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terça-feira, 17 de junho de 2025

Promessa de Recompensa


©2025 Maria Paula Corrêa Simões

Em março de 2024, o então candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal prometeu durante o programa Pânico que pagaria US$1.000.000,00 para quem encontrasse uma ação judicial movida por ele ou por alguma de suas empresas, porque, segundo ele, "não aceito processar, não mexo com gente otária. A gente prospera tanto que não precisa ficar olhando para o lado para gente otária".

Diante da declaração e promessa de recompensa, Francisco Luciano da Silva Sales deu um famoso Google e descobriu ao menos 09 processos em que Pablo Marçal aparece no polo ativo. Ao cobrar a recompensa judicialmente, frente à falta de acordo extrajudicial, Pablo Marçal negou o pagamento e alegou que fez a promessa em contexto “de entretenimento” e que "a declaração […] não foi dirigida a uma pessoa determinada, mas sim ao grupo genérico de humoristas em um contexto evidentemente informal e de entretenimento", também disse que está sendo processado por "indivíduos com intenções maliciosas" que tentam "enriquecimento ilícito ao distorcerem os fatos". Ademais, Marçal afirmou ter revogado a promessa mediante um vídeo divulgado no dia 3 de maio de 2024.

Em 19 de janeiro de 2025, conforme reportagem do portal UOL, a juíza Giuliana Herculian isentou o empresário e influenciador Pablo Marçal de pagar uma recompensa porque "A afirmação do requerido [Marçal], no contexto em que feita, não pode ser considerada como algo a ser levado a sério, foi feita de forma jocosa". Ainda cabe recurso.

Sem ingressar em questões políticas, vejamos o que diz o Código Civil sobre o instituto da promessa de recompensa, regulamentado nos artigos 854 a 860 do Código Civil de 2002. O artigo 854 prevê:

Art. 854. Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido.
Trata-se de negócio jurídico unilateral, sem que haja a manifestação de vontade da outra parte. A promessa de recompensa mostra-se uma obrigação já assumida com a própria declaração e pode ser definida como “o ato obrigacional de alguém que, por anúncio público, se compromete a recompensar, ou gratificar, pessoa que preencha certa condição ou desempenhe certo serviço”.

Além dos requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos unilaterais e bilaterais, presentes no art. 104 do Código Civil: (a) promitente capaz; (b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e (c) forma não defesa em lei, são pressupostos específicos da promessa de recompensa: (I) a publicidade; (II) designação do ato ou omissão a que se refira, ou seja, a especificação da condição a ser preenchida ou o serviço a ser desempenhado; (III) a indicação da recompensa ou gratificação.

Assim, a pessoa que preencher a condição ou fizer o serviço poderá exigir a recompensa estipulada (art. 855), inexistindo qualquer exigência ou formalidade para o executor. Na falta de valor específico, o judiciário poderá suprir a ausência e determinar a quantia a ser paga.

O Código Civil possibilita a revogação da promessa de recompensa, desde que pelos mesmos meios de publicidade utilizada na oferta e antes dos serviços prestados ou preenchida as condições, segundo o artigo 856. Se houver fixado prazo à execução da tarefa, não será válida revogação. É importante ressaltar, ainda, que o candidato de boa-fé, que porventura houver realizado despesas, terá direito ao respectivo reembolso (art. 856, §único).

Caso haja pluralidades de credores, o primeiro candidato que executar a tarefa será o único a ser recompensado (art. 857). Em sendo a execução simultânea, cada credor terá direito ao seu quinhão igual na recompensa; porém se o cumprimento da condição for simultâneo e a recompensa não for divisível, haverá sorteio para decidir o premiado, o qual dará ao outro o valor de seu quinhão (art. 858).

Os demais artigos do Código Civil tratam de concursos com promessa pública de recompensa. Concursos que estimulem a produção cultural (artística, literária ou científica) também são regulamentados pela legislação.

Como já diz o velho ditado: "promessa é dívida e quem promete tem que cumprir". No entanto, às vezes é possível uma interpretação diferente, dependendo das circunstâncias, dos envolvidos e da vontade de cada um.

Fontes:

GENTILE, Rogério. Justiça isenta Pablo Marçal de pagar promessa de 1 milhão de dólares. Disponível em:< https://noticias.uol.com.br/colunas/rogerio-gentile/2025/01/20/justica-isenta-pablo-marcal-de-pagar-promessa-de-1-milhao-de-dolares.htm. Acessado em: 20 de janeiro de 2025;

BARRETTO, Eduardo. Pablo Marçal é cobrado na Justiça e recua de desafio de US$ 1 milhão. Disponível em https:// www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/pablo-marcal-e-cobrado-na-justica-e-recua-de-desafio-de-us-1-milhao. Acessado em 20 de janeiro de 2025.; e

Portal Estudando Direito. 
Disponível em: 

 MARIA PAULA CORRÊA SIMÕES




 








-Advogada graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(1992);

-Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica- PUC/COGEAE(1995);

-Pós Graduada em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica- PUC/COGEAE(1999);

-Pós Graduada em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional ( 2005)e

-Pós Graduada em Lei Geral de Proteção de Dados pela Legale (2022).

