesmo das questões penais, crime e castigo, culpabilidade e punição, porém, recordando antigos debates da Academia, percebo que certa questão ontológica relativa a ‘natureza’ da criminalidade, permanece atual, quiçá, inconclusiva para uns, porém, respondida para outros:
- Seria a criminalidade uma fenomenologia de natureza patológica? Ou, seria um fato de natureza social? Seria um fenômeno climático? Ou, seria de natureza moral? Seria um fenômeno metafísico?
No complexo estudo da Criminologia e do Direito Penal, três são as principais Escolas Penais (7) (11) (5) cujos postulados tentam orientar filosoficamente a questão.
A Escola Clássica se fundamenta no princípio do “Livre-Arbítrio” advogando a tese que o homem, sendo dotado de inteligência e livre-arbítrio, deve ser penalmente responsável porque tem, além da faculdade de analisar e discernir entre o certo e o errado, o poder de livre deliberação para exercer a sua escolha entre o fazer e o deixar de fazer. Esta orientação filosófica foi adotada pelo douto jurista-filósofo, legislador e historiador, Clóvis Beviláqua (1859-1944), que ao enveredar pela seara da Criminologia e do Direito Penal, considerou pertinente a aceitação da Tese do Livre-Arbítrio, assim expressando-se:
- “O crime surge na mente do indivíduo sob a forma de ideia ou emoção, elabora-se na consciência e, produzindo volição, tende a realizar-se. É claro que os espíritos bem formados não se deixarão, senão excepcionalmente, arrastar à prática desses tristíssimos fatos, que são um forte grilhão a nos prender inexoravelmente à bruteza da animalidade, donde a cultura nos pretende distanciar, mas onde nos arrastamos e nos debatemos, em vão, como frágeis insetos envolvidos nos fios resistentes de vasto aranhol”. (3)
Para o grande civilista brasileiro, o livre-arbítrio, deve ser considerado no estudo da etiologia criminal uma vez que, os “espíritos bem formados” só “excepcionalmente”, se deixarão levar ao crime, pois, têm mais discernimento do que outros, ainda na condição de espíritos vulgares, ignorantes e atrasados morais. Desta forma, as modernas concepções criminológicas, haverão que considerar a Tese do Livre-Arbítrio como premissa existente em grau correspondente ao nível moral do ser, condizente com a pessoa do criminoso mais do que propriamente com o crime, ‘entidade abstrata’ nas definições das Escolas Penais.
A mesma ideia, porém, advogada em bases espiritualistas, notadamente as da Doutrina codificada pelo notável Professor Francês, Hippolyte Léon Denizard Rivail no século XIX, é ampliada nas consequências filosóficas da etiologia criminal por outro grande estudioso da Criminologia, o digno Professor Deolindo Amorim (5) de saudosa memória, quando questiona:
- “Como poderiam os espíritos “bem formados” resistir à pressão das circunstâncias, se não fossem livres em sua vontade?” (5) – Mostra-nos o Professor Deolindo que da mesma forma que o indivíduo pode obedecer, passivamente, as imposições exteriores, tornando-se um verdadeiro escravo do meio social, em razão do seu atraso e ignorância espiritual, ele também poderá exercer domínio sobre o meio, seja o meio físico ou o meio social, podendo, inclusive, modificar os costumes, as práticas e as ideias vigentes no seu grupo, tudo conforme o seu grau de desenvolvimento e desde que haja condições favoráveis. Importante considerar o exercício da “vontade” do indivíduo, que o leva a ‘anuir’ ou ‘reagir’ às insinuações do crime. Essa ‘aceitação’ ou ‘rejeição’ do crime por ato de sua vontade está em consonância com o estágio progressivo do Espírito que habita o ser.
Por certo, nem todos os indivíduos estão no mesmo grau de capacidade e aprimoramento moral, portanto, é natural que o livre-arbítrio se revele através das diferenciadas atitudes de indivíduo para indivíduo. Donde se pode inferir que quanto maior o progresso moral, maiores serão as possibilidades de ser livre para não sucumbir ou ceder à força do instinto cego, nem se deixar dominar pelas paixões ou pelas sugestões criminosas.
