sábado, 2 de novembro de 2019

Aprender Brincando!!


Autora: Tatiana Gagliazzo(*)


"O brincar é a coisa mais importante para as crianças, a atividade mais vital, pela qual elas aprendem a dar e receber, a compreender a natureza complexa do ambiente, a solucionar problemas, a relacionar-se com os outros, a ser criativa e imaginativa. [...] é importante criar ambientes estruturados que dão qualidade para o brincar, com a participação da professora e de outras crianças."Excerto do material "Brinquedos e brincadeiras nas creches", MEC, 2012, p. 73. 
Como vejo a importância da organização e da aprendizagem pelos cantos (diversificados, temáticos ou de atividades) feito por brinquedos ou materiais não estruturados o interesse constante das crianças, possibilita interações, escolhas individuais entendimento e apropriação do espaço resolvi falar sobre este tema.

Principalmente na educação Infantil observamos as intenções formativas, contidas nas Orientações Curriculares, como critérios que embasam a promoção de todas as experiências a serem vivenciadas pelos alunos, para o alcance das expectativas de aprendizagem de cada série: a construção da identidade e autonomia; a interação e socialização no meio social, familiar e escolar e a ampliação progressiva do conhecimento do mundo.

As atividades preparadas para o momento dos cantos são atividades com finalidades pedagógicas, proporcionando um ambiente propício para desenvolver as habilidades de maneira prazerosa e lúdica. Os cantos são ambientes ricos em conhecimentos que auxiliam na interação entre as crianças. As atividades preparadas são diversificadas, ou seja, canto da leitura, jogos, brinquedos de construção, momentos lúdicos, alinhavo, quebra-cabeça, momentos livres, entre outras, com foco no desenvolvimento das habilidades das crianças.

Deixo essas sugestões e definições do que seriam cada tipo de cantos, copilado do Programa KidSmart:

- Canto dos jogos (percurso, trilha, pega-vareta, memória, bingo, dominó, jogo da velha, futebol de botão, 5 marias, quebra-cabeça, mico, monta-tudo, lego, pequeno engenheiro, blocos de madeira, bolinha de gude);
- Canto do faz-de-conta (casinha, cabana, cabelereiro, feira, mercado, médico, farmácia, sorveteria, fantasia, oficina, restaurante, carrinho, mecânico, boneca, animais, fantoches, marcenaria, super-heróis, astronauta, príncipes e princesas);
- Canto dos materiais não estruturados “faça você mesmo” (dobradura, sucata, caixas de papelão, escultura de arame, massinha, sementes, pinhas, pedrinhas) 
- Canto das Artes Visuais (modelagem, desenho, pintura, colagem, impressão) 
- Canto de leitura ou contação (livros, almofadas, fantoches, cenários) 
Adaptado do material "Cantos de atividades diversificadas", do Programa KidSmart em parceria com o Instituto Avisalá. 

Devemos levar em conta alguns aspectos importantes na hora de planejar os cantos.




A questão estética garante o interesse das crianças pelo espaço e suscita a imaginação e a criatividade (caracterização de espaços), sempre variar os cantos e a introdução de novos temas de acordo com os objetivos do professor e com o interesse das crianças.




Sempre variar as propostas para garantir ambientes em que as crianças possam escolher brincar sozinha ou em grupo, movimentando-se ou concentrando-se, conforme sua preferência bem como a sua permanência dos espaços preferidos das crianças- reiteração é uma característica infantil.




É muito importante garantir a variedade de materiais oferecidos às crianças. Não podemos nos restringir à brinquedos ou materiais plásticos. Devemos variar sempre com objetos cotidianos, materiais da natureza, metal, papel, tecidos, etc.




Não adianta variar os materiais se não houver um a preocupação com a estética e disposição, mas que não garantam a caracterização de cantos. Dessa forma, o preparo anterior é muito importante. 




Outro fator de extrema importância é observar constantemente o interesse das crianças é necessário para replanejar propostas e não cair numa rotina acomodada sem desafios.




Na educação infantil o eixo principal que permeia todas as atividades são o brincar, não o brincar para passar o tempo, mas o brincar com intencionalidade previamente planejado pelos professores. Retirei essa definição do MEC por achar que ilustra bem a importância do brincar principalmente para crianças pequenas.




