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sábado, 1 de abril de 2023

Premissas e desafios para a educação do século XXI




 Autora: Mariana Guatura (*)

A sociedade atualmente passa por transformações tão rápidas que o nosso grande desafio é o de acompanhá-las e implementá-las em nosso cotidiano. Uma prova disso são as inovações tecnológicas, as quais se modificam em períodos tão curtos que é praticamente impossível se manter atualizado com os aparelhos ou recursos mais recentes produzidos.

As inovações tecnológicas são apenas um dos diversos exemplos capazes de demonstrar as mudanças pelas quais passamos em nosso dia a dia. Ao se considerar o aspecto social, é impossível não se pensar na educação e, mais especificamente, na inserção das escolas em um ambiente que passa por rápidas transformações. Deste modo, questiona-se: enquanto ambiente transformador da sociedade, como deve ser a educação do século XXI?

Inicialmente, a escola precisa ser um ambiente em que os estudantes sejam capazes de, mais do que ser ensinados, ser capazes de desenvolver as suas habilidades e as suas competências. A escola deve ser o local em que serão formados líderes, é onde se deverá aprender a trabalhar em equipe, é o local em que os alunos aprenderão a falar em público e poderão desenvolver outras competências. Tais competências serão utilizadas não somente no momento das aulas, mas em toda a trajetória de vida do aluno.

Além das competências, é fundamental que a escola do século XXI propicie aos seus educandos o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades, o saber fazer. Neste sentido, é importante destacar também a mudança do papel da escola com o passar dos anos. Se antes os professores atuavam como transmissores do conhecimento (na era em que não existia o Google), hoje em dia é preciso que os docentes atuem como mediadores do conhecimento uma vez que a informação e o conhecimento estão disponíveis ao alcance de todos. Se há algumas décadas os alunos obtinham todo o conhecimento na escola, atualmente eles chegam às escolas repletos de conhecimentos e o novo papel do professor é o de conduzir o aluno para que este construa o conhecimento a partir das suas vivências.

É preciso que, na escola do século XXI, o conhecimento construído pelo aluno verdadeiramente faça sentido para a sua vida. Deste modo, a partir do momento em que o aluno perceber que o conhecimento construído na escola pode (e deve) ser aplicado em seu dia a dia, acredita-se que o aluno terá vontade em aprender. Faz-se necessário que o conhecimento não fique restrito apenas ao ambiente escolar, mas sim seja efetivamente aplicado para solucionar as demandas do cotidiano e impactar positivamente a sociedade em que se vive.

É importante destacar que algumas das premissas aqui discutidas fazem referência a Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel, teoria cognitivista proposta na década de 60 que vem ao encontro das necessidades apresentadas pela escola do século XXI.

A receita parece ser fácil de seguir, mas todos os que lecionam ou desempenham outra função nas escolas sabem bem o quão desafiador é colocar todas essas premissas em prática. São várias as escolas que não possuem estrutura física, não dispõem de material ou equipamentos, as salas de aulas são lotadas, as famílias não participam, os professores estão desmotivados por possuírem uma carga horária imensa de trabalho, dentre inúmeros outros problemas sociais que interferem diretamente no aprendizado dos alunos. Diante de tantas mazelas, como colocar em prática os pressupostos discutidos anteriormente?

É no mínimo inquietante pensar em como deve ser a educação do século XXI enfrentando as situações supracitadas. Acredito que, mesmo diante das dificuldades, devemos oferecer o nosso melhor aos alunos, mostrando a eles a importância que o conhecimento tem para as suas vidas e o quanto eles são importantes para buscar as transformações sociais que todos queremos. Que tal formarmos uma corrente para colocar isso em prática?

Referência:

BRASIL. Aprendizagem significativa – breve discussão acerca do conceito. 
Disponível: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/aprofundamentos/191-aprendizagem-significativa-breve-discussao-acerca-do-conceito> Acesso em 26 mar. 2023.