Pelo pensamento destes dois gênios do Direito Criminal, Beviláqua (3) e Amorim (5), o “espírito bem formado” é aquele que, pela sua elevação moral, já está em situação capaz de oferecer maior obstáculo às ideias e às atrações que ferem as boas Normas de bem proceder, que são, em suma, as Leis Morais da Vida. Estes que assim agem e reagem, demonstram sua “vontade” própria que é, igualmente, inabalável.
Diferindo da Escola Clássica, temos outras duas que se fundamentam no princípio do “determinismo”.
A Escola Antropológica com sua visão eminentemente materialista, advoga o “determinismo orgânico”, segundo a qual o homem age, não em consequência de livre deliberação, mas, por imposição dos reflexos biológicos, sejam estes, herdados ou adquiridos. Assim, o homem está determinado a agir por força de suas funções somáticas-medulares, glandulares ou cerebrais, podendo ser inconscientes ou mecânicas, enquanto outras, nada obstante serem conscientes, resultam sempre de circunstâncias diversas, pré-determinadas e alheias ao mecanismo do livre-arbítrio ou da vontade autônoma, porque, sua “vontade”, seria “mera criação metafísica” ou, “fantasia apriorística” e, como tal, destituída de comando.
Para os postulantes das ideias Antropologistas, o crime não é o resultado da livre vontade do delinquente, porém, dos fatores biológicos, físicos e sociais, entretanto, a predominância da responsabilidade criminal repousa sobre os fatores biológicos, daí, a concepção do “criminoso nato”. Nesta hipótese, Caim, herda de seu genitor a propensão ao pecado e, criminoso nato, estaria fadado a matar seu irmão Abel.
A Escola Crítica, Eclética ou Sociológica, postula sua tese no “determinismo sociológico”, pois, advoga que o crime é “exclusivamente, resultado de fatores sociais”, e, embora considerando o livre-arbítrio uma ilusão subjetiva, estabelece que a responsabilidade penal deve ser imputada à responsabilidade moral do delinquente, para tal, fundamenta o direito de punir na condição obrigatória e essencialmente sociável do homem.
Émile Durkheim (14) (1858-1917) que viveu a influência do pensamento de respeitáveis teóricos, entre outros, Auguste Comte, Immanuel Kant, Herbert Spencer, defendeu, numa de suas teses sociológicas: “a normalidade do crime como fenômeno social” (14), da qual distinguia dois aspectos primordiais: “a normalidade do crime e a anormalidade do criminoso”. Para Durkheim “o crime é normal porque é impossível haver uma sociedade isenta de crime” (Ibidem).
Realmente, seria utópico imaginar-se a ausência absoluta de interesses antagônicos ante as incompatibilidades inerentes à condição humana. Logo, uma sociedade sem conflitos... Só mesmo se fosse uma “ilha da fantasia”.
Seria factível e desejável, porém, que mesmo havendo as ‘incompatibilidades’ e os ‘interesses antagônicos’, os conflitos e os crimes que assolam, afligem, agoniam e arruínam as sociedades de todos os tipos, ao invés de ‘progredirem’ com a marcha social, tendessem à direção inversa, a não mais se agravar ante o desenvolvimento e o aperfeiçoamento social.
Em verdade, a linha decrescente da criminalidade é, certamente, ao contrário do que possa parecer, uma realidade, pois, se não o fosse, a espécie humana, estaria fadada ao desaparecimento, não poderia perpetuar-se nem conservar-se, o que seria a ruína das Leis (23) de Reprodução e Conservação da Vida, uma vez que o gênero humano, degenerado pelo crime, ir-se-ia dissolvendo até que a sua persistência se tornaria impossível.
São poderosas as objeções à tese apresentada por Durkheim no tocante ao fenômeno da criminalidade, porque, muito embora, não exista uma sociedade isenta de crimes, tal fenômeno, será sempre contrário à normalidade social, pois, é a resultante da agressividade moral, física e psicológica das criaturas, associada à volúpia dos prazeres exacerbados e da insatisfação dos sentidos que se encontram em desgoverno, além das ambições desmedidas pelo poder, das decisões imprevidentes ao burlar as Leis da Vida, permitindo-se atentar contra ela, a começar pelas lutas inglórias para a aprovação dos crimes contra os direitos do nascituro.