Na educação infantil, sob ótica das crianças correm interações entre:




· As crianças e as professoras/adultos -essenciais para dar riqueza e complexidade às brincadeiras; 

· As crianças entre si – a cultura lúdica ou a cultura infantil só acontece quando as crianças brincam entre si, com idades ou diferentes (maiores com bebês, crianças pequenas com as maiores); 

· As crianças e os brinquedos – por meio das diferentes formas de brincar com objetos/brinquedos; 

· As crianças e o ambiente – a organização do ambiente facilita ou dificulta a ação do brincar 

Excerto do material “Brinquedos e brincadeiras nas creches”, MEC, 2012, p.15.




A exploração das crianças pela sala, proporcionada por esta modalidade de organização(cantos), é um momento privilegiado de exercício da autonomia infantil. A criança aprende a escolher e tomar decisões, responsabilizando-se por suas opções, contando consigo própria e tendo amigos – e não somente o professor – como parceiros de troca. 




O interessante deste modelo de organização é a simultaneidade de propostas. Os rumos do aprendizado ficam mais nas mãos das crianças. Em geral, tudo funciona bem sem a necessidade de um direcionamento maior do adulto. O trabalho com cantos não constitui apenas um momento de aprendizagem da criança, mas também do professor, que aprende a segurar seu impulso de sempre controlar a situação. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Efeito Joker – Além da Superfície

Autora: Neusa Andrade(*)

Parece mesmo que o mundo virou uma piada de mau-gosto? De modo difuso, a sensação que se tem é que há um descontentamento com os governos em diversos países (Bolívia, Chile, Espanha, Equador, Líbano, Haiti, Iraque e Hong Kong) que acaba se transformando em protestos violentos, inclusive com vandalismo e mortes. As queixas comuns entre eles são combate a corrupção, desemprego, decadência e a ineficiência dos serviços públicos, autoritarismo e a desigualdade de renda.

Mas o que existe por trás dessa movimentação em países com regimes tão diferentes? Porque mesmo quando o governo recua (como nos casos do Chile, na Hong Kong, ou Líbano) aparecem novas pautas e reivindicações que lotam ainda mais as ruas? O que está alimentando esse espírito de rebeldia? São ações espontâneas ou programadas? o certo é que ninguém ainda sabe com precisão o que levou, e onde vai levar essa "segunda onda da Primavera Árabe".

No filme Joker, uma das muitas mensagens é de que o Coringa é um palhaço estilizado, que se transforma em instrumento de vazão ao sentimento do povo, que se sente apenas o bobo da corte. As injustiças silenciosas, e o lixo acumulado que a Sociedade tenta jogar para debaixo do tapete, um dia virão à tona.

No universo das tatuagens e grupos de criminosos, o significado do Coringa está ligado à etimologia do termo quimbundo "kuringa" que significa "matar". A simbologia é mostrada no filme através das atitudes e dilemas do personagem Arthur/Coringa (mentiras, desprezo social, luta pela sobrevivência, doença mental, necessidade de se usar uma máscara, etc). Pela densidade da interpretação de Joaquim Phoenix, Joker poderá ser um futuro ganhador de diversas estatuetas no próximo Oscar.

No baralho, sem indicação numérica, o coringa pode indicar o zero, ou a carta que pode substituir qualquer outra, e que se usada com inteligência pode até "virar o jogo". A classe política deveria se conscientizar das muitas mensagens cifradas no filme, indicando que o que a princípio poderia ser apenas um sentimento difuso, uma insatisfação que corrompe lentamente, pode virar um pesadelo sem controle, basta um revólver carregado, ou um meme nas redes sociais.

No filme e na vida real esse "silêncio " acaba explodindo em manifestações com violência, como resultado da insatisfação da população com a situação, o descontentamento com uma classe política que ocupa o poder em todo planeta, gente que não é coerente ou cumpre suas promessas de campanha, e que vivem na bolha e proteção de seus palácios, carros blindados, pagos com impostos escorchantes. A população ou "as pessoas do andar debaixo" estão bastante cansadas de promessas e calvário de subir e descer escadas, tomar trens lotados e viver uma "vida lixo". 

