sábado, 23 de setembro de 2023

Reflexões sobre a Educação em Gestão Empresarial


 Autor: Octavio Mendonça Neto (*)


O distanciamento entre o ensino acadêmico e as necessidades da prática profissional, na área da gestão empresarial, tem sido exaustivamente discutida, tanto na literatura especializada como na imprensa de uma forma geral, há já algumas décadas. Todavia, mais recentemente, essa discussão tornou-se mais acirrada e recorrente, e tem sido conduzida pela imprensa não especializada, a meu ver, de uma forma equivocada., sem uma reflexão crítica mais aprofundada.

O que tem sido ressaltado nos textos publicados pela imprensa é a queda de interesse dos jovens pelo estudo universitário tradicional, em decorrência da sua longa duração e da pouca aplicabilidade prática do conteúdo que é ensinado nos cursos de graduação da área de gestão empresarial. Ainda de acordo com essas matérias, os jovens estariam renunciando ao ensino universitário e dando preferência a cursos de curta duração bem específicos, focados em sistemas de informação, onde apreendem a implantar e utilizar ferramentas de gestão. Ou seja, o que se depreende é a preferência pelo conhecimento prático em detrimento do conhecimento científico mais focado em teorias.

Todavia, nem sempre isso foi assim. Cabe observar que, em 1959, um relatório da Ford Foundation declarava que a educação na área de gestão, nos Estados Unidos, se caracterizava pela falta de uma base científica sólida. Essa constatação direcionou as Universidades americanas ao extremo oposto de tal forma que, em 1988, um relatório elaborado por Porter e McKibbin a pedido da American Assembly of Collegiate Schools of Business (AACSB) afirmava que: "A educação em gestão é limitada, excessivamente especializada e não proporciona aos alunos a capacidade de se relacionarem com situações reais de solução de problemas de gestão". Como se vê, mais uma vez, o ideal nunca está nos extremos.

Longe de nós desprezarmos o conhecimento prático em benefício do conhecimento científico, muito pelo contrário, como professor de um programa de mestrado e doutorado profissional, sempre valorizei esse tipo de conhecimento (tenho diversos trabalhos publicados a esse respeito aqui e no exterior) e sempre propugnei pela atuação conjunta de acadêmicos e profissionais (práticos) na construção de conhecimentos que sejam úteis para a solução de problemas práticos complexos.

O conhecimento prático e o conhecimento científico são dois tipos de conhecimento diferentes. São sistemas com lógicas diferentes, mas nem por isso estão em oposição, ao contrário, são complementares, e estão em pé de igualdade, sem qualquer primazia ou hierarquia de um em relação ao outro, como por vezes apregoam, por um lado, muitos acadêmicos e por outro alguns profissionais da prática. Os acadêmicos têm muito a aprender com os práticos e vice-versa.

A importância do conhecimento prático aliás, é um senso comum já que, por exemplo, em podendo escolher, dificilmente alguém realizaria uma intervenção cirúrgica com um médico com pouca experiência prática, por melhor que tenha sido a sua formação. Também em outras profissões como advocacia, engenharia, e aquelas relacionadas à gestão empresarial, isto é facilmente constatado, bastando para tanto consultar as ofertas de emprego para os cargos de maior responsabilidade, onde o tempo de experiência é fator primordial. Como disse o sábio Noel Rosa: " Ninguém aprende samba no colégio".

As críticas ao ensino universitário atual na área de gestão, são procedentes e eu, sem dúvidas as endosso. Muitos cursos dessa área mais se assemelham a cursos de matemática e estatística avançada, onde são estudados, discutidos e construídos modelos para análise e tomada de decisão extremamente complexos e de pouca ou nenhuma aplicação prática.

Isso é um fato. O conhecimento prático tem que ser valorizado nas Universidades, mas daí a desprezar o conhecimento científico, há uma longa distância, o que nos remete ao maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa:

"Ter opiniões é estar vendido a si mesmo.

Não ter opiniões é existir.

Ter todas as opiniões é ser poeta"

Sejamos poetas ... O que se faz necessário é uma atualização não só das disciplinas ministradas nesses cursos, mas também na forma de ministrá-las. Essa atualização deve ser realizada não no âmbito interno das Universidades, mas através de uma estreita colaboração entre acadêmicos e práticos e associações profissionais.