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Desvendando as Patentes


 

© 2025 Sylvia Regina de Carvalho Emygdio Pereira


O ser humano não para, ele continua a criar... É uma força intrínseca, quase poética, que o impulsiona a inovar. E, dentre tantas maravilhas que brotam da mente e da alma humana, a invenção é uma das mais fascinantes...

Como proteger esse tipo de chama criativa?

A resposta está na Patente de Invenção.

E o que é uma Patente de invenção?

Imagine ter uma ideia tão nova e inventiva, que revele uma solução definitiva e resolva um problema antigo ou que abra um novo caminho para executar algo de alguma outra maneira. Uma Patente de Invenção é, essencialmente, um direito exclusivo que o Estado concede a essa criação intelectual nova, que constitui um ato inventivo e uma novidade, e que tenha aplicação industrial. É o reconhecimento de uma solução técnica nova, engenhosa, criativa, para um novo processamento ou uma nova maneira de fazer algo que antes não existia. Normalmente, a Patente, como um claro exemplo de inovação, traz em si um salto, uma superação do conhecimento técnico já existente.

Essa é a chave para a sua exclusividade, garantindo que a mente criativa e inventiva de seu criador seja protegida e a criação, valorizada.

Para que a invenção ganhe o status de Patente, ela precisa possuir alguns aspectos fundamentais, que são os Requisitos Essenciais para a proteção de sua idéia criativa. São eles:

A Novidade: De fato, a invenção deve ser algo mundialmente novo! Ela não pode ter sido revelada ou inventada, aqui no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo antes do respectivo pedido de patente. Prevalece a universalidade da novidade: o que não é novo lá fora, também não será novo aqui no Brasil. Esse é o princípio da simetria inventiva;

A Atividade Inventiva: Não basta ser novo; precisa ser "inventivo", possuir genialidade criativa. Ou seja, a criação não pode ser algo óbvio para um técnico na área e no assunto. Ela deve trazer um salto, uma superação do conhecimento técnico já pré-existente;

Aplicação Industrial: A invenção precisa ter um uso prático, ser passível de fabricação ou utilização na indústria, pois a Patente é a criação nova manifestada no mundo material.

Uma patente pode surgir quando se cria algo totalmente novo e inventivo, ou mesmo, quando, de forma inventiva, aperfeiçoa-se algo que já existe, dando-lhe uma nova forma ou disposição que melhore sua função ou uso e que caracterize um avanço tecnológico.

Mas, existem fronteiras nessa criação! A patente não abrange tudo... Tão importante quanto saber o que pode ser patenteado, é entender o que não se encaixa nos critérios de patente. Assim, verificam-se:

Descobertas, Teorias Científicas e Métodos Matemáticos: lidam com o que já existe, explorando, e verificando, mas não podem ser consideradas invenções patenteáveis;

Métodos e Planos Diversos: Princípios, métodos, esquemas ou planos (contábeis, financeiros, educativos, publicitários, etc.) também não são patenteáveis;

Programas de Computador (Softwares): No Brasil, não obstante também sejam registrados no INPI, essas criações são protegidas pelos Direitos Autorais - Lei n.º 9.610/98 e sua respectiva Legislação e princípios - e não pela Lei que rege as Patentes. Sua respectiva proteção nasce com a própria criação. O registro autoral, realizado no INPI, adiciona uma série de vantagens aos softwares, tanto no âmbito nacional, como no internacional;

Obras Artísticas e Científicas: Obras literárias, artísticas, arquitetônicas e científicas; regras de jogos; técnicas cirúrgicas; partes de seres vivos; material biológico ou processos biológicos naturais também não entram na categoria de Patentes;

Material, Detalhes Estéticos, e Quantitativos: Material, acabamento, cor, dimensionamento ou quantidade de componentes e outros elementos equivalentes, não são considerados, sequer compõem a formação e respectiva verificação de uma Patente, a não ser que venham a modificar o aspecto técnico da invenção. Tais aspectos não são relevantes para a patenteabilidade de uma criação inventiva.

Os Tipos de Patentes no Brasil: As Diferentes Formas de Inovar: No Brasil, há três caminhos para a proteção e reserva da criação inventiva do homem e de sua respectiva criatividade engenhosa. São eles:

Patente de Invenção (PI): É a forma criativa mais abrangente e destina-se às criações verdadeiramente novas e inventivas, que oferecem uma solução técnica original a um problema pré-existente. É a invenção pura. Um bom exemplo é o telefone celular.

Entretanto, note-se que também é considerada invenção, quando um ‘detalhe inovador’ é inserido em algo já conhecido, como, por exemplo: suponhamos que o celular que já é conhecido, e surge a idéia de ser criado um novo dispositivo que vibre com a intenção de criar alertas para as chamadas e recados recebidos. Nesse caso, essa idéia inventiva nova e isolada constitui em si, uma invenção.

