Conforme se aproximam as eleições de outubro, que este ano irão definir não apenas o novo(a) presidente da República, mas também os novos governadores(as) e deputados estaduais, mais evidentes são as pautas que irão predominar no debate político do país, a saber, a retomada do crescimento econômico e a segurança pública. Pautas que demonstram, além da ausência de um projeto de país, um forte imediatismo e um sentimento de medo que perpassa a população.
Fato que não chega a espantar, mas que preocupa, é a quase total ausência da pauta educação nas falas durante as entrevistas e nos discursos dos pré-candidatos. O que já assinala que a educação continua não sendo prioridade no país.
Contudo, enquanto a educação for marginalizada do debate eleitoral, tratada como gasto e não como um investimento estratégico para o desenvolvimento do país, incluída no ajuste fiscal e subordinada ao teto de gastos, como no caso da leviana PEC 55, aprovada em 2016 e que congela os limites orçamentários de saúde e educação por um prazo de vinte anos, qualquer projeto de país minimamente sério, está fadado a naufragar.
Medidas como a PEC 55 estão na contramão do que se espera de políticas públicas para a educação. O investimento em pesquisa científica e tecnológica no Brasil encolheu cerca de 40% somente em 2018, de acordo com dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), investimento que é o mais baixo da história do setor e já é considerado catastrófico pelos especialistas da área.
Algumas universidades e mesmo institutos federais estão com o funcionamento ameaçado por falta de verbas. Outras federais têm reduzido as suas obras e cortado serviços de limpeza, elevador, celulares e até a luz. A Universidade Federal do ABC (UFABC), por exemplo, foi uma das que mais sofreram com o ajuste fiscal e teve sua verba diminuída em 60,3% desde 2013, chegando ao ponto de cortar funcionários terceirizados. A Unifesp também interrompeu licitações para a construção de salas de aula, laboratórios e bibliotecas.
Qualquer programa político que afirme a necessidade de melhorias reais para a educação e ao mesmo tempo defenda a necessidade de manter a educação subordinada ao limite do teto de gastos, não passa de um embuste. Devemos ficar atentos, pois as chances de mudanças reais nessa área estratégica para o desenvolvimento do país, sem rever o descalabro causado pela PEC 55, são quase nulas. O que tornam as eleições para os cargos legislativos desse ano tão ou mais importantes que os cargos executivos.
Neste sentido, a proposta em andamento do "Novo Ensino Médio", que pretende criar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, separando as habilidades não por disciplinas, mas por áreas de conhecimento, divididas entre Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática, mantendo apenas língua portuguesa e matemática como disciplinas obrigatórias, prevendo também a possibilidade de que parte dessa formação seja feita à distância (EAD), tem causado inúmeras dúvidas e questionamentos por parte de educadores, sindicatos e organizações.
Recentemente, por discordar da maneira como o BNCC e a reforma do Ensino Médio estão sendo conduzidas, o presidente do CNE (Conselho Nacional da Educação) César Callegari deixou o cargo, enviando uma carta aos colegas do CNE tecendo duras críticas e cobrando posicionamentos. Entre os vários pontos de desacordo, o ex-presidente não admite a restrição a apenas 60% da carga horária dedicada à BNCC e o restante (40 %) divididos entre os cinco itinerários formativos que o estudante deveria optar, a saber: Ciências Humanas, Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ensino Profissionalizante.
Sobre isso, ele afirma "Quantos conhecimentos serão excluídos do campo dos direitos e obrigações e abandonados no terreno das incertezas, dependendo de condições, em geral precárias, e das vontades, por vezes, poucas?".
Callegari mostrou consciência do papel do CNE enquanto órgão estatal protetor dos interesses educacionais do país, inclusive contra os danos do oportunismo político, que não tem compromisso em garantir a equidade de ensino e efetivamente elevar a qualidade da educação brasileira, pois são "incapazes de oferecer educação de qualidade, [portanto] baixam a régua, rebaixam o horizonte. Essa, a mensagem que se passa para a sociedade".