Sugestões vêm sendo discutidas nesses últimos anos e algumas iniciativas já vêm sendo implementadas. Dentre essas, a que me parece mais promissora é a do Ensino Dual, que já vem sendo implantado na Europa há algum tempo com apoio da UNESCO e da União Européia e que começou a ser implantada entre nós, de forma estruturada na área de gestão, muito recentemente, há cerca de dois anos. Nessa modalidade de ensino, o estudante intercala períodos de aprendizagem na Universidade com períodos de aplicação prática do que foi estudado em empresas parceiras. Trata-se de um processo de ensino inovador que merece a atenção, análise e uma discussão mais aprofundada de educadores e profissionais.

Além disso cabe ressaltar que a educação universitária é muito mais ampla do que o ensino de teorias e práticas, mas esse é um assunto que pretendemos discutir em uma próxima oportunidade.

Referências Bibliográficas

Ford Foundation (1959).The Ford Foundation Annual Report. New York: Ford Foundation;

Pessoa, Fernando (2014), Livro do Desassossego. Lisboa: Assírio & Alvin;

Porter, L.W. and McKibbin, L.E. (1988), Management Education and Development: Drift or Thrust into the 21st Century? , New York: McGraw-Hill; e

Rosa, Noel e Vadico (1933). Feitio de Oração. Disponível em https://www.letras.mus.br/noel-rosa-musicas/535516/

OCTAVIO RIBEIRO DE MENDONÇA NETO

















Graduado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Mauá de Tecnologia (1972);

Especialista em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/ SP – CEAG (1977);

Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e 
Doutor em Contabilidade e Atuária na FEA / USP (2007);

Atualmente é Professor Adjunto I do Programa de Pós-Graduação em Contabilidade e Finanças Empresariais da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de Cursos de Mestrado e Doutorado Profissional e professor associado da Universidade Metodista de São Paulo. 

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Um cínico na ONU


Autor: Álvaro Santos(*)

Organização das Nações Unidas! Organização das Nações Desunidas! Isso faria mais sentido! Criada em 1945 para intermediar e promover paz(?) onde todos os anos cínicos mundiais, digo; líderes mundiais discursam, desfilam e lançam metas imaginárias, enquanto por objetivos financeiros, militares, egoístas, estratégicos e ou territoriais, invadem, incitam, promovem operações especiais, buscam por armas de destruição em massa, ou simplesmente cercam um povo livre.

A ONU é uma farsa

Quantas guerras temos em curso na atualidade? Quantas tivemos desde o fim da segunda guerra mundial? Em quais delas os países que atacam ou os que se defendem buscam antes a mediação ou o aval da ONU? Quantos povos na África, no Oriente Médio, na América Latina estão sendo massacrados por disputas internas de poder? Quantas vidas são ceifadas apenas por caprichos e ideologias? A paz é economicamente viável ? Como um órgão criado para evitar e intervir em prol da paz pode ser eficaz se seus membros com direito a voto gladiam de acordo com seus interesses e nunca no âmbito de salvar vidas?

Vidas humanas importam?

A esquerda, a direita e seus discursos

Os ideais comunistas propagados e enraizados desde o século XIX iniciados com as teorias da estruturação social proposta por Karl Max e Friedrich Engels , mais precisamente a partir do ano de 1848 com o lançamento do "Manifesto Comunista" onde o antagonismo ao capitalismo em uma proposta de igualdade que derivaram inúmeras ideologias e metodologias culminando com guerras, fome, assassinatos, discórdias e a tal igualdade nunca de fato atingida. Por que o comunismo nunca venceu? Pela existência do capitalismo selvagem? Seria um paradoxo tanto esquerda como direita, comunismo, capitalismo ou qualquer ismo terem inúmeros discursos de diferenças mas ambos buscam o lucro, o controle social, o controle militar, a manutenção do poder?

Temas indigestos

Meio ambiente, guerra na Ucrânia, guerra na Síria/Líbia (ainda estão em guerra?), talibã, Venezuela, tráfico de drogas, tráfico humano, corrupção endêmica e sistêmica ancoradas no sistema capitalista, comunista e mesmo em países onde se arrancam cabeças ou se cortam as mãos; estes temas passam longe de discussão. Será que o aquecimento global só tem como causa principal o desmatamento, os escapamentos e as fumaças das fábricas? Imaginemos um ovo o qual fazemos furos nele, retiramos líquidos internos, partes de sua gema, trincamos sua casca; estas ações não interfeririam na sua temperatura? Retiramos do planeta petróleo, carvão, ferro, gás entre outros em quantidades imensuráveis isto não enfraquecem a estrutura de um ser exposto ao Sol? Seria um pensamento tolo este raciocínio? O ser humano é um cupim. Para toda ação existe uma reação. Nossas necessidades financeiras, de poder e de consumo irão nos levar ao extermínio.

