Como todo sábado posto uma Seleção de Artigos Jurídicos da Semana.
Vamos a eles:
Empresas podem ser punidas por improbidade e corrupção simultaneamente
Paulo Henrique dos Santos Lucon
sócio do Lucon Advogados, professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Vice-Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Integrou a Comissão Especial do Novo CPC na Câmara dos Deputados.
sócio do Lucon Advogados, professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Vice-Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Integrou a Comissão Especial do Novo CPC na Câmara dos Deputados.
Postado no Consultor Jurídico no dia 17.04.2015
A responsabilização da pessoa jurídica por violação à Lei 12.846/2013, no âmbito administrativo, não exclui a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial. Por conta disso, o artigo 19, da Lei Anticorrupção atribui legitimidade às advocacias públicas ou órgãos de representação judicial da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e ao Ministério Público para promover ação judicial que vise a apuração de responsabilidade por violação às normas.
Segundo o artigo 21 da lei, o procedimento a ser adotado nas ações de responsabilização judicial será aquele da ação civil pública previsto na Lei 7.347/85. Com essa remissão ao procedimento da ação civil pública, tem-se, por exemplo, que a competência para o ajuizamento de ação judicial com fundamento na Lei Anticorrupção é do foro do local onde ocorrer o dano (Lei 7.347/85, artigo 2º), e que a sentença fará coisa julgada, salvo se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas (Lei 7.347/85, artigo 16), o que tende a ocorrer se as ações com fundamento na Lei Anticorrupção se popularizarem e se os juízes tiverem consciência de que as condenações apenas se justificam se satisfeito o standard probatório além da dúvida razoável. Espera-se um processo que permita uma cognição exauriente e orientado por premissas mais rígidas na busca da verdade real. Até porque as sanções previstas na lei são extremamente graves e, por isso, recomendam uma verificação bem cuidadosa dos fatos pelo julgador.
O artigo 19, da Lei 12.846/2013, estabelece que serão aplicadas as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente, em caso de violação à Lei Anticorrupção: “(inc. I) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (inc. II) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; (inc. III) dissolução compulsória da pessoa jurídica; (inc. IV) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos”.
A dissolução compulsória da pessoa jurídica que representa em linguagem figurada a morte da pessoa jurídica apenas será determinada quando comprovado (frise-se, além de qualquer dúvida razoável): “(i) ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou (ii) ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados” (artigo 19, parágrafo 1º). Para assegurar a efetividade das sanções, poderá ser requerida a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado (artigo 19, parágrafo 4º). A multa e o perdimento de bens serão destinados aos órgãos ou entidades públicas lesadas. Diante de tão severas sanções, o processo deve ser revestido de todas as garantias de participação, com amplo acesso a todos os meios de prova lícitos.
O ius puniendi estatal poderá ser exercido em até cinco anos, contados da data da infração, ou no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Após esse prazo, opera-se o fenômeno da prescrição. A instauração de processo administrativo ou judicial, como não poderia deixar de ser diferente, interrompe a fluência do prazo prescricional (Lei 12.846/2013, artigo 25). Mas se o processo ficar parado, sem andamento, operar-se-á a denominada prescrição intercorrente.
Dado o nítido caráter sancionatório da Lei Anticorrupção (e as sanções são normas de índole material), os atos lesivos praticados antes da referida lei não são passíveis de multa. A CGU é responsável pela gestão dos cadastros nacionais de empresas punidas (CNEP) e de empresas inidôneas e suspensas (CEIS), que relacionam as pessoas jurídicas que sofreram sanções com base na Lei Anticorrupção e em outras leis, como a Lei de Licitações e Contratos. Esses dados serão disponibilizados pelos três poderes da Federação. Eventuais falhas no processo administrativo que comprometam o julgamento de inidoneidade e suspensão geram a ilegitimidade do cadastro. A pessoa jurídica poderá vir a juízo para provar os prejuízos decorrentes de tal cadastro e postular indenização contra o poder público.