Ainda, infortunadamente, podemos avaliar que toda violência urbana e social, encontra suas bases nas imensas desigualdades, na escassez de alimentos para uns em contraposição à fartura e ao desperdício na mesa de outros, o que denota a indiferença afetiva que revive a Parábola do Rico Avarento e do Pobre Lázaro, conforme anotações do Evangelho de São Lucas, 16, 19-29.
Um dos críticos de Durkheim e, um dos que mais analisaram sua obra, o jurista brasileiro, Paulo Egídio (1842-1906), ex-senador paulista, anotou: - “O crime e a criminalidade serão, à proporção que os homens progredirem e se aperfeiçoarem, cada vez mais dominados e contidos em suas origens e em suas causas, pela cristalização dos sentimentos e das ideias, pela purificação dos costumes e da moral coletiva”. (8) (9)
O Professor Deolindo Amorim (5), corroborando o pensamento de Paulo Egídio, mostra que “a ideia de aperfeiçoamento social associa-se naturalmente à ideia de reforma moral do homem e, assim como, a repressão do crime depende do aparelhamento institucional, a sua diminuição gradual, depende, entretanto, da educação e do progresso moral” (Idem).
E completa seu pensamento nosso ínclito escritor e estudioso, Amorim, textualmente: “Uma sociedade bem organizada não é aquela que apenas tem boa instituição policial ou meios de repressão imediata, mas sobretudo aquela que procura ir ao encontro das ‘causas’ da criminalidade, antes de cuidar dos efeitos: educar e corrigir o homem, em primeiro lugar, proporcionando-lhe condições de vida compatíveis com a dignidade humana e afastando os fatores da perversão para, em segundo lugar, aperfeiçoar o sistema repressivo. Um sistema penal, por si só, ainda que seja dos mais inteligentes, não extingue o crime, porque, nem o terror, nem o fuzilamento, nem a penitenciária, nem quaisquer outras formas de eliminação sumária ou de segregação social poderiam modificar o sentimento do homem sem a interferência do fator espiritual, isto é, sem a reforma interior, sem a compreensão da vida em face do sentimento de responsabilidade” (Ibidem).
Concluindo nossas reflexões, fácil é perceber-se que a Criminologia não é uma Ciência de conceitos estáticos cujos interesses sejam exclusividade apenas dos juristas e dos especialistas do Direito Penal, pois, a Criminologia é estudada em função do Direito, mas, também, em função da cultura humana em sentido amplo.
Dessa forma, é importante atentar-se para a “etiologia do crime”, a sua origem, quais as causas geradoras, quais os fatores predisponentes da criminalidade e, a partir disto, buscar os meios de saneamento moral da sociedade pelo reerguimento espiritual dos indivíduos e conseguintemente, da coletividade.
A melhor filosofia para a Ciência Criminológica e Penal, seria aquela que não se preocupasse somente com o crime, pois, este é, em si mesmo, um “efeito” e não, uma “causa”, afinal, é necessário concentrar-se nos meios da profilaxia moral seja investindo em educação, em orientação espiritual, em orientação moral contra a desordem e contra os crimes de toda ordem uma vez que, os fatores imediatos da criminalidade nada mais são do que caminhos para a degenerescência, quais: o desequilíbrio emocional individual e coletivo, a miséria social, a ignorância, a inconformação com a realidade, o desrespeito às Leis e à convivência humana.
Se é verdade que em determinados indivíduos existe a predisposição inata para o crime, também é verdade que, na organização social, certas “causas” são as responsáveis pela criminalidade. E não há que se falar em “fatores climáticos”, pois, o clima poderá exercer alguma influência sobre certos impulsos criminosos em indivíduos que trazem ínsito a predisponência para tal, condicionados que foram à delinquência, desde a primeira infância.