Patente de Modelo de Utilidade (MU): Esta invenção destina-se a realizar aperfeiçoamentos inventivos em objetos já conhecidos. A criação ocasiona ou a melhoria funcional ou a melhoria no uso de algo que já existe, por meio de uma nova forma ou de uma disposição construtiva e inovadora, colocada naquilo que já existe no mundo material e industrial. É a máquina fotográfica no telefone celular;

Patente de Desenho Industrial (DI): Neste caso, a criação e inventividade estão na estética e no design sob a forma de dois aspectos distintos:

Objeto 3D: É a criação de uma nova e original forma plástica ornamental ou uma configuração externa para um determinado objeto, um conjunto novo de linhas e formas, que visa uma melhor composição, forma, ou função de um artefato já conhecido, superando o seu estado existente (até como uma simples cadeira). Esta Patente de Desenho Industrial poderá ser mecânica, manual, química, mas, sempre introduzirá características novas de design a um objeto já existente. É o caso do telefone celular flip ou smart fone dobrável. Assim, o Desenho Industrial em objetos 3D é definido pela combinação de uma pluralidade de detalhes figurativos que resultam em um desenho inovador e;

Objeto 2D: É a criação bidimensional que define um conjunto ornamental de linhas e cores, somente com duas dimensões (a altura e a largura), como a estampa em um tecido ou um impresso aplicado sobre superfícies de objetos em geral, caracterizando um efeito novo, ornamental.

O caminho para a obtenção da exclusividade de uma Patente é extenso e trabalhoso e, muitas vezes, alicerça e conduz muitas disputas jurídicas e judiciais. Todo o processo administrativo para o Registro de uma Patente é conduzido pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), órgão regulador e autarquia federal brasileira, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Ainda, o processo de obtenção de uma patente, tipicamente, exige a combinação da expertise de um/a especialista jurídico, responsável pela estratégia legal e pela conformidade com as normas legais e as do INPI, e de um/a especialista técnico/a no assunto, que se dedica às buscas de anterioridade, à redação dos descritivos e fórmulas e à criação dos desenhos técnicos. Essa integração é vital para a consistência, confiabilidade, e robustez do pedido de Patente e seu respectivo Processo de Registro.

Por fim, após um longo, detalhado, trabalhoso e especializado processo administrativo perante o INPI, o Pedido de Invenção receberá ou não o título reivindicado de PATENTE. A PATENTE concedida e registrada terá validade, tanto no Brasil, como fora de seu Território. Essa concessão e reserva de exclusividade é outorgada ao titular da Patente, por um período legalmente fixado, a partir de que seu Titular cumpra os pagamentos de anuidades, quinquênios, e realize as prorrogações legais, legalmente previstas.

No Pedido de Patente existem etapas processuais cruciais, como a publicação oficial do pedido pelo INPI. Nesse momento, é que a criação se torna pública - momento indispensável para a obtenção do registro e, consequentemente, da almejada exclusividade.

Após essa publicação oficial do INPI, qualquer pessoa interessada poderá se manifestar, apresentando informações ou documentos que apoiem ou contestem o pedido da Patente. É um momento de transparência e verificação. Na próxima etapa, por meio de seus Técnicos, o INPI fará um exame rigoroso e criterioso no Pedido formulado à exclusividade. Eles buscarão intensamente o estado da técnica, ou seja, tudo o que já existe e, foi tornado público no mundo todo. Essa busca minuciosa visa confirmar a universalidade da novidade e da inventividade da criação patentária.

Para essa busca, o INPI utiliza seu próprio Banco de Patentes (existente desde a década de 70), além de acessar bancos de dados internacionais, como os da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual - WIPO) e de outros países.

Ainda, a Patente goza da possibilidade de uma proteção global, em seu aspecto internacional, através do PCT (Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes) além de outras Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, que facilita a proteção de sua invenção em diversos países de interesse, a partir de um único pedido inicial e da utilização do Tratado, por intermédio de escritórios correspondentes e seus respectivos trabalhos nos países de interesse.

Depois desse longo e detalhado processo administrativo, e da invenção tornar-se uma PATENTE concedida pelo INPI, ela passa a usufruir da almejada exclusividade e reserva em seu uso, por um determinado número de anos, conforme estabelece a Lei nº 9.279/96 (Código da Propriedade Industrial). Ainda, essa exclusividade tem validade, tanto nacional, quanto internacionalmente, graças às Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil.

Além dessa exclusividade, as Patentes concedidas passam a não ser apenas um bem intelectual protegido com o direito de proibir a utilização desautorizada, mas se tornam um ativo valioso, por meio das Licenças e Royalties. Assim, a Patente Registrada pode ser objeto de Licenças específicas, que permitirão que terceiros utilizem a criação mediante definida remuneração. Como pagamento, por essa utilização da invenção em proveito alheio, surgem os Royalties, ou seja, o pagamento devido pelo uso autorizado, que é um valioso mecanismo de fomento ao Mercado e desenvolvimento contínuo, independentemente dos limites geográficos e fronteiras.

Assim, a Patente é mais do que um documento; é um privilégio e um desafio! É um "privilégio de invenção", basicamente garantido pela Constituição Federal e pelas Leis específicas.

Ao final de suas vigências, as Patentes entram em Domínio Público, tornando-se disponíveis para uso por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo.

Compreender e defender a Propriedade Intelectual, especialmente as Patentes, e a essência dessa criação protegida, ainda é um bom desafio em nosso país. É uma área, infelizmente, pouco conhecida pelo público em geral, pelos próprios inventores e, lastimavelmente, também por muitos advogados e Julgadores! No entanto, sua importância no apoio e incentivo para o caminhar e o desenvolvimento do ser humano e da sociedade é inegável e inestimável. Por isso, é crucial que também a PATENTE seja estudada e valorizada, merecendo, cada vez mais, a atenção de todos!