*MARIANA DOS SANTOS SIQUEIRA GUATURA




-Graduação em Biologia pelo UNIFATEA (2009);
-Especialização em Gestão Escolar pelo UNIFATEA (2012);
- Mestre em Ciências pela Escola De Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (2016);
- Professora preceptora do Programa Residência Pedagógica (UNIFATEA/CAPES) na EE Gabriel Prestes (Lorena/SP); 
-Coordenadora de Gestão Pedagógica da EE Gabriel Prestes e
-Professora de Ciências na EM Prof. Climério Galvão César (Lorena/SP).
Currículo Lates: http://lattes.cnpq.br/0653319436604048
Contatos:
Linkedin : Mariana dos Santos Siqueira Guatura;
E-mail: mariana.guatura@educacao.sp.gov.br

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sábado, 25 de julho de 2015

O fundamento da moral em Schopenhauer, uma comparação com a ética Kantiana




O mundo para Schopenhauer, enquanto manifestação da coisa-em-si, não tem sentido, pois é pura vontade. Para lhe dar um sentido moral é necessário buscar um sentido onde ela não exista: na arte e na compaixão, esta que, para o filósofo, é sozinha a base de toda justiça e de toda caridade autêntica. Para ele, somente a compaixão é desinteressada, livre do egoísmo, do ímpeto para a existência e bem-estar.

A moral dada a priori em Kant, pelo imperativo categórico, ou seja, uma lei que seguimos e ao mesmo tempo somos autores, é baseada no dever, cuja efetivação relaciona-se à idéia do Bem, ao qual o próprio sujeito determina. O problema, porém, é que uma moral baseada no dever não é desinteressada, pois há por trás dela a promessa de uma sanção, que a torna hipotética e, por isso, não poderia ser fundamentada dessa forma: se o imperativo categórico não funciona sempre, não pode ser absoluto e incondicional. Assim a felicidade não é, para Schopenhauer, consequência da virtude, e sim uma ética que sem pressupostos metafísicos não poderia estar fundamentada sobre o “tu deves”. Schopenhauer critica Kant por afirmar que a ação só tem valor moral quando acontece simplesmente por dever, sem qualquer tendência exterior relacionada com ela. Podemos tirar daí, como faz Schopenhauer, que a moral kantiana é fria, onde se ajuda o próximo por obrigação e nada mais, indiferente a seu sofrimento.

A afirmação de Kant, citada por Schopenhauer, de que a filosofia prática não se trata de dar fundamentos àquilo que acontece, mas leis daquilo que deve acontecer, mesmo que não aco
nteça e de que existem leis morais genuínas tem origem na idéia de dever. Para Schopenhauer, as leis morais não podem ser admitidas sem prova, pois, uma ética a priori, como quer Kant, é formal, consistindo apenas no conteúdo das ações. Não sendo, então, demonstrável empiricamente. O que nos leva a pensar que em Kant a moral é prescritiva, enquanto que em Schopenhauer é descritiva, baseada em fatos, empírica.

Para Schopenhauer, a moral deve ser baseada no que é, isto é, no que acontece realmente e não se dá como em Kant, a priori. Pelo contrário: só podemos conhecer nossas respostas perante os acontecimentos. A moral está na intenção, quer dizer, nos atos, que se toma sem interesse próprio, egoísta, ou seja, sem a preocupação com o resultado ou com o retorno que ele trará. A compaixão é resultado da experiência do indivíduo que se reconhece nos outros, quebrando a ilusão do princípio de individuação, e, por isso, refere-se a algo que já se deu, não programado pela razão. Exceto pela compaixão, todas as ações humanas são baseadas no egoísmo próprio da vontade. Não podemos saber como reagiremos à determinada situação antes que ela se apresente. A moral, baseada em fatos e não em especulação é simples e pode falar até mesmo para o homem mais rude.

Ao dar importância primária à vontade, Schopenhauer afirma que nela deve ser buscado o sentido moral do mundo, enquanto que na ética proposta por Kant temos o pensamento de que o ser íntimo e eterno do homem consistiria na razão. Se o homem tivesse essas leis à priori, como quer Kant, deveríamos supor que ele terá de se conformar com elas e seguí-las, pois, caso contrário nada valeriam. Para Schopenhauer, a motivação moral tem de ser simplesmente algo que se anuncie por si mesmo, portanto, real; e como para o homem só o empírico ou o que porventura é empiricamente existente tem realidade, a motivação moral tem de ser, de fato, empírica.

Em Schopenhauer temos que o comportamento racional não traz, de forma alguma, retidão e caridade, mas, pelo contrário, podemos sim agir racionalmente de forma malévola e egoísta. Uma ética do dever pode me levar a fazer caridade, não pelo dever, mas para experimentar, enquanto o egoísmo se veste de cordialidade para usarmos pessoas como meios para nossos fins. Isso não quer dizer que somos éticos, mas o contrário. Não podemos esperar que o querer por dever do imperativo categórico se livre de interesses.