De outra forma, se os fatores biológicos repercutem nas reações dos indivíduos, assim também é sabido que as frustrações amorosas, a alimentação ou falta dela, a convivência, a força sugestiva, o conluio político destruidor, enfim, tudo repercute. Importante considerar que, em todas as criaturas, as paixões, tanto encaminham para o amor, quanto, a depender, no caso das paixões exacerbadas, impetuosas e dissolventes, encaminham para as tragédias.
Felizmente, a grande parte dos cidadãos da Terra não estão marcados pela desonra, pela indignidade, pela desonestidade, no entanto, os que se entregam aos desvarios da imoralidade sobressaem-se e chamam a atenção de forma a parecer, equivocadamente, que constituem a grande parte humana.
Cotidianamente, são desmascaradas “quadrilhas de corrupção”, corrompidos e corruptores nos altos escalões quanto nos porões da sociedade. São também, estes criminosos, vítimas do materialismo enceguecido na loucura da crença do poder do dinheiro e das posições mundanas, porém, não são capazes de perceber a própria destruição, porque trazem a consciência anestesiada nos veios escabrosos da corrupção à qual se entregam com total volúpia.
Estas criaturas, ao sofrerem as delações vergonhosas de seus comparsas, mesmo sendo indiciados nos crimes estarrecedores que lesam de morte a ética e o decoro, seguem, sem a mínima compostura, alegando “inocência” com a ironia e a mórbida mitomania às quais se habituaram.
Seus defensores, alguns, supostamente respeitáveis causídicos, utilizam-se das brechas da Lei, tantas vezes, simplórias, pois, que elaboradas pelos próprios afeitos aos malfeitos, para salvaguardar a liberdade e o convívio social dos seus apaniguados desprovidos de respeitabilidade, probidade e honorabilidade.
Não pensam, essas criaturas, que os recursos amoedados, surrupiados do poder público representado nas Instituições por eles gananciosamente destroçadas, foram retirados de aplicações nobres quais a Educação, a Saúde e a Segurança do Povo ultrajado. Recursos estes que, se fossem bem geridos e aplicados, apoiariam as novas gerações, o desenvolvimento social e a geração de indivíduos saudáveis para o aprendizado e o trabalho que fomentaria o progresso em todas as direções. Somente assim, os fantasmas devastadores das ansiedades humanas, quais, a fome, a miséria, as doenças, as inseguranças e o terror semeado em toda parte pela violência cruel, tenderiam a desaparecer do seio das sociedades humanas.
Estes são dias difíceis, são os dias da transição na qual se defrontam a sociedade decadente de outrora que representa o “homem velho” que está acostumado ao mal engendrado pelo orgulho e o egoísmo, duas chagas morais. A outra, representa a sociedade moderna, a humanidade do futuro que propugna por dias melhores, fruto do comportamento sadio, que abomina a corrupção e o crime de todo teor.
Com certeza, a sociedade dos homens e mulheres dignos, sustentadores do bem em toda parte, triunfará! Porque o crime é desvio de conduta não representando, em sociedade alguma, o comportamento correto a ser seguido.
Entre Pôncio Pilatos, o governador da Judéia, representante de César no mundo materialista e o Mestre Divino, Jesus, aparentemente vencido na cruz da ignomínia, restou a ressureição para a glória Espiritual, enquanto, na realeza terrestre, houve a ruína do Império de Roma, e Pilatos, que “lavou as mãos”, entregou-se ao crime, atentando contra a própria vida.
