“Festa estranha com gente esquisita”. Essa frase ficou martelando em minha cabeça por uns três dias. Jovens, de em média 18 anos, se reuniram em minha casa para comemorar a maioridade de minha sobrinha. A atração principal do evento era a cerimônia do Oscar e a maioria deles tinham palpites sobre os possíveis agraciados com a estatueta. Até aí, nada aparentemente estranho. Porém, era tudo muito esquisito.
Ninguém podia fazer piada machista, racista ou homofóbica. Os ânimos sempre se acirravam quando o assunto era a situação política do nosso país. Falavam abertamente e sem receios sobre as idas ao psiquiatra e sobre os transtornos psíquicos da atualidade. Cabelos ao vento, sem alisante; cada um com seu estilo, roupas simples. Tinha hetero, gay e lésbica. Eles não falavam sobre suas perspectivas em relação ao trabalho, ao estudo...essas coisas da vida. O que realmente me fez achar aqueles jovens esquisitos?
Tentar entender o que se passa com a nossa juventude é o mínimo que os educadores deste tempo podem fazer. Não basta fórmulas e olhares preconceituosos contra algo que é parte do nosso presente e futuro, quiçá do nosso passado. Eu não poderia passar mais dias pensando que são esquisitos, seria uma simplificação e uma acomodação que não cabe à quem se lançou ao desafio de educar. Também não pretendo analisar uma geração, precisaria de um distanciamento no tempo que talvez não terei, tampouco quero ser arrogante e achar que os jovens da minha geração eram melhores do que os jovens de hoje. Desculpe meninos, mas eu realmente os julguei como esquisitos.
De certo, que a falta de perspectivas em relação ao que fazer com a própria vida foi o que mais me chocou. Porém compreendo que este tema é a aflição desta geração que vivencia a maior crise econômica do país, que não tem emprego e ao mesmo tempo precisa se virar para sobreviver. Mais de 46% dos jovens entre 18 e 24 anos, apenas trabalham, muitos porque tiveram que abandonar a escola para garantir seu sustento e de sua família. Associada a crise econômica temos o sucateamento das escolas, um tanto enfadonhas para a juventude símbolo da evolução tecnológica, que encontra tudo que consideram importante na internet.
Também essa geração é a primeira que vive de forma tão intensa o novo conceito de família. Durante
a festa, eles me perguntaram porque a aniversariante mora comigo? Eu disse: porque nos amamos. Sim, essa
é a resposta mais justa, porém há neste contexto de novos arranjos familiares, uma questão central. As
mulheres da minha geração decidiram não ficar presas a relações tóxicas e agiram com sororidade. Isso fez
uma diferença enorme no conceito de família e esses jovens são os primeiros a viver esse novo formato.
Então, esses meninos esquisitos são fruto de decisões que nós tomamos. Decisões acertadas, importantes e
históricas, que não devemos voltar atrás. Fomos nós que ensinamos a eles ter orgulho da pele negra e do
cabelo crespo! Ensinamos que as relações devem ser baseadas no amor, que todos somos iguais, que devemos
respeitar as diferenças, que devemos lutar por nossos direitos; então porque agora eu os achei esquisitos?
Lembro, que quando estavam ocupando as escolas contra a emenda constitucional que congelou os
gastos públicos, eu disse que essa geração ia fazer diferente. Eu olhei com ânimo as iniciativas destes mesmos
jovens indo para a rua ensinar cidadania e acreditei neles. Agora, é hora reafirmar essa crença, porque eu não
posso olhar para toda uma geração e dizer que ela está perdida porque eu achei esquisita. Seria um engano e
um erro não entender que essa juventude está tentando encontrar um caminho, sobreviver a crise política e
econômica, reformar de verdade as escolas... Esse caminho não é fácil, é tortuoso e cheio de voltas. Minha
geração, por exemplo,tomou na decisão de colocar seu rumo na mão de um partido e de um presidente, um
quase semideus que nos enganou. Então confesso, todos temos fragilidades.
Para delírio da turma que estava festejando, o filme ganhador do Oscar tem uma mulher trabalhadora
como protagonista, discute a tolerância às diferenças e a beleza da resistência, refletindo esse momento cheio
de novas perspectivas. Novamente, me desculpem, preciso continuar aprendendo com as esquisitices de
vocês. Então, podemos deixar de lado os julgamentos e preconceitos e nos juntarmos para mudar o que
realmente interessa. Vamos?
POR ANA PAULA SANTANA
-Graduada em Pedagogia e Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais;
- Ministra formação de professores visando implantar estratégias para o ensino de jovens e adultos;e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia e compõe o quadro de diretores do Centro Integrado de Apoio ao Trabalhador.
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