A arte do cinema cumpre então seu papel ao retratar os dilemas de uma sociedade doente, numa belíssima metáfora de subidas e descidas das escadarias do Bronx, um bairro pobre de Nova York, longe do glamour e da bolha da Times Square.

REFERÊNCIAS


*NEUSA MARIA ANDRADE

Paulista da gema;
-CEO da Divisão GO.neCTING AGENCIA WEB;

-Doutoranda em Engenharia de Produção;
-Mestre em Administração de Empesas;
-MBA em Tecnologiapela POLI-USP e
Minhas ideias e ideais podem ser acompanhados no Twitter: @neusamandrade




Nota do Editor:

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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Direito de Família: A Clínica do Direito!!


                                                                                                                                                       Autora
                                                                Águida Arruda Barbosa *


A expressão clínica do direito foi usada, pela primeira vez, na década de 1.990, pelo prestigiado advogado Rodrigo da Cunha Pereira[1], visando comunicar a inauguração de uma nova ética para a praxis da advocacia especializada em Direito de Família. Escreveu muitos artigos e livros acerca do tema, demonstrando que, a partir de sua experiência pessoal e profissional, a psicanálise é um instrumento indispensável para este ramo da advocacia, na contemporaneidade. 

Merece destaque, portanto, que o advogado especializado em Direito de Família deve ter a consciência de se preparar para um trabalho solitário, pois precisa estar disposto a acolher os segredos pessoais e familiares trazidos pelos clientes, normalmente em crise familiar[2], não suportando mais carregar, sozinhos, o fardo de suas angústias. Buscam alívio ao dividir o medo do futuro incerto com o profissional que deve estar capacitado ao exercício de uma escuta ativa e qualificada. 

A advogada e mediadora Jacqueline Mourret[3] traduz, em linguagem poética, a essência do papel do profissional de direito que acolhe o sujeito de direito, em sofrimento, quando faz uso de ferramentas adequadas: "é um estado de espírito, que transforma em esperança o que era desespero, em recomeço, o que parecia fim" .

A psiquiatra e mediadora norte-americana Florence Kaslow[4] expressa com muita propriedade: "Se o caminho desejado for o litígio, então os cônjuges têm muitas probabilidades de se sentirem desamparados, pessimistas, abandonados e deprimidos, pois as negociações estão principalmente nas mãos dos advogados e as decisões relacionadas à custódia, às responsabilidades paternas e à divisão de bens ficam a critério do juiz. Há uma grande quantidade de ansiedade proveniente da incerteza. Dada a mistura de confusão, solidão, tristeza e luto por todas as perdas que a ruptura do casamento e da família trazem consigo, a retribuição pode se tornar um objetivo dominante". 

Nesta linha de pensamento, a psicanalista Françoise Dolto[5], com muita propriedade, sintetiza: "a única verdadeira razão de um divórcio é que um dos cônjuges não vê outra solução, senão esta, para dar continuidade a uma vida saudável". Eis, nessa síntese, a importância da definição da responsabilidade dos operadores do Direito que atuam em conflitos de família, e os efeitos desta atuação sobre as escolhas adequadas dos protagonistas. 

Enfim, neste diapasão, o advogado, sendo o primeiro a receber o sujeito de direito, traçará o encaminhamento do conflito, buscando atitudes saudáveis, ou, em outra linha de atuação, para aqueles que agem pela lógica do litígio, acabam promovendo mecanismos para fomentar a litigiosidade, envolvendo a família em intermináveis disputas, com muito sofrimento. 

Em recente divórcio de um casal jovem, ambos com pouco mais de trinta anos, com um filho recém-nascido, decorrente de fertilização in vitro, depois de muitas tentativas de gravidez malsucedidas, exemplifica esta assertiva de que o encaminhamento dado pelo advogado será fundamental para as escolhas feitas pelos protagonistas do conflito familiar. 

Neste caso em tela a advogada do marido, comprometida com o exercício da clínica do direito, levantou a hipótese de que não se tratava de conflito conjugal, mas que a crise revelava-se como sintoma de comprometimento da saúde da mulher, em decorrência das excessivas doses de hormônio do tratamento que resultou na fertilização do filho do casal. 