SYLVIA  REGINA DE CARVALHO EMYGDIO PEREIRA


















-Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1972);

-Mestrado em Direito (L.L.M.) na New York University em "Trade Regulation" com especialização em propriedade intelectual (1974);

-Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob o nº 31.479; e

-Fundadora do escritório "Emygdio Pereira Advogados Associados";

-Sócia Fundadora do IIDA- Instituto Interamericano de Direito de Autor/USO e do LIBRAS - Licenciantes do Brasil em Direitos do Autor e

-Ministra aulas de Propriedade Intelectual em diversas Faculdades.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Vítimas de fraudes/crimes podem solicitar a emissão de novo CPF


Autor: Michel Radamés Gonçalves Lopes (*) 

No Brasil sabe-se que o Cadastro de Pessoa Física é o registro de contribuintes mantido pela Receita Federal do Brasil no qual podem se inscrever, uma única vez, quaisquer pessoas naturais, independentemente de idade ou nacionalidade, inclusive falecidas.

Em outras palavras, - cada pessoa pode ter um único CPF, entretanto, infelizmente, quando tal número é "vazado", aliado a outros dados, podem ocorrer fraudes, fraudes em que o titular do CPF acaba sendo "atingido em seu direito de personalidade", dentre outros, podendo figurar como laranja em fraudes, aplicação de golpes, etc.

Atualmente várias são as formas, ilegais, de se acessar o CPF de alguém, situação que eleva sobremaneira os riscos envolvendo fraudes/crimes.

Perante a Receita Federal a regra é que o CPF é único, ou seja, inexiste possibilidade de se "criar outro CPF", entretanto judicialmente a situação é outra.

Na Justiça, sendo comprovado que a pessoa está sendo vítima/laranja, e que seu CPF está sendo usado para prática de fraudes/crimes, pode ser determinada a criação de outro CPF, com o cancelamento do anterior, veja-se o exemplo abaixo:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. CADASTRO DE PESSOAS FÍSICAS - CPF. FRAUDE. CANCELAMENTO. POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. RECURSO DESPROVIDO 1. O CPF é documento que identifica a pessoa física perante a Secretaria da Receita Federal, onde são armazenadas as informações cadastrais da pessoa, de modo que deve haver rigoroso controle em sua numeração, não sendo recomendável o cancelamento do número, exceto em casos excepcionais. 2. Em que pese não ser permitido novo CPF por uso indevido de terceiros, a Lei autoriza quando ocorre fraude e também por decisão judicial. No caso dos autos, os transtornos em razão da utilização indevida do documento restou demonstrado. 3. Destarte, não se mostra razoável exigir que, em nome da unicidade do número cadastral, a parte autora e a coletividade suportem os diversos prejuízos decorrentes da utilização do CPF indevidamente por terceiro, devendo ser cancelado o CPF com atribuição de um novo. 4. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 1%. 5. Apelação improvida.

[...]a parte autora apresentou o boletim de ocorrência do furto do seu CPF, ocorrido aos 29.08.2008 (ID 8477112); boletins de ocorrência das fraudes perpetradas em seu nome com o uso do seu número de CPF, em 20.05.2016 e 07.03.2018 (IDs 8477114, 8477119, respectivamente); seu termo do declaração no bojo de inquérito policial perante a Polícia Federal, em razão do saque fraudulento do seu FGTS (ID 8477117); extratos da SERASA com apontamentos (ID 8477120, 05/2018; ID 8477128, 03/2018), cópia das consultas das ações judiciais em face de instituições financeiras (IDs 8477135, 8477137, 8477139, 8477140, 8477145, 8497676, 8497677, 8497680) e em face de prestadoras de serviços (IDs 8477150 e 8477204). Juntou ainda a cópia da CTPS (ID 9262719) e das suas declarações de imposto de renda referente ao exercício de 2015, 2016, 2017 e 2018 (IDs 9262720, 9262721, 9262722 e 9262723), nas quais comprovam que não estava com vínculo empregatício e não realizou o empréstimo consignado, tampouco as aberturas de contas e consequentes pedidos de cartões. Consoante ao que restou comprovado pela dilação probatória, não há dúvidas de que a parte autora comprovou o uso indevido de seu CPF por terceiros. Anoto, por oportuno, que embora o uso fraudulento não esteja inserido na Instrução Normativa da Receita Federal, o caso dos autos se insere naqueles casos em que merecem um tratamento diferenciado, porquanto não pode o cidadão ser compelido, eternamente, a ter que ingressar no judiciário para cada uso frauduloso.