O artigo 30 da Lei 12.846/2013 dispõe que a aplicação de sanções não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de ato de improbidade administrativa e de atos ilícitos que violem a lei de licitações ou outros dispositivos que regulam o procedimento licitatório e os contratos com a administração pública. Assim, em favor da tutela da administração pública, as pessoas jurídicas podem ser sancionadas tanto pela prática de atos de improbidade administrativa quanto pela prática de alguma das condutas previstas na Lei Anticorrupção. Necessário, portanto, refletir a respeito da relação que pode existir entre demandas fundadas nessas diversas leis. Caso sejam propostas demandas em separado, inegável reconhecer a existência de conexão entre essas ações, o que justifica a sua reunião no juízo prevento. A Lei Anticorrupção é altamente positiva e procura conduzir o país para o caminho percorrido pelas nações mais desenvolvidas do mundo.
Tributação de grandes fortunas e heranças
Mário Luiz Oliveira da Costa
Advogado em São Paulo, mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados.
Advogado em São Paulo, mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados.
Publicado em 04/2015. Elaborado em 04/2015
Cogita-se da instituição, no Brasil, do chamado Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) e/ou de um novo imposto sobre heranças arrecadado pela União e mais oneroso do que o atual ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação).
Quanto ao IGF, diversos projetos de lei complementar já foram apreciados e rejeitados pelo Congresso Nacional. O próprio termo “grande fortuna” é extremamente subjetivo. O que é muito ou tido por inalcançável para uns, para outros significa o resultado de grande esforço, suficiente tão somente para assegurar certo equilíbrio financeiro na velhice.
Alguns dos projetos mais recentes qualificam como “grande fortuna” patrimônio superior a R$ 5 milhões (PLC nº 02/2015, do deputado Sarney Filho) ou a 6.000 salários mínimos (PLC nº 06/2015, do deputado Hissa Abrahão), fixando alíquotas progressivas do IGF por faixas de valores excedentes àqueles. Ora, um trabalhador mais qualificado e dedicado que, no decorrer da vida, tenha poupado e adquirido, por exemplo, um imóvel para residir, outro no litoral ou no campo e um terceiro para lhe proporcionar alguma renda de aluguéis, bem como que possua um ou dois automóveis e mantenha suas economias, possivelmente deterá patrimônio equivalente a tais cifras. Nem por isso poderá ser tido como possuidor de grande fortuna.
Ademais, patrimônio nada mais é do que renda poupada, renda essa já tributada quando de seu recebimento (IRPF, IRPJ e CSSL), assim como o próprio patrimônio por ela adquirido, tanto em razão de sua manutenção (IPTU, ITR e IPVA) quanto de sua transmissão (ITBI e ITCMD, além de IPI, ICMS e outros tributos que repercutem no custo de aquisição).
Mesmo aqueles que possuam patrimônios realmente vultosos, via de regra são empreendedores, movimentam a economia, geram emprego e renda e, também, terão auxílio profissional para reduzir a nova oneração. A experiência externa demonstra que a arrecadação desse tipo de tributo é proporcionalmente pouco relevante. Mesmo nos países que ainda o exigem (como Argentina, Colômbia e Espanha, dentre poucos outros), não há prova de que os aspectos negativos tenham superado os positivos. Trata-se, em geral, de experiência ruim, fracassada, revogada em diversos países (como Alemanha, Áustria, Itália e Suécia) e jamais instituída, sequer a título de experiência, pela grande maioria.
De outro lado, quanto à eventual majoração e transferência à União do imposto sobre heranças, somente seria viável em sede de reforma constitucional, vez que implicaria alteração no art. 155 da Constituição e no sistema de partilha das receitas tributárias, com necessária compensação dos Estados que perderiam ao menos parte da atual arrecadação. Não parece adequado, outrossim, majorar a tributação das heranças em um país cuja carga tributária está próxima de 40% do PIB. Tal qual o imposto sobre grandes fortunas, ao menos não é medida prioritária e incentivaria a fuga de capital por parte dos titulares de patrimônio acumulado (por renda poupada e já tributada) que pretendam mantê-lo em benefício de seus herdeiros.