Conclusão


Seria mais verdadeiro dizer não "Um Cínico na ONU" mas "Vários cínicos na ONU". Os temas que deveriam ser discutidos e ações verdadeiras serem fomentadas passam longe. Dizer que as criancinhas não tem o que comer, que quase um bilhão passa fome sem nada de concreto apresentar é cinismo. Apontar que um invasor não é responsável por milhares de mortes de soldados, famílias em desespero abandonando seus lares, crianças sendo mutiladas, expor o mundo ao Armagedom é coisa de cínico. Não entender o papel de uma nação no contexto mundial onde não há mais espaço para demagogias, querer palpitar no terreno dos outros enquanto no seu morrem mais de quarenta mil pessoas em um trânsito assassino, mais de quarenta mil pessoas mortas por um sistema penal onde a vida humana não tem valor. Pode matar, estuprar ou apenas bater uma carteira e as penas serão iguais, como matar não tem peso, não existe por parte do assassino algo há pensar. Onde o direito dos manos prevalece sobre o direito dos humanos quem trabalham e produzem. Onde milhões de pessoas aguardam atendimento médico, para se aposentar, para estudar... ou seja; temos um cínico na ONU!

*ÁLVARO SANTOS











-Microempresário na área de prestação de serviços
-Autodidata formado pela Faculdade da Vida.

Nota do Editor:
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quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Uma Análise da Poligamia à Luz do Direito


 Autora: Isadora Marmorato(*)

Neste artigo, veremos resumidamente as perspectivas de filósofos como São Tomás de Aquino, John Finnis e Aristóteles sobre o dilema da poligamia. Embora esses filósofos não tenham tratado especificamente da poligamia, podemos inferir como eles abordariam essa prática com base em seus princípios éticos e morais. Além disso, é possível abordar de forma pincelada os problemas jurídicos que surgiriam com o reconhecimento de uniões poliafetivas, um fenômeno em ascensão na sociedade contemporânea. Tais questões problemáticas em relação a essa modalidade incluiriam os direitos e responsabilidades, proteção de crianças, direito de família de modo geral e sucessões, benefícios fiscais e previdenciários, tendo em vista o sistema legal existente.

Como é cediço, o conceito de direito natural clássico tem raízes antigas, remontando a filósofos como Aristóteles e São Tomás de Aquino – principalmente. Com o direito natural, temos a ideia de que existem princípios universais e inalienáveis que guiam a moralidade e a justiça e, com isso, historicamente, esteve relacionado à concepção da família monogâmica como a estrutura ideal para a sociedade.

Em contraste, a sociedade contemporânea testemunha uma crescente aceitação das uniões poliafetivas, que envolvem relacionamentos amorosos e/ou sexuais entre mais de duas pessoas. No entanto, para os jusnaturalistas, a monogamia é necessária para a estabilidade social, a proteção dos direitos das crianças e a preservação da moralidade, a fim de evitar uma ruína social.

Primeiramente, Aristóteles via a família como uma unidade fundamental da sociedade, enfatizando a estabilidade e ordem nas relações familiares. Ele acreditava que a poligamia poderia introduzir desordem e competição entre aqueles envolvidos, prejudicando, no final das contas, o bem comum. Além disso, ele valorizava a igualdade nas relações humanas, e a poligamia poderia criar desigualdades entre esposas ou entre filhos. Ademais, Aristóteles via as relações familiares como oportunidades para a virtude e amizade crescerem, e a poligamia poderia prejudicar o desenvolvimento dessas virtudes.

Já São Tomás de Aquino, com base em sua filosofia moral e teológica, poderia considerar que a poligamia desordena a afetividade e a dignidade humanas, minando a unidade, igualdade e estabilidade no casamento. Ele defendia a monogamia como essencial para proteger os interesses de todas as partes envolvidas – inclusive, via o casamento como uma união baseada no amor e afeto mútuo entre um homem e uma mulher, e a poligamia, de algum modo, fragmentaria esse afeto, dificultando a formação de um vínculo íntimo e profundo. Aquino valorizava a igualdade e a dignidade de ambos os cônjuges. Além disso, a poligamia pode complicar a educação dos filhos, que Aquino considerava um dos principais objetivos do casamento.