A sugestão feita à advogada representante da mulher, de encaminhamento do casal para uma avaliação médica e psicológica, foi rejeitada pela causídica, chegando, mesmo, a comunicar que tomaria as medidas necessárias para a via litigiosa. No entanto, o marido foi buscar um perecer acerca da hipótese levantada, tendo obtido o diagnóstico de profunda depressão da mulher, que aceitou o tratamento médico e, paralelamente, o casal submeteu-se a uma terapia de casal. 

Não importa saber do desfecho deste relato, cujo objetivo é, tão somente, exemplificar a importância da conduta dos advogados, cada um no seu estilo. O enquadre que interessa, neste contexto, é demonstrar a importância da consciência da responsabilidade profissional depositada nas mãos dos operadores de direito. 

Daí a necessidade imposta aos advogados de ampliar seu campo de ação com outros conhecimentos, capazes de transformar o olhar sobre o sofrimento humano, buscando uma formação transdisciplinar. 

Tomando por parâmetro Mourret, Kaslow e Dolto, em suas sensíveis abordagens acerca do conflito familiar, é possível concluir que o adequado tratamento do divórcio é fundamental para o exercício da clínica do direito.

REFERÊNCIAS

[1] Rodrigo da Cunha Pereira, advogado especializado em Direito de Família, presidente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, autor de várias obras, dentre as quais Direito e Psicanálise, cunhou a expressão Clínica do Direito; 

[2]O termo "divórcio", "crise familiar" e "ruptura da vida conjugal" serão empregados em seu sentido amplo, aplicando-se ao casamento e à união estável, referindo-se também aos demais conflitos oriundos das relações familiares, como conseqüência da ruptura; 

[3] MOURRET, Jacqueline. "La médiation Familiale: Une "culture de paix", Ateliers de la Licorne, França. 1.996; 

[4] KASLOW, Florence. Dinâmicas do Divórcio. Editorial Psy, 1.995, pág. 50; e

5- RENCHON, Jean Louis. "La Médiation: un mode alternatif de résolution des conflits?" publicação do Institut Suisse de Droit Comparé, pág. 288, Zurich, 1.992.

*ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA

*Advogada especializada em Direito de Família. Mediadora familiar interdisciplinar . Doutora e Mestre pela FDUSP(1972)





Nota do Editor:

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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O Estado como Fornecedor de Serviços e o Código de Defesa do Consumidor


Autor: Alceu Albregard Junior(*)


O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) veio estabelecer normas de ordem pública e de interesse social para proteção e defesa do consumidor na sua relação com o fornecedor de produtos e de serviços. 

Consumidor é a pessoa física, ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como consumidor final, ou seja, para uso próprio, enquanto fornecedor é conceituado como sendo toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. 

O foco principal destas poucas linhas, é analisar a pessoa "pública" como fornecedora, igualmente submetida aos rigores da lei consumerista. 

Dadas as definições acima, ´pretendemos ver o consumidor, na relação com a pessoa pública, como o cidadão, consumidor de produtos e serviços fornecidos pelos entes da administração pública. 

Passando ao largo da conceituação da relação entre o cidadão e o Estado, queremos ver a relação entre o cidadão e secretarias, ministérios, empresas estatais e paraestatais e outros órgãos da administração direta e indireta do Estado.

Nesse conceito, temos que é aplicável o direito do consumidor sempre que esses órgãos, ao exercerem a função de fornecer água, eletricidade, saneamento básico, saúde, educação, transporte o fazem de forma imprópria ou inadequada, trazendo prejuízo ao cidadão, tanto de forma direta quanto indireta. 

Ocorre que a Constituição Federal atribuiu ao Poder Público a prestação de serviços públicos, sendo, portanto, desimportante se o faz por si, diretamente, ou se o faz por intermédio de empresas particulares, por concessão ou permissão. 