O País tem perdido grande número de empreendedores, executivos e profissionais qualificados. É preocupante o número de brasileiros que, a cada dia, fixam residência ou domicílio fiscal nos EUA (em especial, Miami) ou na Europa (em especial, Portugal). Não podemos correr o risco de incentivar ainda mais esse verdadeiro êxodo.
O quadro atual exige medidas realmente eficazes para que o País volte a crescer com bases sólidas. Além das urgentes moralização e racionalização das despesas públicas, são prementes, dentre outras providências, a solução da chamada guerra fiscal entre os Estados; a simplificação e uniformização das regras de ICMS aplicáveis a todos os Estados; e a unificação de certos tributos, inclusive com eventual criação do IVA Federal decorrente da aglutinação do IPI com o ICMS, quiçá também com PIS e COFINS. Se mantidos estes dois últimos, deverão ser realmente não cumulativos ou, ao menos, autorizada a opção periódica entre o sistema cumulativo (sob alíquotas reduzidas) e o pretensamente não cumulativo (sob alíquotas majoradas).
Estas e outras medidas demandam grande esforço, dedicação e negociação com os Estados e o Congresso Nacional. Não é hora de mudar o foco e despender tempo precioso com o que dificilmente trará efeitos benéficos e, muito provavelmente, prejudicará ainda mais a economia nacional, simplesmente punindo o acúmulo de riquezas a pretexto de uma falaciosa e demagógica justificativa à sociedade.
É namoro ou união estável?
Laiane Saraiva Rodrigues
Postado in Direito Net em 12.04.2015
A diferença do simples namoro para a união estável tornou-se tênue, passando a depender sobremaneira do juízo de convencimento do magistrado, mediante a apreciação do quanto alegado e das provas trazidas à apreciação.
1. Introdução
Habitualmente o namoro é costume cultural em que o casal, independentemente da opção sexual, estabelece um vínculo de afeto com base no respeito e amor, e que, caso se fortaleça, resulta no entrelaçamento total de vidas pela posse marital.
Não se confunde com a união estável, tendo em vista que não apresenta os seus requisitos caracterizadores, disciplinados por excelência pelo Código Civil e pela Lei 9278/1996. Diante do fato que a união estável, na legislação atual, dispensar prazo para a sua configuração, muitos namorados tem realizado o “contrato de namoro”, para dar definição a sua relação, objetivando afastar os efeitos civis, jurídicos e patrimoniais da união estável, instituto equiparado à entidade familiar, que goza de proteção legal e constitucional.
Desse modo, faz-se necessário um estudo sobre a validade de tais contratos no ordenamento jurídico pátrio.
2. A união estável e o contrato de convivência
O instituto da União estável é de grande importância, nos dias atuais, encontra-se tão protegido quanto ao casamento em termos de importância jurídica e social.
A união estável é um fato da vida, uma situação fática reconhecida pelo Direito de Família que se constitui durante todo o tempo em que as partes se portam como se casados fossem, e com indícios de definitividade.
Salientando esta característica, Silvio de Savio Venosa, respeitado civilista nacional, lembra que enquanto o casamento é um negócio, a união estável, diferentemente, é um “fato jurídico”.
É importante mencionar que o Código Civil de 2002, diferentemente do que se poderia imaginar, não trouxe inovação quanto à matéria. Manteve a sistemática da Lei de 1996, ao não utilizar critérios objetivos para o reconhecimento da união, consoante se pode ler em seu art. 1723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família”.
Cabe registrar que é perfeitamente possível, a celebração de um contrato que regule aspectos patrimoniais da união estável – como o direito aos alimentos ou à partilha de bens -, não sendo lícita, outrossim, a declaração que, simplesmente, descaracterize a relação concubinária, em detrimento da realidade. O Código Civil, em seu art. 1.725, prevê a possibilidade dos companheiros estipularem entre si contrato escrito para regular suas relações patrimoniais, vigorando na sua falta o regime legal da comunhão parcial de bens. Por ele, estabelece o casal a intenção de se unir, propondo a intenção de comungar esforços e recursos mútuos ao encontro do melhor interesse da união.