O caso acima fora julgado pela Justiça Federal da 3ª Região. Além deste, no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região há entendimento semelhante, veja-se abaixo um caso datado de 2025:

O autor alegou ter sido vítima de estelionato desde 2021, quando compartilhou sua carteira de habilitação, no whatsapp, com um suposto comprador de um aparelho celular que ele estava vendendo. Após essa ocorrência, ele relatou que seus dados eram utilizados para a aplicação de golpes em outras pessoas, com a utilização dos seus documentos, de um perfil falso que foi criado nas redes sociais e de números de telefone adquiridos em seu nome junto a operadoras. O comerciante juntou ao processo prints de conversas, boletins de ocorrência e inquéritos policiais a fim de comprovar o uso indevido dos seus dados em diversas transações fraudulentas, nas quais ele figurava como comprador. Os fraudadores procuravam vendedores, anunciantes de produtos online, simulando interesse no objeto ofertado. Contudo, eles forjavam os comprovantes de pagamento, com transferências e depósitos que não eram efetivados, recebendo os produtos sem fazer o pagamento. Assim, o autor constou como suspeito na aplicação dos golpes. “Entretanto, a utilização de um mesmo número por duas ou mais pessoas, uma delas agindo mediante comprovada fraude, acaba por ensejar consequências danosas não apenas para o contribuinte que está legitimamente inscrito sob determinado número, mas também para toda a sociedade (instituições financeiras, estabelecimentos comerciais, registro de veículos automotores etc.), prejudicando a segurança jurídica das relações jurídicas em geral e o próprio fisco. Assim, não se mostra razoável exigir que, em nome da unicidade do número cadastral, a parte autora e a coletividade suportem os diversos danos decorrentes da utilização indevida de CPF por terceiro.” Diante das provas apresentadas, a ação foi julgada procedente, sendo a União obrigada a proceder com o cancelamento do CPF, bem como com a concessão de um novo número de registro para o autor.

Assim, em que pese não ser aceito o pedido administrativo de emissão de novo CPF, judicialmente mostra-se possível a emissão de novo CPF.

 Fonte:

https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/01/TRF3-novo-CPF.pdf

https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=29053

*MICHEL RADAMÉS GONÇALVES LOPES

 

-Advogado graduado em Direito pela faculdade São Judas Tadeu Porto Alegre/RS( 2018)

-Curso de extensão de investigação criminal pelo Instituto Damásio Educacional São Paulo/SP(2019)

-Curso de aprimoramento em prática penal pela Escola de Criminalistas Porto Alegre/RS(2020)

-Áreas de atuação: Advocacia Especializada em Direito Penal e Processo Penal e

Contatos:

E-mail: michelradames@outlook.com 

Telefone: 51-99881 4360

Nota do Editor:

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terça-feira, 27 de maio de 2025

O envelhecimento das tecnologias e a responsabilidade jurídica por sistemas automatizados em desuso


 Autora: Karolyne Toscano Vasconcelos(*)

O debate jurídico atual tem se concentrado, quase obsessivamente, nas inovações tecnológicas. Inteligência artificial, blockchain e outras expressões do futuro ocupam o centro das discussões acadêmicas, legislativas e institucionais. No entanto, ao fixar o olhar apenas no que está por vir, o Direito negligencia um aspecto cada vez mais crítico: os sistemas antigos, obsoletos, mas ainda em funcionamento — legados digitais cuja estrutura e lógica se tornaram ininteligíveis ou inseguros, mas que seguem operando decisões públicas e privadas.

Esse fenômeno, que aqui se propõe chamar de obsolescência invisível, representa uma nova e silenciosa fonte de risco jurídico. Trata-se da permanência de tecnologias ultrapassadas, frequentemente opacas, que seguem produzindo efeitos no mundo real sem o devido controle, atualização ou responsabilização. A esse quadro soma-se o desafio do chamado black box legacy: sistemas legados cujo funcionamento é uma "caixa-preta", sem documentação, suporte técnico ou compreensão.

O mito da inovação permanente e a cegueira jurídica para o passado digital

A narrativa dominante do Direito Digital se ancora em uma promessa de regulação do novo. Leis, pareceres, orientações técnicas e debates doutrinários concentram-se na antecipação de riscos futuros, como se a ameaça jurídica estivesse sempre por vir. Essa lógica desconsidera o fato de que muitos sistemas tecnológicos em operação hoje não são novos — são legados. E, mais que isso, são desconhecidos, tanto por seus operadores quanto pelos agentes jurídicos que deles dependem.

Hospitais, tribunais, universidades, instituições financeiras e órgãos públicos ainda utilizam sistemas desenvolvidos décadas atrás, muitas vezes sem acesso ao código-fonte, sem atualizações regulares, e sem qualquer política de governança digital. A obsolescência técnica desses sistemas não é apenas um problema de eficiência, é uma questão de segurança, transparência, confiabilidade e, sobretudo, de responsabilidade jurídica.

A obsolescência invisível como fato jurídico relevante

Ao contrário da obsolescência programada — conceito mais conhecido e voltado ao consumo —, a obsolescência invisível não resulta de uma intenção mercadológica de substituição, mas da inércia diante da degradação tecnológica. Sistemas continuam operando não porque funcionam bem, mas porque não foram substituídos a tempo. Os riscos disso são múltiplos: decisões baseadas em dados imprecisos, falhas de interoperabilidade, perda de rastreabilidade, vulnerabilidades de segurança, entre outros.

O Direito ainda não reconhece esse fenômeno como um fato jurídico autônomo, digno de análise e responsabilização. Mas deveria. Se uma decisão é tomada com base em uma tecnologia obsoleta, cuja lógica de funcionamento não pode ser auditada, compreendida ou questionada, há violação do princípio da motivação, da transparência e, em alguns casos, até mesmo do devido processo legal.