A participação do Estado no fornecimento de produtos e serviços, ainda que por determinação expressa da Constituição Federal, o torna responsável por esses produtos e serviços e atribui, a cada cidadão, o Poder/Dever de exigir desse mesmo Estado, quanto ao fornecimento, tanto o justo valor do fornecimento quanto a qualidade correspondente, assim como faria o consumidor em relação ao fornecedor particular em qualquer situação enquadrada no Código do Consumidor. 

*ALCEU ALBREGARD JUNIOR


Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie(1985);
Atua principalmente nas áreas dos Direitos Tributário,Imobiliário e Consumidor.
Contato: alceu.adv@albregard.com.br

Nota do Editor:


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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Lei Maria da Penha: Extensão às Mulheres Transgêneros e Transexuais


Autora: Kelly Lima Martins(*)

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em junho desse ano, por 17 votos a dois, um projeto que objetiva a extensão da Lei Maria da Penha ás mulheres transgêneros e transexuais, buscando-se para esse grupo a equiparação dos direitos, uma vez que o mesmo não têm salvaguarda jurídica em igual situação de vulnerabilidade nas agressões sofridas no campo doméstico. 

A proposta altera um artigo da lei que diz que "toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião" não pode sofrer violência, incluindo o termo "identidade de gênero". 

Caso não haja recurso, o projeto seguirá direto para a Câmara, sem passar pelo plenário do Senado. Caso aprovado pela Câmara, alterar-se-á o artigo 2º da Lei, que determinará que "toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social".

A partir da ideia culturalista, a tradição feminista não essencialista, que vai de Simone Beauvoir a Judith Butler, faz uma crítica radical do sistema sexo-gênero. A multiplicação dos gêneros proposto por J. Butler, por meio da noção da performatividade, poderia se traduzir juridicamente pela ideia de que cada indivíduo adota o gênero que deseja.

Adviria assim, um sujeito de direito sem gênero (ou ainda com vários gêneros) se tornaria o princípio que governaria a nova gramática sexual. Bastaria, para isso, pôr fim à prática de colocar o sexo dos indivíduos na certidão de nascimento. Isso permitiria regularizar os problemas encontrados pelos intersexuais e transexuais e acabaria com a proibição do casamento e da adoção de casais de mesmo sexo. (BORRILLO, Daniel. O sexo e o Direito: a lógica binária dos gêneros e a matriz heterossexual da Lei. Meritum – Belo Horizonte – v. 5 – n. 2 – p. 289- 321 – jul. /Dez. 2010.

Maria da Penha, farmacêutica brasileira natural do Ceará, vítima de constantes agressões por parte de seu marido, que em 1983 tentou executá-la com um tiro de espingarda. O tiro, apesar de não ter sido fatal, deixou-lhe paraplégica. Retornando ao lar após o convalescimento, sofreu nova tentativa de assassinato, dessa vez seu agressor tentou eletrocutá-la. 

Como a maioria das mulheres vítimas de violência doméstica, quando encontrou coragem de para denunciar o autor da sistemática violência de que era vítima, deparou-se com a incredulidade por parte da justiça brasileira. Em 1994, resolve acionar o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe Para a Defesa da Mulher (CLADEM). Essas Organizações encaminharam o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Em 2002 o Caso Maria da Penha foi finalizado quando o Estado Brasileiro foi condenado por Negligência e omissão pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, comprometendo-se em reformular suas leis e políticas em relação à violência no âmbito doméstico. 

Iniciando uma quebra de paradigmas, Maria da Penha foi a precursora do enfrentamento feminino contra a violência vivenciada por centenas de milhares de mulheres no mudo inteiro, tornando a lei 11.340, que recebeu o seu nome, consagrada internacionalmente pela Organização das Nações Unidas (ONU), como uma das três melhores legislações de gênero do mundo e conhecida nacionalmente por noventa e oito por cento da população brasileira.

A Lei Maria da penha retirou do âmbito do Juizado Especial Criminal a apuração dos casos de violência doméstica. Antes do seu advento, as demandas dessa natureza eram tratadas em mesas de conciliação, sendo imposto como sanção ao agressor o pagamento de algumas cestas básicas, muitas vezes retiradas do próprio sustento da família. Somando-se aos ferimentos morais e emocionais da vítima, a sensação de que sua integridade física e psicológica nada valia para a Justiça. Para o autor da violência ficava a mensagem de que custava barato espancar uma mulher.