Ao fazer uma análise do que seria a consciência, Schopenhauer nos diz que o imperativo categórico kantiano é algo similar àquela, mas que este age antes, enquanto que aquela fala depois. O fato, porém, é que todos os homens têm, às vezes, pensamentos mesquinhos e maldosos sem que sejam responsáveis por eles, pois eles dizem respeito a atitudes que qualquer ser humano poderia tomar, não necessariamente aquele que os teve. Em muitos casos eles sequer podem se tornar realidade. Só nas ações o indivíduo aprende a se conhecer, pois essas são conhecidas e não pensadas. Nossa responsabilidade moral reside, segundo Schopenhauer, no que fizermos e o que poderíamos ter feito de outra maneira: se podemos reconhecer nossas ações, reconhecermos nossas obras, somos responsáveis por elas, pois trazem nossa marca. Comparando a moral de Schopenhauer com a de Kant, percebemos que a primeira é muito mais “humanizada”, pois pressupõe a existência de instintos.

A questão, nesse ponto, é que a responsabilidade sobre nossos atos pressupõe possibilidade que, por sua vez, pressupõe liberdade. Este é, então, determinado e só realizará as ações que estiverem contidas em seu caráter inteligível. Dessa forma nossa liberdade não está em nossas ações, mas em nossa essência, aquilo que nos determina, que é assim, mas poderia ser outro. A responsabilidade está no que se é, e não no que se faz.

Schopenhauer chama nossa atenção para o fato de que, quando uma pessoa toma uma atitude desinteressada, compassiva, em relação a outrem, causa espanto e comoção, devido à raridade com que isso acontece, por não ser próprio do egoísmo com que estamos acostumados. A questão que deve ser resolvida é se há ações de justiça espontânea e caridade desinteressada, e tal questão, embora empírica, não deve ser resolvida somente na experiência, pois nela vemos a ação, não os impulsos, qualquer interesse tira a moralidade da ação. Para ele, a própria justiça, como virtude, tem origem na compaixão.

A moralidade de uma ação está em sua relação com os outros, podendo ser justa e caridosa ou mesmo o contrário. Ações morais caridosas são as que deixam o indivíduo com uma sensação de contentamento consigo mesmo, que visam apenas o bem estar de outra pessoa, enquanto que seu contrário é causado por uma alegria maligna, um prazer em causar danos ao outro. Se visarmos o bem estar do outro, ele se torna o télos de nossa vontade e passamos a querer seu bem imediatamente, como se fossemos nós mesmos, havendo então identificação através de sua representação em nossa cabeça, na medida em que nossa ação anuncia a diferença como suprimida. Com isso temos, então, participação imediata no sofrimento do outro, vemos o não-eu tornar-se eu.

Com isso, Schopenhauer pergunta se a compaixão é a motivação de toda justiça e caridade desinteressadas, por que uma pessoa e não outra é por ela movida? A resposta, encontrada pelo filósofo na filosofia kantiana, está na diferença de caráter, explicada pela diferença citada anteriormente entre caráter empírico e caráter inteligível. Para estes a saída seria apenas por uma ilusão, desviando sua vontade, mas não proporcionando alguma melhora. Para isso seria necessário trabalhar com a razão, tentando oferecer algum esclarecimento.

Para concluir, Schopenhauer aponta a compaixão como sendo identificável na prática, mas tão difícil de expor à razão. Nisso se baseia a crença do filósofo de que é ilusão uma vontade determinada no homem apenas pela razão.

Por VALTER PEDRO BATISTA

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-Mestrando em Educação pela UNIFESP; 
-Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo-USP;
-Licenciado em Pedagogia pela Universidade Bandeirante de São Paulo-UNIBAN;
-Professor de Filosofia da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo; 

-Professor e Coordenador do Núcleo de Atividades Online na Faculdade Sumaré; e 
 -Diretor Acadêmico no Instituto Parthenon.