A Lei Geral de Proteção de Dados garante direitos como o acesso, a correção e a eliminação de dados. No entanto, como assegurar o cumprimento desses direitos diante de sistemas legados, muitas vezes sem interoperabilidade com novas ferramentas? Se um cidadão solicita a exclusão de seus dados, mas eles estão espalhados por bases antigas, sistemas redundantes e rotinas automatizadas desatualizadas, como se dá a efetividade da exclusão?

Propõe-se aqui o reconhecimento de uma responsabilidade residual por inércia tecnológica: a obrigação de mapear, arquivar ou descontinuar sistemas legados que ainda impactem dados pessoais, sob pena de violação à autodeterminação informativa.

Proposta de enquadramento jurídico

Sugere-se que o ordenamento brasileiro reconheça, por analogia ao art. 14 do CDC e ao art. 927 do Código Civil, uma obrigação de resultado quanto à atualização e fiscalização de sistemas automatizados, sobretudo quando tais sistemas:

I. envolvem dados sensíveis;
II. geram efeitos jurídicos sobre os titulares;e
III.tenham sido terceirizados sem cláusulas específicas de atualização tecnológica.
A inclusão de cláusulas obrigacionais em contratos de prestação de serviços digitais, prevendo prazos máximos de uso de sistemas e mecanismos de atualização contínua, poderia mitigar riscos regulatórios e reputacionais.

A sociedade da informação não está apenas criando direitos — está sendo, ao mesmo tempo, silenciosamente corroída por tecnologias esquecidas que seguem operando no cotidiano institucional. O Direito não pode mais limitar sua atuação à regulação do que está por vir. É preciso observar os restos digitais do passado que ainda moldam o presente.

O reconhecimento jurídico da obsolescência invisível pode representar uma medida disruptiva, mas é, sobretudo, uma resposta necessária a um novo cenário de riscos: aquele que emerge não da inovação, mas do abandono tecnológico sem controle, sem documentação e sem responsabilidade. Responsabilizar quem se omite diante da degradação silenciosa de sistemas é uma forma de proteger a integridade das decisões e dos direitos na era digital.

KAROLYNE TOSCANO VASCONCELOS


















-Advogada inscrita na OAB/PB sob o nº 30.201;

-Bacharela em Direito pela Unifacisa Centro Universitário (2020);

-Pós-graduada em Direito das Mulheres pela  I9 Educação 
( 03/2025);

-Pós-graduanda em Direito Digital, LGPD e Proteção de Dados  pela I9 Educação;

Nota do Editor:

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terça-feira, 20 de maio de 2025

O Tema 1.268 do STF

 


Autor: Luciano Almeida de Oliveira(*)


Na dinâmica da vida forense, reside o objetivo do profissional do Direito: a busca pela aplicação da intenção primordial do legislador.

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao interpretar a aplicar o texto constitucional, desempenha um papel crucial na consolidação de princípios que visam garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações, especialmente no que tange à proteção do meio ambiente e do patrimônio público.

Um desses pilares defendidos nas decisões do STF é a ideia de que conquistas na tutela ambiental devem ser preservadas, sob pena de um retrocesso prejudicial a toda a coletividade, com entendimento pacífico.

O julgamento do Recurso Extraordinário 1.427.694 SC culminou na fixação do Tema 1.268, tendo sido decidido pela imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União. Eis sua redação:
"É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado."
A decisão não surpreende. Há anos os tribunais superiores vêm aplicando o princípio do não retrocesso nos processos que envolvem o direito ambiental, uma criação originária dos Tribunais da Alemanha, no século XX, em resposta à necessidade de proteger direitos sociais já conquistados.

A decisão do STF no Tema 1.268 reflete essa preocupação com a proteção do meio ambiente, garantindo que a lesão ao erário decorrente da exploração mineral ilegal, intrinsecamente ligada ao dano ambiental, não seja olvidada pelo tempo.

Permitir a prescrição em tais casos representaria um enfraquecimento dos mecanismos de proteção e um incentivo à impunidade, contrariando a lógica de um desenvolvimento sustentável e da responsabilidade intergeracional, culminando em um retrocesso da ampla proteção ambiental.

A imprescritibilidade no Tema 1.268 alinha-se com o já consolidado entendimento no Tema 999, que versa sobre a imprescritibilidade da ação de reparação de danos ambientais stricto sensu. Eis sua redação:
"É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental".
Em suma, a decisão do STF no RE 1.427.694 (Tema 1.268) representa um avanço significativo na consolidação de uma jurisprudência que busca a proteção ambiental.

Ao afastar a prescrição para as ações de ressarcimento decorrentes da exploração irregular de minérios, o STF demonstra um compromisso com a necessidade de evitar retrocessos na tutela do meio ambiente e garantir a responsabilização por condutas lesivas.

Conquistas na proteção ambiental são um legado a ser preservado, mas é preciso destacar que uma parte do Congresso defende uma mudança na legislação ambiental.

É preciso acompanhar esse debate, pois a decisão dele decorrente poderá afetar a dinâmica nacional e internacional.

* LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA













L

-Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás(1996);

-Atua na área da propriedade intelectual e no direito ambiental;

-Membro da Associação Bradilleira de Propriedade Intelectual;

-Escreve há mais de 15 anos artigos de direito e crônicas para jornais e revistas; e

lucianoadvogado7@gmail.com

Nota do Editor:

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terça-feira, 13 de maio de 2025

Dolo específico na improbidade


Autor: Ubiratan Machado de Oliveira (*)

Dolo é a intenção ou consciência de praticar um ato ilícito, podendo ser genérico (o agente quer realizar o ato, mas sem objetivo específico além da prática), ou específico (intenta alcançar uma meta, além do próprio ato), sendo que na improbidade administrativa, este se refere à intenção deliberada do agente público de violar princípios da administração pública, como legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, visando obter vantagem indevida, causar prejuízo ao erário ou beneficiar terceiros.

Dolo específico é relevante em casos de enriquecimento ilícito, por exigir que o agente tenha agido com intenção clara de obter um benefício ilícito, mas para a configuração de ato ímprobo por enriquecimento ilícito, é indispensável a demonstração da intenção do agente em obter vantagem patrimonial indevida. A mera irregularidade formal, sem prova de má-fé ou intenção ilícita, não é suficiente para caracterizar improbidade. Há necessidade de demonstração da intenção subjetiva do agente, para que se evite a apenar agentes públicos por mero erros formais, ou falhas escusáveis sem má-fé.

Dolo específico é elemento central na caracterização de atos de improbidade administrativa, tal como se sucede nos casos de enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário. Sua comprovação exige a demonstração da intenção deliberada do agente público de violar os princípios da administração pública com um objetivo ilícito claro. A jurisprudência tenha avançado na definição de critérios para identificar aquela espécie de conduta, principalmente no que se refere a subjetividade da intenção, e à distinção entre simples irregularidades administrativas e atos ímprobos reais.

O conceito de dolo específico é essencial para garantir a efetividade da Lei de Improbidade Administrativa. Sua correta configuração viabiliza a punição de condutas corruptas, sem comprometer a segurança jurídica dos agentes públicos envolvidos, em especial aqueles lotados em órgãos de controle e fiscalização.

Destarte, o equilíbrio entre rigor punitivo e respeito aos princípios constitucionais orienta a atuação judicial quanto as políticas de prevenção contra atos ímprobos, contribuindo para que a administração pública seja mais ética, transparente, eficiente e eficaz.

*UBIRATAN MACHADO DE OLIVEIRA














 Graduação  em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira;

-Especialização em Administração de  Empresas  pela PUC-GO;

 - Atualmente é:

   -Gerente na transportadora Expresso Mineiro Ltda;

   - Professor de Inglês no Manhattan English Course e na Sociedade Educacional Pré-Médico Ltda; e

- Engenheiro Assistente  com acervo técnico de execução pela Construtora Mendes Júnior S/A, do Sistema Meia Ponte da SANEAGO;

-Orçamentista no IPPUA – Prefeitura de Aparecida de Goiânia;

- Analista de Correios nos Correios e

-Auditor de Controle Externo no TCM-GO.

 Nota do Editor:


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terça-feira, 5 de novembro de 2024

Os Entes Intelectuais


 

©️2024Sylvia Regina de Carvalho Emygdio Pereira 

O ato de criar traz em si uma sensação do extraordinário, do sublime. Esse ato, normalmente, é precedido por algum sonho do ser humano. O ato da criação é responsável pela criação dos ENTES INTELECTUAIS, ou a CRIAÇÃO HUMANA.

Mas, só a criação não se basta!

Quando materializada no mundo corpóreo, a criação ou os entes intelectuais são valiosos e precisam ser preservados, protegidos, e cuidados.

A criação, a partir de sua linguagem, meio, suporte e ambientes escolhidos – adotados à sua melhor materialidade e corporificação – e desde que essa criação materializada seja independente, tenha existência própria, seja nova, original, criativa, distintiva, inventiva, poderá ser abarcada e tutelada por certos institutos jurídicos, à sua melhor guarda, proteção, e reserva.

Em seu caminho e busca de uma existência efetiva e protegida, a criação deverá receber uma "Certidão de Nascimento" própria, a qual lhe outorgará direitos e deveres, além de torná-la partícipe de uma determinada e certa classe de bens intelectuais.

Dessa forma, com suas especificidades e especialidades, as criações intelectuais poderão fazer parte dos direitos de autor, das marcas, das patentes, das tecnologias, dos softwares, das indicações geográficas, dos segredos, do know- how, das inovações, dentre outras.

Neste estudo, procuraremos analisar os três primeiros tipos mencionados de criações intelectuais, que, em suas formas mais básicas, são os Direitos De Autor, as Marcas, e as Patentes. Esses três entes intelectuais permeiam a vida diária de todos nós e nem nos damos conta de sua importância e consistência em nossas vidas... Assim, convivemos com essas criações desde cedo, com a marca da pasta de dentes que usamos logo pela manhã, até a TV, o filme que assistimos ou o livro que lemos no descanso da noite, enquanto apreciamos uma musica preferida...

Pois sim, tudo o que existe além da natureza e do ser humano, todo o arcabouço criado pelo homem para a sociedade, e sua existência plena, sempre dependeu da imaginação, criatividade, e inventividade do ser humano para nascer, e existir e perdurar.

Mas, como já abordamos, a criação para existir, precisa receber sua vida legal, que se origina com o seu Registro. É o Registro da criação que lhe dá um corpo, um nome, e a efetividade de sua existência, propiciando a que a criação passe a ter a capacidade de alcançar plenamente o seu objetivo.