Na violência doméstica, quem tem sua natureza intricada em questões culturais, fruto e uma sociedade patriarcal e com expressões machistas, a punição dos agressores não é suficiente para a desconstrução da noção deturpada de masculinidade, que segundo os estudiosos, acompanha o agressor desde a infância, sendo resultado de um comportamento "aprendido" que se estruturou de tal forma e com tamanho poder de dominação que suas ideias foram naturalizadas na sociedade.

Em um contexto de opressão de gênero e desrespeito à diversidade sexual, afronta também o respeito à identidade que também compõe a dignidade (HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In Dimensões da Dignidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 76). 

A Lei Maria da Penha estipula quatro tipos de violência doméstica, são elas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

A física se caracteriza por qualquer ato contra a integridade ou saúde corporal da vítima.

A violência psicológica consiste em qualquer ação que cause prejuízo psicológico, como humilhação, chantagem, insulto, isolamento, ridicularização. Também se enquadram nesse tipo de violência o dano emocional e controle do comportamento da mulher. 

A violência sexual, que é caracterizada pelo uso da força física, é aquela que força a mulher presenciar, manter ou participar de relação sexual indesejada, enquadrando-se também nesse tipo de violência o impedimento do uso de método contraceptivo, gravidez forçada, aborto ou prostituição mediante força ou ameaça.

Já a violência patrimonial caracteriza-se por situações em que o agressor destrói bens, documentos pessoais e instrumentos de trabalho. E por fim, a violência moral que se constitui em caluniar, difamar ou cometer injúria contra a mulher.

Existem para essa legislação, no contexto de violência doméstica, três grupos vulneráveis, sendo o primeiro grande grupo composto por mulheres adultas, que sofrem todos os tipos de violência acima elencadas, por parte do parceiro ou ex parceiro. O segundo grupo é composto por crianças, meninas e adolescentes do sexo feminino, que sofrem violência sexual praticadas, na sua maioria, dentro da própria casa tendo na figura do abusador algum parente muito próximo. O terceiro grupo de vítimas é formado por mulheres com mais de sessenta anos, idosas que sofrem violência física, psicológica e material praticadas pelos próprios filhos, muitas vezes, usuários de drogas.

São três realidades bastantes distintas, que exigem estratégias de enfrentamento bastante diversas, somando-se a isso, é uma realidade mundial que as mulheres suportem a violência por vários fatores: Não se entendem como vítimas de violência, o temor de serem incompreendidas pela sociedade e familiares, medo de expor a privacidade publicamente, dependência financeira ou emocional, dentre muitos outros. 

As mulheres que denunciam as primeiras violências sofridas, via de regra tendem a se retratar, voltar atrás, entendem os especialistas ser o ônus emocional do processo bastante difícil de suportar. Os estudiosos da área comportamental apontam para um padrão denominada “ Ciclo da Violência”, onde na primeira fase inicia-se os primeiros desgastes (humilhações, ameaças). Segue-se a segunda fase com a explosão das tensões (violência propriamente dita). Na terceira fase, denominada “lua de mel”, o autor da violência desculpa-se, comprometendo-se em modificar sua conduta. E assim, muitas mulheres ficam em situações sistemáticos de abuso até que aconteça o feminicídio,que é o assassinato de mulheres por questões de gênero. 

Em relação ao que se refere a "gênero", vejamos:

Enquanto o sexo, que pode ser masculino ou feminino, é um conceito Biológico, o gênero, também feminino e masculino, é um conceito sociológico Independente do sexo. (NICOLITT, Manual de Processo Penal, RT, 2016, p. 575 e seguintes)

Para a antropóloga Maria Luiza Heilborn, a definição do termo gênero para as Ciências Sociais está diretamente ligada à construção social do sexo e serve para distinguir a dimensão biológica da social. Vale citar uma passagem do texto da autora:
"Gênero é um conceito que visa apontar para a não continuidade do sexo físico e o sexo social, e que tem sido usado por diversos campos de conhecimento. O comportamento esperado de uma pessoa de um determinado sexo é produto das convenções sociais acerca do gênero em um contexto social específico. E mais, essas ideias acerca do que se espera de homens e mulheres são produzidas relacionalmente; isto é: quando se fala em identidades socialmente construídas, o discurso sociológico/antropológico está enfatizando que a atribuição de papéis e identidades para ambos os sexos forma um sistema simbolicamente concatenado (HEILBORN, 2006, p.3).1 "
Foram muitos os avanços da justiça brasileira com o instituto da lei Maria da Penha, mas não o suficiente para tirar o País da quinta colocação dentre as nações com maior número de casos de feminicídio.