Resumindo, para São Tomás de Aquino, a poligamia é capaz de minar a afetividade e a dignidade humanas, diluindo a unidade, igualdade e estabilidade no casamento, e comprometendo a estrutura familiar e comunitária.

John Finnis, por sua vez, embora não condene a poligamia diretamente, reconhece os desafios éticos e sociais que ela pode apresentar e sugere que a regulamentação ou proibição pode ser justificada em nome do bem comum e da moralidade, especialmente se resultar em desigualdade de tratamento entre cônjuges ou se as mulheres em casamentos poligâmicos tiverem vozes ou autonomias desiguais entre elas. Com isso, os jusnaturalistas argumentam que a poligamia cria instabilidade jurídica ao gerar conflitos de direitos e deveres, bem como competição, além de conflitos no que concerne às normas sociais.

Como podemos observar até o momento, o reconhecimento das uniões poliafetivas apresentaria desafios sociais e jurídicos complexos. Questões-chave incluiriam também a resolução dos direitos e responsabilidades dos parceiros, direito sucessório, proteção das crianças, questões de guarda e partilha, divisão de propriedade, sistemas fiscais e previdenciários.

A proteção das crianças em uniões poliafetivas é uma questão delicada. Como garantir o bem-estar das crianças quando múltiplos cuidadores estão envolvidos? Os sistemas legais deveriam estabelecer diretrizes claras para proteger os direitos e interesses das crianças, mas como conseguiriam fazer isso em contextos não monogâmicos? O que fariam em questões de guarda? A divisão de propriedade em uniões poliafetivas poderia se tornar intrincada, especialmente quando propriedades são compartilhadas e aquisições conjuntas ocorrem.

Outrossim, o reconhecimento legal dessas uniões enfrentaria desafios ao tratar da propriedade no caso de partilha em razão de separação ou falecimento de um dos parceiros. É difícil acomodar a evolução das concepções familiares sem comprometer os fundamentos éticos e basilares.

Além disso, mesmo que no Brasil, em virtude da mutação constitucional – fenômeno advindo do neoconstitucionalismo - e que tem sido cada vez mais introduzido por meio de entendimentos de alguns julgados, essa prática é claramente inaplicável devido à sua contradição com a Constituição Federal, Leis Infraconstitucionais e com os princípios do Direito Natural. Tanto isso é verdadeiro que o artigo 226 da Constituição Federal de 1988 é explícito ao definir o casamento como a união monogâmica entre duas pessoas. Essa disposição legal estabelece a monogamia como pilar fundamental do instituto do casamento no Brasil. A opção pela monogamia reflete a preocupação em garantir a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, bem como a estabilidade das relações familiares.

Em resumo, a análise das perspectivas da filosofia jurídica e os desafios apresentados pela poligamia elucidam a complexidade desse dilema em nossa sociedade contemporânea, ressaltando a necessidade de um debate profundo em relação ao nosso sistema jurídico e aos valores morais que sustentam nossa convivência em comunidade, em virtude da perene relevância do direito natural que sempre estará em destaque em virtude de ser inerente à natureza humana.

Referências:

- Strassberg, Rebecca J. "Recognizing Polyamorous Families: Legal Possibilities." Yale Journal of Law and Feminism, vol. 23, no. 2, 2011, pp. 377-421;

- Joslin, Courtney G. "Polyamorous Parenting." Yale Law Journal, vol. 122, no. 6, 2013, pp. 1736-1812;

- "Polyamory and Legal Rights." American Psychological Association, https://www.apa.org/topics/lgbtq/polyamory-legal-rights;

- Finnis, John. "Natural Law and Natural Rights." Oxford University Press, 1980;

- Cott, Nancy F. "Public Vows: A History of Marriage and the Nation." Harvard University Press, 2002.

*ISADORA WETTERICH MARMORATO

























- Advogada graduada pela Uniara (2021);
-Atuante nas éreas dos Direitos Civil, Consumidor e Família e Sucessões;
- Correspondente Jurídico e
-Particpante do Grupo de Estudo do Instituto Ives Gandra

Nota do Editor:


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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Bloqueio de cartão de crédito sem aviso prévio pode gerar indenização


 Autor: Igor Galvão (*)



O cartão de crédito é uma das formas favoritas dos brasileiros para realizar transações bancárias, principalmente pela praticidade que o crédito oferece.