A verdade é que todos sabem o que precisa ser feito para mudar a realidade da educação no Brasil, mas falta vontade política. Não basta discutir formas e conteúdos e ignorar o ser humano. Há um grande esforço para evitar e mesmo desqualificar as reivindicações históricas do magistério, como a diminuição do número de alunos por salas de aula, uma política de valorização da carreira de professor e uma formação de qualidade.
De acordo com uma pesquisa realizada em 2018 entre mais de 60 países que fazem parte do PISA (Programa Internacional de Avaliações de Alunos), intitulada Políticas Eficazes para Professores: Compreensões do PISA, o Brasil possui uma das quantidades mais elevadas de alunos por sala de aula no ensino médio. O documento, que foi publicado pela OCDE (Organização para a Cooperação Econômica Europeia), mostra que as escolas públicas brasileiras têm em média 37 alunos por sala no 1º ano do ensino médio e cerca de 22 alunos por professor, uma das médias mais altas. Ainda segundo a pesquisa, esses dois aspectos incidem diretamente sobre a carga de trabalho dos professores e a qualidade de ensino.
De acordo com a OCDE, por um lado, o caminho para resolver o problema passa pela redução das turmas e a desoneração da carga horária dos professores, dando-lhes mais tempo para o desenvolvimento de atividades pedagógicas, desde a preparação de aulas, passando pela orientação pedagógica ou tutoria até atividades de formação profissional. Para tanto, a saída deveria ser o aumento do número de professores. Isso poderia amenizar os problemas de superlotação de salas, as jornadas duplas de serviço, (em duas ou mais escolas) e o problema de falta de atratividade em relação à profissão.
No que diz respeito à política de valorização do magistério, por outro lado, o atual governo do Maranhão, do governador Flávio Dino (PCdoB), pode ser um exemplo de que essa valorização é factível. A Secretaria da Educação do Estado do Maranhão elevou para R$ 5.750 o salário inicial dos educadores com jornada de 40 horas semanais, quase duas vezes o valor do piso nacional, que hoje é de R$ 2.455 para as mesmas 40 horas semanais.
Em São Paulo, um reajuste de 10,5% concedido ao magistério paulista em primeira e segunda instância jurídica foi suspenso pela Presidente do Supremo Tribunal Federal, a Ministra Cármem Lúcia, atendendo ao recurso da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. No dito recurso, alega-se que, se concedido, o impacto financeiro do reajuste, que seria extensivo aos demais integrantes da carreira, ultrapassaria os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, causando, segundo as palavras da própria ministra em sua decisão, "grave risco de lesão à ordem e à economia públicas".
Causa espanto que um Estado como São Paulo alegue motivos econômicos para negar um reajuste desse valor. Pois, segundo um levantamento da FecomercioSP realizado em 2013, a partir de dados do IBGE, se São Paulo fosse um país, sua economia seria a 36º economia mundial, superando países como Portugal, Hong Kong e até a Finlândia, que é uma referência mundial em educação. Descontando o fato de que vivemos momentos econômicos muito diferentes, a hegemonia econômica de São Paulo em relação aos demais estados brasileiros ainda é indiscutível.
Portanto, é importante que deixemos não apenas nosso “promessômetro” em alerta máximo, mas também é fundamental que consigamos enxergar em nossos candidatos uma perspectiva histórica menos imediatista, com um projeto de país além do personalismo partidário. As eleições desse ano devem ocupar, para o bem ou para o mal, um lugar histórico na nossa imatura democracia e a educação, apesar do medo predominante e falta de representatividade, não pode ser mais relegada a uma pauta secundária.
Referências
POR ZÓZIMO ADEODATO
-Graduado e licenciado em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP - 2010);
-Trabalha como professor de Filosofia na rede estadual de ensino de São Paulo desde 2011; e
-Atualmente, faz pós-graduação na UNIFESP(Especialização no Ensino de Filosofia para o Ensino Médio-EAD) e mestrado em filosofia na Universidade Federal do ABC - UFABC).
-Trabalha como professor de Filosofia na rede estadual de ensino de São Paulo desde 2011; e
-Atualmente, faz pós-graduação na UNIFESP(Especialização no Ensino de Filosofia para o Ensino Médio-EAD) e mestrado em filosofia na Universidade Federal do ABC - UFABC).
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.