O que podemos extrair de tudo isso é o entendimento de que a violência doméstica precisa, além de ser enfrentada, ser amplamente discutida, apostando na educação das novas gerações e na conscientização acerca do respeito e da igualdade entre os gêneros.

Assim, convicções contrárias à orientação e identidade sexuais da pessoa não merecem acolhida nos dias de hoje, devendo o Poder Judiciário repelir violação ao arcabouço de direitos fundamentais da pessoa humana, em obediência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, fazendo-se necessário que se adote uma interpretação teleológica e sistemática da Lei 11.340/2006, visando a proteger não só o sexo biológico mulher, mas sim todos aqueles que se comportam como mulheres, exercendo seu papel social. 

*KELLY LIMA MARTINS



Bacharela em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau/PB;e

-Pós graduada em criminologia e psicologia investigativa criminal pela UNIPÊ/PB.








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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Só o Amor Pode Mudar


Autora: Genha Auga(*)

 (Autor desconhecido)


Chegou do hospital debilitada e ao mesmo tempo, forte para enfrentar o mal que tinha a pretensão de lhe arrebatar.


Foi repentinamente que se viu na cama de um hospital quase que à beira da morte e sem nenhum aviso prévio de problemas anteriores que sinalizassem uma possível doença ou mal que a fizesse vítima desse golpe.


Na cama, assustada e surpresa, teve tempo para rememorar alguns fatos; contabilizou as mágoas e infelicidades que a pessoa, para qual se dedicou e amou tanto, fez seu corpo somatizar emoções fortes e estressantes que a derrubaram.


Mas, no momento da dor e quase sucumbindo, amparada divinamente, pode usar a razão e lembrar-se de que aquele "ser" não merecia seu sofrimento e sua família que tanto a amava e que a amparava, merecia sua volta e superação.

Cheia de razão e de força, decidiu que sairia dali vitoriosa e, assim foi...

De volta pra casa e consciente de que a ruptura com o mal que a acometia seria importante para o resto de sua sobrevivência, resolveu com a solução que há tempos já deveria ter enxergado: o divórcio.

- Divinamente adquirimos forças para o que podemos suportar e alívio para confortar quem realmente merece nossa energia .

Ainda mal restabelecida, veio a notícia de que sua querida mãe, com idade já avançada estava com a doença do século; um câncer e suas sérias consequências que a foi debilitando e sugando aos poucos sua alegria e a abatendo com dores e uma forte depressão.

Nessa outra etapa pela qual estava passando, não se deixou cair, entendeu a lição e se debruçou de corpo e alma para aquela pessoa que desde que nasceu foi seu suporte e a quem havia negligenciado por alguém que nunca lhe cuidou.

Zelou por ela, amou-a nos momentos mais difíceis, falou-lhe palavras boas, acarinhou-a cantando sempre atenta em todos os segundos de suas intensas e últimas horas juntas. Entendeu que o amor traz tudo que precisamos ou, que a falta dele nos sucumbe, sentiu que se sua mãe em breve poderia deixá-la, mas, nesse tempo que restava, teria muito carinho e atenção, mesmo porque, se esse sofrimento se prolongasse, sua missão estaria cumprida....

Orou por ela, agradeceu por sua dedicação, pelo carinho e pelos seus acertos na sua formação como ser humano, relembraram alegrias, choraram juntas as tristezas passadas, perdoaram-se, aceitaram-se e entenderam o sentido da existência.

Abraçaram-se agradecidas e felizes. A filha olhou docemente para a mãe que pairou seu olhar no céu...