A Ética em Epícuro



A doutrina de Epicuro surgiu em um momento de insatisfação com a condição das Cidades-Estados gregas. A vida social na Pólis era leviana e marcada pela injustiça social. O poder se concentrava nas mãos de poucos: a aristocracia urbana. Não havia felicidade entres os homens no contexto social, no qual as pessoas se interessavam estritamente pelas riquezas e pelo poder; no contexto religioso, no qual predominava a superstição, a religião tornou-se servil, cercada de mitos e ritos sem significação e também crescia a procura por oráculos e a crença em adivinhações. As pessoas gozavam dos prazeres mais supérfluos advindos das riquezas e, assim, eram relativamente felizes, pois estavam se esquecendo do que realmente proporciona a felicidade. Foi a partir disso que Epicuro criou sua doutrina contra a superstição e os bens materiais, voltada para uma reflexão interior e busca da verdadeira felicidade.

Essa doutrina é dividida em canônica, física e ética. Porém, as duas primeiras partes são esclarecimentos para a fundamentação da ética, visto que as ciências naturais só são importantes na medida em que servem de auxílio à moral. Nenhuma teoria é válida se não possuir um objetivo moral, o qual não possa ser aplicado na vida prática. A finalidade de sua ética consiste em propiciar a felicidade aos homens, de modo que essa possa libertá-los das mazelas que os atormentam, quer advenham de circunstâncias políticas e sociais, quer sejam causadas por motivos religiosos.

A Felicidade é alcançada por meio do controle dos medos e dos desejos, de maneira que seja possível chegar à ataraxia, a qual representa um estado de prazer estável e equilíbrio e, consequentemente, a um estado de tranquilidade e a ausência de perturbações, pois, conforme Epicuro, há prazeres maus e violentos, decorrentes do vício e que são passageiros, provocando somente insatisfação e dor. Mas também há prazeres decorrentes da busca moderada da Felicidade.

Segundo Epicuro, a posse de poucos bens materiais e a não obtenção de cargos públicos proporcionam uma vida feliz e repleta de tranquilidade interior, visto que essas coisas trazem variadas perturbações. Por isso, as condições necessárias para a boa saúde da alma estão na humildade. E para alcançar a felicidade, Epicuro cria 4 “remédios”:

1. Não se deve temer os deuses;

2. Não se deve temer a morte;

3. O Bem não é difícil de se alcançar;

4. Os males não são difíceis de suportar.

De acordo com essas recomendações, é possível cultivar pensamentos positivos os quais capacitam a pessoa a ter uma vida filosófica baseada em uma ética. A felicidade se alcança através de poucas coisas materiais em detrimento da busca do prazer voluptuoso. O homem ao buscar o prazer procura a felicidade natural. No entanto é necessário saber escolher de modo que se evite os prazeres que causam maiores dores; quando o homem não sabe escolher, surge a dor e a infelicidade.

O sábio deve saber suportar a dor, visto que logo essa acabará ou até mesmo as que duram por um tempo maior são suportáveis. A conquista do prazer e a supressão da dor se dão pela sabedoria que encontra um estado de satisfação interna. A virtude subordinada ao prazer só pode ser alcançada pelos seguintes itens:
Inteligência – a prudência, o ponderamento que busca o verdadeiro prazer e evita a dor;
Raciocínio – reflete sobre os ponderamentos levantados para conhecer qual prazer é mais vantajoso, qual deve ser suportado, qual pode atribuir um prazer maior, etc. O prazer como forma de suprimir a dor é um bem absoluto, pois não pode ser acrescentado a ele nenhum maior ou novo prazer.
Autodomínio – evita o que é supérfluo, como bens materiais, cultura sofisticada e participação política;
Justiça – deve ser buscada pelos frutos que produz, pois foi estipulada para que não haja prejuízo entre os homens.

Enfim, todo empenho de Epicuro tinha como meta a felicidade dos homens. Nos jardins (comunidade dos discípulos de Epicuro) reinava a alegria e a vida simples. A amizade era o melhor dos sentimentos, pois proporcionava a correção das faltas uns dos outros, permitindo as suas correções. Com isso, a moral epicurista é baseada na propagação de suas ações, pois ele não se restringiu apenas ao sentimento e ao prazer como normas de moralidade, mas foi muito além de sua própria teoria, sendo o exemplo vivo da doutrina que proferia.

Postado em http://www.brasilescola.com/filosofia/a-etica-epicuro.htm
Por JOÃO FRANCISCO P.CABRAL

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-Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU e

-Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

sábado, 11 de julho de 2015

O Conceito de Ética Racional





"A ética kantiana está centrada na noção de dever.