Mas, o que acontece quando essa facilidade é interrompida abruptamente, deixando o consumidor na mão?

Primeiramente, o banco pode realizar o bloqueio de cartão de crédito?

Bloquear o cartão de crédito sem aviso prévio pode gerar indenização ao cliente do banco, ou seja, ao consumidor..

Isso pode acontecer quando a data de vencimento está expirada, quando uma atividade suspeita é identificada, em caso de inadimplência do cliente, ou até mesmo quando o dono do cartão digita a senha errada por diversas vezes.

Situação muito comum em que isso ocorre se dá quando o cliente está adimplente no momento, tendo até realizado um acordo de sua dívida, mas o banco, por erro interno, ainda assim bloqueia o crédito.

Nessa situação, a instituição tem a obrigação de avisar o cliente antes do bloqueio do crédito.

Vamos ver o que diz o Código de Defesa do Consumidor:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem"
O banco deve fornecer esse aviso de forma escrita e com antecedência, inclusive justificando o motivo do bloqueio.

Caso isso não aconteça, o cliente pode solicitar indenização por danos morais, já que o bloqueio de um cartão sem que o dono saiba pode causar diversos constrangimentos desnecessários na hora de fazer uma compra, sendo considerado uma falha na prestação.

Vamos ver:

"No caso concreto, revela-se defeituosa a prestação de serviços, consistente no bloqueio indevido do cartão de crédito da recorrida, sem prévia comunicação (CDC, Art. 6º, III). No ponto, a despeito da mora de 4 dias, a consumidora demonstrou o pagamento total da fatura em atraso (..). Assim, mostra-se indevida a restrição ao crédito da requerente ocorrida no dia 9.9.2019, às 19h00 (...). " 07449013120198070016, Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 4/8/2020, publicado no PJe: 13/8/2020. (disponilizado em: https://www.tjdft.jus.br/)
O que diz o CDC sobre bloqueio de cartão de crédito indevido?

O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma mesma cadeia de serviços, pela falha na prestação.

Por isso, os bancos respondem pelos danos decorrentes de má prestação. Em outras palavras, as instituições têm a obrigação de fornecer informação clara e adequada ao cliente, desde a negociação até o pós-contratual, como dito acima. Vejamos o supracitado artigo:

 "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

Tal entendimento se aplica, inclusive, ao chamado "crédito pré-aprovado" que é um tipo de empréstimo que as instituições financeiras disponibilizam para os seus clientes com base no perfil de crédito e relacionamento.

Como entrar com um processo, se for o caso?


O consumidor deve saber que está amparado pelo Código de Defesa do Consumidor caso seja pego de surpresa, e sofra bloqueio do cartão de crédito sem aviso prévio, por falha ou erro do banco, como dito acima.

Para pedir a indenização, o cliente deve entrar com um processo judicial, reunir todas as provas, e entrar em contato com um advogado especialista em direito do consumidor.

 

Vamos ver como a justiça julga alguns desses casos:


"AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO DE FORMA UNILATERAL. Atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Não configuração dos requisitos. Descumprimento da Resolução do Bacen/CMN 4753/19, ante ausência de prévio aviso ao consumidor. Abuso de direito. Situação vexatória em face de negativa de crédito. Relação de consumo. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. DANO MORAL. Dano "in re ipsa". Montante adequadamente arbitrado. Redução incabível. Sentença mantida. Apelação não provida. (TJ-SP - AC: 10062115520208260286 SP 1006211-55.2020.8.26.0286, Relator: JAIRO BRAZIL FONTES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 24/09/2021, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/09/2021)"
"Recurso Inominado. Bloqueio de cartão de crédito sem aviso ao cliente. Cliente que se encontrava adimplente. Bloqueio que se em razão de inadimplemento perante outra instituição. Conduta abusiva. Danos morais caracterizados. Recurso do autor a que se dá provimento. (TJ-SP - RI: 10016883920218260294 SP 1001688-39.2021.8.26.0294, Relator: Barbara Donadio Antunes Chinen, Data de Julgamento: 20/10/2022, 1ª Turma Cível e Criminal, Data de Publicação: 20/10/2022)"

"AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZATÓRIA – BLOQUEIO DE CARTÃO DE CRÉDITO – PRÉVIA NOTIFICAÇÃO – DANOS MORAIS – I - (...) Inexistência de notificação prévia do autor – Ainda que a concessão de crédito não seja um dever, mas sim faculdade do estabelecimento de crédito, uma vez concedido, passa a gerar no consumidor a expectativa legítima de poder usufruir dele – Em caso de cancelamento injustificado das operações, dá ensejo à indenização por dano moral, posto que, além de causar situação vexatória, em face da negativa de crédito no ato de qualquer compra,frustra as legítimas expectativas do consumidor quando da contratação dos serviços – Bloqueio do cartão de crédito sem prévio aviso que configura conduta abusiva e ilegal – Falha na prestação de serviços – Responsabilidade objetiva do banco – Dano moral caracterizado - Ainda que não haja prova do prejuízo, o dano moral puro é presumível – Indenização devida, devendo ser fixada com base em critérios legais e doutrinários – Indenização bem fixada, ante as peculiaridades do caso, em R$5.000,00, quantia suficiente para indenizar o autor e, ao mesmo tempo, coibir o réu de atitudes semelhantes – Sentença mantida – Honorários advocatícios já fixados em percentual máximo – Impossibilidade de majoração em razão do trabalho adicional realizado em grau recursal – Vedação expressa – Art. 85, § 11, do NCPC – Apelo improvido." (TJ-SP - AC:10019496120218260081 SP 1001949-61.2021.8.26.0081, Relator: Salles Vieira, Data de Julgamento: 24/03/2022, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/03/2022)"
As provas importantes, para este tipo de processo, são prints demonstrando o ocorrido, e todas as reclamações realizadas para o banco, como protocolos, e-mails, conversas de WhatsApp.

O consumidor poderá, ainda, abrir uma reclamação no Reclame Aqui ou PROCON, sendo o caso - caso mesmo assim não seja resolvido, a recomendação é seguir na justiça.

Nesses casos, o consumidor notoriamente perde tempo de vida tentando resolver a questão - reclamando e contratando advogados.

Isso faz com que o consumidor incida na Teoria do Desvio Produtivo - de modo que sua perda de tempo existencial poderá ser usada como argumento para a indenização!

Hoje em dia, o processo, nesse tipo de caso, corre de forma 100% digital, o que facilita a vida do consumidor - bem como, a atuação dos servidores e advogados.

Espero que tenham gostado.

 

*IGOR GALVÃO VENÂNCIO MARTINS

















-Graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016);


-Pós-graduação (especialização) em:

  •  direito processual civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017);
  • direito imobiliário aplicado pela Escola Paulista de Direito -EPD (2019);
​-Curso de direito do consumidor pela  Escola da Magistratura do Paraná (EMAP) - 2021 ;

- Sócio no Igor Galvão Advocacia – IGA, escritório de advocacia especializado em direito do consumidor, bem como direito bancário, direito da saúde, direitos do passageiro aéreo e fraudes com 
atuação 100% digital em todo o Brasil, facilitando o acesso à justiça para todos os consumidores!

Nota do Editor:

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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Entendendo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil





Autora: Priscilla Brandão(*)

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em vigor no Brasil em setembro de 2020, marcando um marco significativo na regulação da privacidade e da proteção de dados pessoais no país. Inspirada pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, a LGPD estabelece diretrizes e obrigações claras para o tratamento de dados pessoais, afetando empresas, organizações governamentais e cidadãos em todo o Brasil. Neste artigo, exploraremos os principais aspectos da LGPD, suas implicações e os desafios que ela apresenta.

O que é a LGPD?

A LGPD é a legislação brasileira que regula o tratamento de dados pessoais por organizações públicas e privadas. Ela foi criada para garantir a proteção da privacidade e dos direitos dos titulares dos dados, estabelecendo regras claras para o uso, coleta, armazenamento e compartilhamento de informações pessoais. A lei se aplica a qualquer organização que processe dados pessoais no Brasil ou que tenha atividades direcionadas a residentes brasileiros, independentemente de sua localização.

Princípios Fundamentais da LGPD

A LGPD baseia-se em alguns princípios-chave que as organizações devem seguir ao lidar com dados pessoais:

Princípio da Finalidade: Os dados pessoais devem ser coletados para finalidades específicas e legítimas, e não podem ser usados para outros fins sem o consentimento do titular.