Mesmo com todo mal que sofrera, foi com o tempo que retomou a autoestima e sua mãe pode ver a filha recuperada. E assim, serenamente ela se foi!

Foram libertadas pelo amor, mas, fortalecidas pela dor para suas "novas vidas"... 

*GENHA AUGA



-Bacharel em Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo Impresso -(MTB: 15.320);
-Cronista do Jornal online “Gazeta Valeparaibana” - desde fevereiro de 2012;e
-Direção Geral da Trupe de Teatro “Seminovos” – Sede de ensaios no Teatro João Caetano de São Paulo (Secretaria Municipal de Cultura-Prefeitura de São Paulo) – autora de textos e roteiro - desde 2015 com apresentações em Teatros, CEUs, Saraus, Hospitais, Escolas, Residenciais para Idosos, Centros de Convivências, Eventos, Instituições de Apoio às Crianças Especiais




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domingo, 27 de outubro de 2019

O Mecanismo Nosso de Todo Dia


Autora: Thelma Domingues(*)

É com prazer que volto a escrever para o Blog do Werneck e em tempos sombrios este tema é apropriado. Como se defender do que nos acontece, atravessa e afeta. Seria possível sustentar a dura realidade sem os nossos mecanismos de defesa?

É na infância se inicia a construção do mecanismo de defesa junto com a constituição psíquica e enfrentar os desafios da vida. Freud (1905/1976) diz, "na compreensão psicanalítica a infância é um tempo fundamental do ciclo vital, pois nela estrutura-se o psiquismo e se constituem os recursos defensivos para enfrentar demandas da vida."

Apesar de conhecermos muitos tipos dos mecanismos de defesa, cada individuo, de acordo com sua estrutura psíquica, sua interação social e o seu ambiente em que habita, irão determinar mecanismos de defesa predominante em cada um. 

Bom, para avançar nos mecanismos de defesa, devemos entender a função do ego, que é enfrentar a necessidade de reduzir a tensão e aumentar o prazer, tendo que de controlar ou regular os impulsos do Id de modo que o individuo possa buscar soluções menos imediatas e mais realistas. O ego é obrigado a tomar algumas medidas para diminuir a tensão provocada pela ansiedade. A ansiedade pode se desenvolver quando a ameaça a alguma parte do corpo ou da psique muito grande para ser ignorada, dominada ou descarregada. 

São eles:

Na repressão, você manda um sentimento para o inconsciente;

Na negação, você nega uma realidade;

Na racionalização, você dá uma nova roupagem à uma ação;

A formação reativa inverte a realidade: diz uma coisa querendo dizer outra;

Na projeção, você projeta no outro algo que é seu;

O isolamento separa o fato do afeto;

Na regressão, você volta a um estágio anterior do crescimento.

É importante ressaltar que os mecanismos de defesa são meios que o inconsciente utiliza para evitar sofrimento ou desprazer. Para Bucher (1989), defini o processo psicoterápico como "uma interação entre paciente e terapeuta que envolve a circulação de determinado material oriundo dos conflitos inconscientes...". 

Na psicoterapia, só com o rebaixamento dos mecanismos de defesa, trabalhamos com o inconsciente, através de algumas técnicas, para que o paciente possa perceber e elaborar melhor seus conteúdos, e assim, elaborá-los para poder resinificar, e muitas vezes, encontra outras possibilidades , a partir de suas escolhas mais autênticas.

É preciso nos desarmar para viver,

É preciso nos desamar para conviver,

E por fim, é preciso desamar para amar.

Até a próxima.



TAGS

mecanismo de defesa; psicanálise; negação; Freud; projeção; ego


Fontes


*THELMA DOMINGUES

Psicóloga clínica;
-Graduação em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá - RJ(2018);
-Pós-Graduação em Psicopedagogia Institucional e Educação Especial pela Universidade Veiga de Almeida - RJ (2014);
-Pós-Graduação em Psicopedagogia Clínica  pela AVM-UCAM- RJ(2018)
-Experiência em Saúde Mental na rede de Atenção Psicossocial;
-Atualmente é diretora da Clínica da Ponte(RJ), professora, colunista e  palestrante.







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