Autora: Vitória Ell Murr (*)
O bem de família é aquela propriedade destinada à moradia da entidade familiar, seja decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental, anaparental (formada pelos irmãos), reconstituída, eudemonista (união de pessoas pelo afeto e solidariedade), ou quaisquer outras formas de família, e é protegido por previsões legais específicas, em lei especial (8009/1990) e no Código Civil entre os artigos 1.711 a 1.722.
Este bem é impenhorável, sendo essa característica o elemento fundamental do instituto do bem de família, sendo a propriedade, via de regra, resguardada contra execução por dívidas. Interpreta-se de forma extensiva a proteção da moradia para atingir o imóvel onde reside pessoa solteira, separada ou viúva (Súmula 364 do STJ).
Dessa forma, o imóvel não poderá sofrer qualquer apreensão e também não responderá por dívida, seja ela civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.
Ademais, os bens móveis essenciais à manutenção da vida e da família (geladeira, máquina de lavar roupas, fogão, cama, etc) também serão impenhoráveis, conforme parágrafo único do artigo 1º da Lei 8009/1990, e, conforme artigo 2º do mesmo diploma legal, serão penhoráveis os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos (piano, por exemplo).
Ainda, a impenhorabilidade estende-se aos casos em que o devedor não reside no local. Em 2009, no julgamento do REsp 1.095.611, a Primeira Turma considerou impenhorável a casa onde moravam mãe e irmão de uma pessoa devedora em ação de execução. O fato de o executado não morar na residência que fora objeto de penhora, não afasta a característica da impenhorabilidade, lembrando que a propriedade pode até mesmo estar alugada a terceiros, desde que a renda sirva para cobrir o aluguel de outra ou para manter a família (Súmula 486 do STJ).
Em outro julgamento, este mais recente, a 2ª turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou a impenhorabilidade de bem de família onde a filha do executado reside. De acordo com os autos, a controvérsia surgiu na fase de execução da sentença proferida na reclamação trabalhista, ajuizada por um assistente financeiro que trabalhou na empresa condenada, em meados de 2000. Sem bens em nome da empresa, o juiz determinou a desconsideração da personalidade jurídica e localizou o imóvel de um dos sócios em São Paulo. Mas, ao certificar que se tratava do único bem de propriedade do sócio, deixou de fixar a penhora.
Para o professor José Fernando Simão, o terreno que se encontra desocupado ou não edificado não obsta a qualificação do imóvel como bem de família, devendo ser examinada a finalidade atribuída caso a caso, conforme Informativo de jurisprudência 453. O simples fato de o bem não ser utilizado, não o faz menos essencial à família e, novamente, sua impenhorabilidade atende aos objetivos da lei 8.009/90. Ademais, o professor Simão ressalta que cabe ao titular do bem a prova de que este possui finalidade essencial à família, apesar de sua inutilização permanente ou utilização esporádica. Ou seja, deverá o devedor provar que o imóvel é destinado ao proveito da família.
Todavia, a impenhorabilidade não é considerada absoluta, comportando, segundo Rodrigo da Cunha Pereira, as seguintes exceções:
1 – Por conta de créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
2 – Pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
3 – Pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
4 – Para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
5 – Por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;
6 – Por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (Art. 3º, Lei nº 8.009/90).
Ainda, importante realizar a distinção entre os dois tipos de bens de família existentes: o bem de família legal e convencional.
O primeiro consiste na moradia onde vive um núcleo familiar, que goza do benefício da impenhorabilidade, independentemente de sua inscrição no cartório de registro imobiliário. É o bem que decorre da Lei Federal 8.009/90, e sua proteção é automática, não havendo necessidade de nenhum ato por parte do proprietário do imóvel.
Luiz Edson Fachin, grande jurista brasileiro, criou a expressão "patrimônio mínimo", por integrar o mínimo existencial do ser humano, além de ser esse patrimônio asilo inviolável. Portanto, não pode ser retirada do núcleo familiar para pagamento de dívida, salvo nas hipóteses supramencionadas.
Já o bem de família convencional, embora já existisse no Código Civil de 1916 e na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), foi no Código Civil de 2002 que encontrou sua praticidade e modernização em relação à Constituição Federal de 1988, e trata-se da propriedade escolhida para ser a residência e moradia da família e recebe a benesse da impenhorabilidade.
Este, também chamado de voluntário, depende de ato dos cônjuges ou da entidade familiar em destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, mediante escritura pública ou testamento, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existentes ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Diferentemente do bem de família legal, que é reconhecido com o intuito de imunizar o patrimônio de penhora por dívida que já foi constituída, o bem de família voluntário oferece proteção futura contra qualquer débito.
Ao instituir um bem de família voluntário, é necessário observar a exigência trazida pelo Código Civil, que limita a escolha do imóvel. Importante frisar que a constituição do bem de família convencional só passará a produzir efeitos após o seu registro no Cartório de Registro de Imóveis competente.
Referências:
*VITÓRIA ELL MURR
-Graduada pela Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU (2018);
-Pós graduada em Direito de família e sucessões pela Escola Paulista de Direito - EPD (2020); e
- Áreas de Atuação: Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário, Direito do Consumidor.
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