Parte das idéias da vontade e do dever, conclui então pela liberdade do homem, cujo conceito não pode ser definido cientificamente, mas que tem de ser postulado sempre, sob pena de o homem se rebaixar a um simples ser da natureza.

Kant também reflete, é claro, sobre a felicidade e sobre a virtude, mas sempre em função do conceito de dever. É famosa, na obra de Kant, sua formulação do chamado “imperativo categórico”, nas palavras: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. - Kant reconhece que esta é apenas uma fórmula, porém ele, que gostava tanto das ciências e que não tinha a intenção de criar uma nova moral, estava apenas preocupado em fornecer-nos uma forma segura de agir.

Sua ética é, pois, formal, - alguns até dirão formalista. Ora, o nosso pensador alemão, com seu imperativo categórico, nos forneceu, na prática, um critério para o agir moral. Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente,) - o que aliás tu tens de fazer - age então de uma maneira realmente universalizável. Pois aqui está o segredo da ética kantiana: A universalização das nossas máximas (em si subjetivas) é o critério.

A moral kantiana, de certo modo, também pressupõe um conceito de homem, como um ser racional que não é simplesmente racional.

Portanto, um ser livre, mas ao mesmo tempo atrapalhado por inclinações sensíveis, que ocasionam que o agir bom se apresente a ele como uma obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre sua parte sensível.

O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito, e sim dual.

Mas o dever, quando nos força, obriga a fazer aquilo que favorece a liberdade do homem, porque o homem é um ser autônomo, isto é, sua liberdade, no sentido positivo, consiste em poder realizar o que ele vê que é o melhor, o mais racional.

Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, ao lado das causas naturais que pertencem, como diz Kant, (à maneira newtoniana,) ao mecanismo da natureza.

O homem, neste sentido, é legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que vê o que deve ser feito, e é membro ou súdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão lhe formula.

Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é por isso que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, tão-somente como um meio, mas sempre pelo menos também como um fim em si.

É o que Tugendhat cha
maria uma ética do respeito à pessoa."

Por  ALVARO L.M. VALLS 



-Prof titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS

Uma transvaloração dos valores




Desde a filosofia de Sócrates até os nossos dias, percebemos que muito se fala de moral. Segundo Nietzsche, porém, as pessoas não sabem muito bem o que é verdadeiramente “moral” e chegam a confundi-la com o bem e mal. Para buscar compreender a questão, colocamos também nós a pergunta: qual a origem da moral? O que é a moral? Ela é mutável? Ela é única ou existem várias “morais”? Qual a sua história? O ressentimento seria criador de uma moral? Qual a sua importância para a vida do ser humano?

Nietzsche constata que tudo que recebera de conceito sobre a moral advinha de leis, tradições e instituições que não podiam garantir a veracidade do conceito de moral. Portanto, o filósofo alemão constrói sua filosofia baseada numa crítica à moral, aos valores que foram impostos pela sociedade. A obra “Genealogia da Moral: Uma Polêmica” realiza uma crítica radical ao conceito que recebera de moral[1]. O filosofo diz: “não vejo ninguém que tenha ousado fazer uma crítica dos juízos de valores morais […]. Até o momento ninguém examinou o valor da mais famosa das medicinas chamada moral: […]. Esse é justamente nosso projeto” [2].

Nietzsche critica em primeiro lugar a pessoa de Sócrates juntamente com toda a tradição filosófica que não se preocupou em questionar o conceito de moral. Pelo contrário, acreditam cegamente nessa moral. “Na qualidade de toda tradição filosófica, Sócrates é ao mesmo tempo repugnante e fascinante”. [3] Como se não bastasse uma crítica a toda a tradição filosófica, estende-a também à metafísica que transporta suas respostas para um plano que está para além da realidade. “O fim da fábula, anunciando o zênite da humanidade sem “ídolo”, ensinada por “Zaratustra”. Este ídolo de um “mundo verdadeiro” é o protótipo da metafísica, necessariamente dualista, venerando um além imaginário, batizado de “o ser”, “Deus” ou “a coisa em si””. [4] Com essa crítica à metafísica propõe ao ser humano que ele seja o seu criador, seja responsável por criar um mundo mais autêntico e sem fábulas, sem projetar sua vida para algo que esteja fora dessa realidade.