Princípio da Adequação: Os dados coletados devem ser relevantes, adequados e limitados ao necessário para alcançar a finalidade pretendida;

Princípio da Necessidade: A coleta de dados pessoais deve ser estritamente necessária para a finalidade pretendida, evitando a coleta excessiva; e

Princípio do Consentimento: O titular dos dados deve dar consentimento livre, informado e inequívoco para o tratamento de suas informações pessoais.

Direitos dos Titulares dos Dados

A LGPD concede aos titulares dos dados diversos direitos, incluindo:

Direito de Acesso: Os titulares têm o direito de saber quais dados pessoais estão sendo coletados e como estão sendo processados;

Direito de Retificação: Os titulares podem corrigir informações imprecisas ou desatualizadas sobre eles;

Direito de Exclusão (ou "Direito ao Esquecimento"): Os titulares podem solicitar a exclusão de seus dados pessoais, desde que não haja um motivo legítimo para sua retenção; e

Direito de Portabilidade: Os titulares têm o direito de receber seus dados pessoais em um formato estruturado e de uso comum, permitindo que eles sejam transferidos para outra organização.

Sanções e Penalidades

A LGPD estabelece sanções rigorosas para o não cumprimento de suas disposições. As penalidades podem incluir multas que variam de 2% do faturamento anual da organização até um limite de R$ 50 milhões por infração. Além disso, as empresas podem enfrentar a publicização das violações, o que pode ter impactos significativos na reputação.

Desafios e Implementação

A implementação eficaz da LGPD é um desafio para muitas organizações. Isso envolve a adaptação de políticas internas, a criação de programas de conformidade, a nomeação de um Encarregado de Proteção de Dados (DPO) e a garantia de que os colaboradores estejam cientes das novas regulamentações.

Outro desafio é a conscientização dos titulares dos dados sobre seus direitos e como exercê-los. As organizações devem investir em comunicação e educação para garantir que os titulares compreendam suas opções e saibam como solicitar o acesso ou a exclusão de seus dados.

Conclusão

A Lei Geral de Proteção de Dados é uma peça fundamental na proteção da privacidade e dos direitos dos cidadãos brasileiros em um mundo cada vez mais digital. Sua implementação bem-sucedida requer o comprometimento das organizações em cumprir suas disposições, o apoio de profissionais especializados em direito digital e a conscientização contínua dos titulares dos dados. A LGPD não é apenas uma obrigação legal, mas também uma oportunidade para as empresas demonstrarem seu compromisso com a proteção da privacidade e a construção da confiança dos consumidores.

*PRISCILLA CUNHA BRANDÃO SOL














-Formada em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha - MG (2010);

-Especialização em Direito Digital e Cibercrimes (2022);

-Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Damásio Educacional; e

-Pós-graduanda em Direito Previdenciário pela Legale.

Contato

Nota do Editor:

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Cessão de Crédito Trabalhista


Autora: Ana Celina Siqueira (*)

A cessão de crédito, instituto do Direito Civil que permite que o credor transfira seu direito a um terceiro, foi, por longo tempo, considerada inaplicável na Justiça do Trabalho, tendo sido até mesmo expressamente proibida por um determinado período.

No entanto, alterações normativas e o avanço da jurisprudência, fruto da nova realidade das relações de trabalho, estão concorrendo para mudar esse panorama.

Inicialmente, o Provimento n. 2 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 17 de maio de 2000, estabelecia que "os créditos do trabalhador apurados em reclamação trabalhista, além de impenhoráveis, não podem ser objeto de cessão.". Porém, já em dezembro do mesmo ano, com a publicação do Provimento n. 6, essa determinação foi revogada, ficando estabelecido que "A cessão de crédito prevista em lei (artigo 1065 do Código Civil) é juridicamente possível, não podendo, porém, ser operacionalizada no âmbito da Justiça do Trabalho, sendo como é um negócio jurídico entre empregado e terceiro que não se coloca em quaisquer dos pólos da relação processual trabalhista. "

A modulação da redação proibitiva foi suficiente para ensejar divergência sobre o tema, porquanto a nova redação permitiu diferenciar a cessão do direito trabalhista da cessão do crédito trabalhista. O direito seria irrenunciável e, portanto, não suscetível de transferência a terceiro, porém o crédito, por corresponder à expressão monetária do direito, seria passível negociação. Preponderava, ainda, a corrente que defende que o caráter irrenunciável dos direitos trabalhistas obsta a cessão de crédito deles decorrente, nos próprios termos do artigo 286 do Código Civil, que veda a cessão quando a natureza da obrigação não permitir.