3. Contrato de namoro: validade jurídica
A Lei n. 9278 de 1996, colocou por terra os critérios objetivos antes exigidos para configuração da união estável, passando a admitir a existência do instituto pelo simples fato de uma pessoa humana e outra pessoa humana, independentemente de diversidade de sexo, conviverem de forma pública e duradoura, com o objetivo de constituir família.
Com isso, a diferença do simples namoro para a união estável tornou-se tênue, passando a depender sobremaneira do juízo de convencimento do magistrado, mediante a apreciação do quanto alegado e das provas trazidas à apreciação. Qualquer relação, não importando o seu tempo de existência, poderá, teoricamente, desde que verificada a estabilidade e o objetivo de constituição de família, converter-se em união estável, produzindo importantes efeitos jurídicos como: direito aos alimentos, direito à herança, partilha de bens, deveres recíprocos de convivência.
O denominado “contrato de namoro” não pode ser considerado uma alternativa para aqueles casais que pretendessem manter a sua relação fora do âmbito de incidência das regras da união estável, nem, por meio de um documento, tornar firme o reconhecimento de que aquela união é apenas um namoro, sem compromisso de constituição de família, sendo o referido contrato desprovido de validade jurídica.
Dissertando sobre o tema, Regina Beatriz Tavares[01],não classifica o ato pactuado entre os namorados como contrato, alegando que para a configuração deste, deve existir direitos e obrigações entre as pessoas, e que um namoro, apesar de ter reflexos afetivos e emocionais, limita-se apenas a vida social, não repercutindo no universo jurídico. Nesse sentindo afirma a Jurista que: “Assim a declaração de namoro é ato lícito, perfeitamente válido perante nosso ordenamento jurídico, desde que seja firmada com a finalidade de refletir em documento escrito a realidade, já que não viola diretos, que não existem nessa relação, não podendo, portanto, causar qualquer dano.” [02]
Leciona Maria Berenice Dias que essa avença entre os namorados não tem o condão de afastar a responsabilidade patrimonial que venha a surgir por decorrência da caracterização da união estável, sendo ato sem validade jurídica, que apenas monetariza singela relação afetiva. Dias salienta que visualizar nesse contrato efeitos jurídicos poderia proteger o enriquecimento ilícito do convivente que tem o patrimônio em seu nome, em razão do outro que ajudou a adquiri-lo.[03] A Jurista é precisa ao afirmar que “o contrato de namoro é algo inexistente e desprovido de eficácia no seio do ordenamento jurídico”. [04]
Conclusão
Atualmente, para a configuração da união estável, para a legislação vigente, não é necessário o requisito de prazo certo, razão que seu reconhecimento se faz com base nos elementos ensejadores disciplinados no Código Civil, na lei 9278/1996, bem como na Carta Maior.
Assim, muitos namorados, com receio que sua relação, em uma possível discussão judicial seja reconhecida como união estável, estão estabelecendo “contrato de namoro”, arquivado em cartório, para afastar a incidência das consequências jurídicas, em especial, a patrimonial.
No entanto, quando confrontados com preceitos de ordem pública de Direito de Família, este contrato perde qualquer possibilidade de validade jurídica, pois, uma vez evidenciado os requisitos caracterizadores da união estável, nenhuma avença entre os particulares consegue afastar os efeitos patrimoniais desta entidade familiar.
Referências
ABATE, Alessandra. Contrato de namoro. Disponível em: <http://www.recivil.com.br/preciviladm/modulos/artigos/documentos/Artigo%20-%20Contrato%20de%20namoro%20-%20Por%20Alessandra%20Abate.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2015.
AZEVEDO, Álvaro Villaça de. Estatuto da Família de Fato. São Paulo: Atlas, 2003.
CAHALI, Francisco José. Contrato de Convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Contrato de namoro. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8319/contrato-de-namoro>. Acesso em: 05 abr. 2015.
OLIVEIRA, Euclides de. União Estável do concubinato ao casamento antes e depois do novo código civil, p. 163.
[01] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O mal falado contrato de namoro. Disponível em: http://www.reginabeatriz.com.br/academico/artigos/artigo.aspx?id=130>. Acesso em: 15 mar. 2015.
[02] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O mal falado contrato de namoro.
[03] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2010, p. 186.
[04] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famílias, p. 186.