O filósofo chega à conclusão de que a moral é uma interpretação que busca atender às necessidades e interesses pessoais.

A moral surge como um aglomerado de normas para controlar o comportamento do grupo humano em que está inserida por intermédio de valores que foram construídos pelo que, muitas vezes, conhecemos como costumes e tradição (de geração a geração, os valores são passados de pais a filhos sem maiores questionamentos e, quando tais valores não correspondem mais aos valores impostos pela sociedade, aí então certos “costumes” são colocados abaixo) (SOUSA, 2009, p.14).

Ao analisarmos a história do cristianismo podemos perceber que, muitas vezes, a moral “esteve a serviço do grupo dos que, também em grupo ou como ditadores, manipulam esse grupo maior que é a humanidade”. [5] Nietzsche constata que a moral é relativa, mutável levando em conta o meio no qual esteja inserida, com seus fortes e fracos. Por isso deseja que os homens não se submetam aos valores morais que são tidos como bem e mal. [6]

Segundo Sousa (2009), a história da moral não passou de formas de controle do pensamento e das ações humanas através das instituições. Ao perceber que as instituições são as principais responsáveis por transmitir a moral, Nietzsche afirma que essa moral está muito distante de ser aquilo que deveria ser. E propõe que se viva de uma forma diferente: com mais intensidade, autenticidade e sem projeções para uma vida futura. Isto seria viver de forma mesquinha esperando que essa força de viver viesse das classes dominantes ou das instituições. [7]

A grande proposta do nosso autor é que aconteça uma transvaloração de todos os valores que foram recebidos e negados, proibidos. A moral consiste na “transvaloração de todos os valores, em um desprender-se de todos os valores morais, e um confiar e dizer Sim a tudo o que até aqui foi proibido,desprezado, maldito”[8]. Visto que não se pode confiar nos conceitos recebidos de moral, pois são impostos, transvaloração é questionamento dos valores transmitidos como absolutos. É fazer uma releitura mais aprofundada, tirar a visão sagrada do ser humano. “Suspeitando do valor da moral, a genealogia pretende desvalorizar os valores prevalentes até então” [9]. Transvaloração é rompimento com o homem ideal pela tradição para que se tenha o homem real, este que não segue e sofre as consequências de não aderir aos valores impostos, isto é, não ter medo de ser tachado como imoral por não segui-los, visto que o conceito que se tem de “bem e mal” varia de pessoa para outra.

Num segundo momento, o autor preocupa-se em fazer uma crítica ao cristianismo, à igreja, aos padres que, em seu ponto de vista, se valeram de argumentos e outras coisas mais para se criar um pensamento fraco, limitado e coercitivo. “Os sacerdotes querem exatamente a degeneração do todo, da humanidade: por isso conservam o que degenera. A este preço eles a dominam… Que sentido têm aqueles conceitos mentirosos, os conceitos auxiliares de moral, “alma”, “espírito”, “livre-arbítrio”, “Deus” se não o de arruinar fisiologicamente a humanidade?…”. [10] Segundo Nietzsche, quando se retira o olhar do corpo e se preocupa com a “salvação da alma” , isso é uma ruína do ser humano, pois o tira do cento de sua vida, inibe-o na realização de si como pessoa, o que Nietzsche chama de “ausência de si” [11]·. Não nos resta dúvida de que as diversas aplicações e exigências da moral são na realidade uma forma de não deixar surgir a verdade sobre o lamentável oposto disso, isto é, que a humanidade esteve nas mãos dos sacerdotes.[12] A proposta do filósofo é que se faça um retorno no tempo e de apresentar que jamais houve “A Moral”, uma moral objetiva, absoluta. O que existem são “pequenas morais”, particulares, a partir de interesses. Destas, o cristianismo representa o seu apogeu[13]. A moral não tem Deus como origem ou espírito, mas os homens e, mais profundamente ainda, suas vontades e instintos[14].