Referências Bibliográficas:
1 - O Estudo do Direito Através da Literatura – Luis Carlos Cancellier de Olivo – Editorial Studium – 2005;
2 - Problemas de Filosofia do Direito – Richard Posner – SP: Martins Fontes – 2007;
3 – Criminologia e Direito – Clóvis Beviláqua - Publicador: Bahia: Livraria Magalhães – 1896;
4 - Criminologia e Política Criminal – Eugênio Raúl Zaffaroni – 1ª Edição 2010 – GZ Editora - Disponível na Rede Virtual de Bibliotecas;
5 - Espiritismo e Criminologia – Deolindo Amorim (*) – 3ª Edição CELD;
– (*) Jornalista, Sociólogo, Publicitário, Escritor, Membro da Sociedade Brasileira de Filosofia e Conferencista Espírita Brasileiro (1906-1984);
6 - Lombroso Perante a Criminologia Contemporânea – Teodolindo Castiglione – Ed: Saraiva/SP;
7 - As Três Escolas Penais – Antonio Moniz Sodré de Aragão – Ed: Freitas Bastos;
8 - Estudos de Sociologia Criminal – Paulo Egídio Carvalho – S. Paulo: São Paulo: Casa Eclectica, 1900;
9 - Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT
“JURISTAS PAULISTAS, CRIMINOLOGIA E EVOLUCIONISMO NA PRIMEIRA REPÚBLICA”. Autor: Renato Matsui Pisciotta;
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9;
10 - Antropologia Cultural – Oswaldo Cabral – Cultura Espiritual – Caderno 6 – Universidade de Santa Catarina;
11 - Novíssimas Escolas Penais – Roberto Lyra – Ed: Borsoi – Cap. II: Discussões sobre Personalidade – 1956;
12 - Postmodernity And Its Discontents - O Mal-Estar da Pós-Modernidade – Zygmunt Bauman – Cambridge/England – 1997
Tradução: Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama - Jorge Zahar Editor Ltda.;
13 - Moral Blindness – The Loss of Sensitivity in Liquid Modernity – Cegueira Moral – A Perda da Sensibilidade Na Modernidade Líquida – Zygmunt Bauman e Leonidas Donskis – Cambridge/England – 2013 – Tradução: Carlos Alberto Medeiros - Jorge Zahar Editor Ltda.;
14 - Les Règles De La Méthode Sociologique – Émile Durkheim (1858-1917) (*) - Pág. 65 – “Presses Universitaires de France”.
– (*) Sociólogo, considerado o pai da Sociologia Moderna e chefe da chamada Escola Sociológica Francesa. Antropólogo, cientista político, filósofo e psicólogo francês;
15 - La Concepcion Spiritualiste Et La Sociologie Criminelle – C. Picone-Chiodo – Cf. Revista “Luce e Ombra” – Roma;
16 – A Filosofia Penal dos Espíritas – Fernando Ortiz – Tradução: Carlos Imbassahy – LAKE Ed./SP;
17 - O Espiritismo em Face do Direito e da Metapsíquica – Noraldino de Mello Castro – Membro Efetivo do Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira;
18 – Alerta – Editora LEAL (2014) – Joanna de Ângelis / Divaldo Franco;
19 – Atitudes Renovadas – Editora LEAL (2009) – Joanna de Ângelis / Divaldo Franco;
20 – Seja Feliz Hoje – Editora LEAL (2016) - Joanna de Ângelis / Divaldo Franco;
21 - L’Évolution Animique – A Evolução Anímica - Gabriel Delanne – Tradução: Manuel Quintão – FEB Ed.;
22 - La Genèse, Les Miracles Et Les Prédictions Selon Le Spiritisme – A Gênese, Os Milagres E As Predições Segundo o Espiritismo - Allan Kardec – Tradução: Guillon Ribeiro – FEB Ed. ;
23 - Le Libre Des Esprits – O Livro Dos Espíritos - Allan Kardec – Tradução: Guillon Ribeiro – Parte Terceira – “Das Leis Morais”.
– Cap. VI: “Da Lei de Destruição”: - “Assassínio” – Q. 746 – 751. – “Crueldade” – Q. 752 – 756. FEB /Ed. ; e
24 – Le Problème de l'être, le Destin et la Douleur - O Problema do Ser, do Destino e da Dor – Os Testemunhos – Os Fatos – As Leis – Estudos Experimentais Sobre os Aspectos Ignorados do Ser Humano - Léon Denis – 5ª Edição da FEB.
POR MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO
-Advogada desde 1986;
Especializada em:
- Direito de Família e Sucessões,Direito Internacional Público e Direito Administrativo;
-Lato Sensu em Linguística e Letras Neolatinas;
-Degree in English by Edwards Language School – London;
-Accredited by the British Council, a member of English UK and a Centre for Cambridge Examinations; e
-Escrevo artigos sobre Direito; Política; Sociologia; Cidadania; Educação e Psicologia
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.