Merece ser registrada a alteração ocorrida quando da publicação da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria da Justiça do Trabalho em 28 de outubro de 2008 que passou a prever em seu artigo 100 que "a cessão de crédito prevista no artigo 286 do Código Civil não se aplica na Justiça do Trabalho". A partir daí, o debate recrudesceu e diversas decisões foram proferidas no sentido de não reconhecer eficácia à cessão de crédito trabalhista no âmbito da Justiça do Trabalho ao fundamento de que a ela não competiria verificar a validade ou não do negócio jurídico considerado de natureza essencialmente civil. Argumentou-se que esse tratamento poderia gerar situação de insegurança jurídica por permitir que o cessionário do crédito o pleiteasse na Justiça Comum em face do mesmo devedor da ação trabalhista, uma vez que a cessão não geraria efeito no processo do trabalho nem autorizaria a substituição processual do credor primitivo pelo cessionário.

Com a publicação da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, em 17 de agosto de 2012, o Tribunal Superior do Trabalho deixou de disciplinar a matéria, suprimindo qualquer referência expressa em seus normativos internos, situação mantida até o momento.

À exclusão da proibição expressa ou das restrições à validade da cessão de crédito trabalhista na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho vieram se somar alterações legislativas, tais como as trazidas pela  Lei 14.112/2020, que estabeleceu que os créditos cedidos a qualquer título no processo de falência mantêm sua natureza e classificação quanto à ordem de pagamento, na esteira do que já estabelecia a Emenda Constitucional n. 62/2009 no tocante aos precatórios. Nos termos do artigo 100, § 13, da Constituição Federal, o credor de crédito em precatório poderá cedê-lo a terceiro, porém, nesse caso, não se aplica a preferência concedida aos precatórios de natureza alimentar, de onde se conclui pela possibilidade da cessão de crédito alimentar em precatório.

Tudo isso contribuiu para fortalecer a tese favorável à admissão da cessão e assim chegamos às recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho que expressamente admitem a cessão de créditos trabalhistas.

No processo AIRR 820-23.2015.5.06.0221, o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, não obstante ter negado o pedido da ação por ausência de pressuposto processual, deixou expressamente consignado ser possível a cessão de créditos trabalhistas.

No mesmo sentido posicionou-se também o Ministro Agra Belmonte, no julgamento do processo AIRR 1000508-86.2018.5.02.0075, ao deferir pedido de sucessão processual da Explorer II Fundo de Investimento em Direitos Creditórios não Padronizados como credora dos valores devidos a um vigilante de São Paulo. Os créditos haviam sido cedidos pelo trabalhador à Pro Soluti Consultoria e Investimentos em Ativos Judiciais que, por sua vez, os cedeu à Explorer, ficando o vigilante excluído da ação. Em decisão monocrática, o Ministro Agra Belmonte esposou a tese da pertinência da aplicação do Código Civil ao caso e assinalou que a cessão de crédito trabalhista está prevista no artigo 83, parágrafo 5° da Lei de Falências (Lei 11.101/2005) e na Lei 14.193/2021 que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol. Agra Belmonte considerou que a cessão de crédito devidamente constituído em juízo não configura renúncia a direitos trabalhistas e que, "desde que observados os requisitos de validade do negócio jurídico, é uma ferramenta a ser utilizada por aquele trabalhador que, diante da demora na resolução da ação, necessita satisfazer com maior urgências as suas necessidades".

Com estas considerações, não se pretende esgotar o tema mas, ao contrário, suscitar a reflexão sobre assunto que há de ensejar desdobramentos importantes, dentre os quais atuação de empresas e fundos de investimento constituídos exatamente com o objetivo de atuar nesse novo nicho do mercado.

*ANA CELINA RIBEIRO CIANCIO SIQUEIRA




 





-Graduação em Direito  pela Faculdade de Direito da USP (1973);

-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2a.Região (1993);

-Secretária - Geral Judiciária do TRT da 2a.Região (2004);

 - Secretária do Tribunal Pleno do TRT da 2a Região (2004); e

- Comendadora da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 2a.Região (2005)

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