Segundo Machado (1999), Nietzsche testifica que a sociedade, enquanto poderosos e instituições, é a principal responsável por criar os valores para toda a humanidade, mas sempre julgando se são ou não nocivos a si mesma[15]. Os valores de morais, segundo Nietzsche, são criados, em um primeiro momento, pelos nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento em oposto a tudo que se tem como baixo, vulgar plebeu, e sempre tendo como base seus próprios interesses. [16] Devido aos nobres se considerarem os superiores e por causa da distância de posição e pensamento, “tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a utilidade.” [17] Mas o cristianismo, em segundo momento, inverte isso, fazendo nascer de si o espírito do ressentimento, e não, como se crê, do espírito, a grande revolta contra a dominação dos valores nobres[18]. Não são mais os nobres que criam a moral, mas os pobres, os fracos. Na obra “Genealogia da Moral”, são apresentados três argumentos para esse tipo de niilismo: o ressentimento, a má consciência e o ideal ascético.[19]

A respeito do ressentimento podemos dizer que é um termo técnico para designar a força dos fracos contra os fortes. Contribui para a criação de uma nova moral, moral do ressentimento, esta que se volta, pensa, favorece os fracos, e não os fortes, os poderosos. Este termo serve de crítica genealógica[20]. Por ele, propõe-se ao ser humano um voltar-se para si e se servir de forças para combater o poder dos melhores que se impõem. O fracassado tem consciência do que é, porém não possui força suficiente para se alegrar, o que incorre um desprezo de si, cansa, desgosta, despreza a si mesmo[21]. Por isso, o cristianismo é acusado, por Nietzsche, de alimentar uma ideia fraca no ser humano e consequentemente um ressentimento contra os valores aristocratas[22]. Visto que todos os seres humanos sempre desejam, querem e que os sacerdotes os alimentam com uma ideia fraca, isso acaba gerando seu aniquilamento, faze-nos pequenos, impede-nos de pensar, induze-nos a querer o nada[23].

Vimos, pois, em primeiro lugar, que a obra “Genealogia da Moral” é uma crítica feita a toda a tradição filosófica, à metafísica e ao cristianismo. Estes teriam forjado um conceito de moral que atendesse aos interesses e desejos das maiorias. E em segundo lugar, que a moral, para Nietzsche, não advém de leis ou instituições. Mas de um questionar o conceito de moral que fora recebido até então pela tradição filosófica, pala metafísica e pelo cristianismo, fazer uma releitura no que fora passado de geração para geração como indubitável, isso engendraria uma moral que proporcionará ao ser humano viver de forma mais autêntica, intensa, espontânea.

Referências

CAMUS, Sébastien et al. 100 obras-chave de filosofia. Trad. Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2010.

LEFRANC, Jean. Compreender Nietzsche. Trad.Lucia M. Endlich Orth. Petrópolis: vozes, 2005.

MACHADO, Roberto Cabral de Melo. Nietzsche e a verdade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Ecce Homo: como alguém se torna o que é. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

______. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: companhia das letras, 1998.

SOUSA, Mauro Araujo de. Nietzsche: viver intensamente tornar-se o que se é. São Paulo: Paulus, 2009. (Coleção Filosofia em questão).

[1] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia de moral. prefácio, § 2.

[2] MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. p. 59.

[3] CAMUS, Sébastien et al. 100 obras-chave de filosofia. p. 20.

[4] CAMUS, Sébastien et al. 100 obras-chave de filosofia. p. 21.
[5] SOUSA, Mauro. Nietzsche. p. 14.

[6] SOUSA, Mauro. Nietzsche. p. 15.

[7] SOUSA, Mauro. Nietzsche. p. 16.

[8] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. “Aurora”, § 1.

[9] MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. p. 69.

[10] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. “Aurora”, § 2.

[11] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. “Aurora”, § 2.

[12] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. “Aurora”, § 2.

[13] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia de moral. I § 6.

[14] CAMUS, Sébastien… [et al]. 100 obras-chave de filosofia. p. 106.

[15] MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. p. 63

[16] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia de moral. I, § 2.

[17] NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia de moral. I, § 2.

[18] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. “Genealogia da moral”, § 1.

[19] NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. “Genealogia da moral”, § 1.

[20] LEFRANC, Jean. Compreender Nietzsche. p. 155

[21] LEFRANC, Jean. Compreender Nietzsche. p. 155

[22] LEFRANC, Jean. Compreender Nietzsche. p. 146

[23] LEFRANC, Jean. Compreender

Postado em 02.11.2011 emhttp://pensamentoextemporaneo.com.br/
Por ALESSANDRO FERREIRA DE ANDRADE  BLANK