Esse Registro traz consigo a exclusividade, a reserva de direitos próprios, a ratificação da prioridade e da anterioridade do ato da criação, e os direitos certos e plenos de que seu proprietário passa a gozar e usufruir (muitas vezes, o seu titular - e não mais o criador/autor da criação).

O criador/autor da criação, contudo, quando a criação for regida pelos direitos autorais, mesmo não sendo mais seu Titular, ele sempre reservará para si a autoria da criação ( da obra ) e alguns direitos criativos específicos. Dentre esses direitos, encontra-se o de ter seu nome, como autor, unido à sua obra para sempre, mesmo que tenha negociado ou licenciado ou cedido a criação a outrem, e mesmo após sua morte, sendo sempre, com ela, identificado como o seu Autor.

A partir do registro dessas criações aqui ora tratadas –cada uma em sua esfera de direitos próprios, ou seja, uma marca, uma patente, um direito de autor – a criação específica passa a ser regida e regulada por Leis correspondentes ao seu tipo criativo, as quais irão regulamentar todo o transcorrer dos anos de vida e de vigência desses entes intelectuais.

Tratando-se de direitos autorais, é importante excetuar que estes direitos independem de qualquer registro para existirem, sendo, contudo, o registro autoral altamente recomendado, por carregar em si uma absoluta certeza de autoria e de titularidade plena de direitos autorais patrimoniais e morais inerentes, da Autoria.

Assim, quando o autor, criador, inventor, ou titular de alguma criação intelectual realiza algum desses registros para as suas criações, por intermédio de um advogado/a especializado/a, deverá estar seguro do profundo e extenso conhecimento do profissional quanto à matéria, pois, normalmente, o registro lança a base de todo um patrimônio intelectual que muito poderá reverberar, inclusive em seu valor financeiro, e mesmo de forma internacional, tratando-se este de um Direito vigente entre nações, regido por diversas convenções internacionais.

O profissional desta área, por sua vez, tem de estar em condição plena de conhecimento desse ramo jurídico, além de ser portador de conhecimentos específicos atualizados – pois que essa área envolve muita movimentação e atualizações constantes.

Esse profissional deverá ter a plena condição de realizar as análises básicas da criação: seu tipo, características, requisitos, direitos, e não somente os atuais, realizando as verificações próprias de anterioridades, colidências, com relatórios respectivos, e competências, indicando ao titular da criação sob sua consulta, todos os passos, situações, e caminhos a que poderá/deverá submeter a criação, visando, sempre, o melhor, mais proveitoso, e correto aproveitamento e o uso dessa criação, de forma totalmente regularizada e adequada.

Entretanto, a que haja um uso correto e lícito, muitas vezes, perene da criação registrada, e a que possam percorrer e permanecer sempre mantidos, o uso e os frutos de uma criação específica e de seu respectivo patrimônio intelectual, não basta apenas um registro corretamente realizado, mas é indispensável o acompanhamento dessa criação pelo longo de toda a sua vida, a que os direitos sejam mantidos, assegurados, e renovados, com o uso próprio e orientado, em benefício de seu criador/titular, que receberá os proveitos advindos da própria criação.

Assim, por exemplo, uma marca, após corretamente requerida para identificar um produto, atividade ou serviço devidamente comprovado de sua/seu titular, sempre terá de pagar taxas oficiais, responder eventuais exigências do Órgão registrador (o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI), ainda obrigando-se a manter seu nome, endereço, objeto/atividade e titularidade atualizados, mediante específicas Averbações. Poderá ter, também, de comprovar seu uso contínuo e correto, evitando, assim, uma eventual caducidade de direitos. Para isso, é muito importante o uso adequado dessa identificação marcária em documentos e atividades registradas da/o Titular. Ademais, para que a marca permaneça vigente, a cada 10 (dez) anos, ela terá de ser renovada, em seu ultimo ano de vigência do registro respectivo, usufruindo, assim, uma espécie de vitaliciedade juridicamente adquirida com o registro marcário.

Mecanismos semelhantes ou idênticos são exigidos para a Patente inventiva, a que permaneça vigente e plena em seus direitos, com os específicos pedidos de exames, recolhimentos das taxas oficiais de renovações, anuidades, quinquênios, ademais das averbações de mudança de endereços, nome, titularidade, dentre outros.

Além de todos esses requisitos de acompanhamento constante e extenso da própria criação, um monitoramento contínuo perfeitamente realizado e sob a responsabilidade do procurador encarregado do ente intelectual específico, é de grande importância para os direitos da área, com a verificação permanente, usualmente realizada todas as semanas, que o rigoroso procurador especializado, por intermédio de seus técnicos experientes, realiza, apontando eventuais colidências danosas às criações sob o seu patrocínio. Dependendo da colidência verificada, serão orientadas e apresentadas pelo mesmo Procurador as medidas defensivas e acautelatórias autorizadas pelo Titular da Marca, da Patente, e mesmo dos Direitos Autorais, que se realizarão por intermédio de medidas próprias e profissionais de Direito.

Assim, verifica-se que a vigência exclusiva e reservada de uma criação, de seus direitos, e de seu respectivo patrimônio, tem muita importância e deve ser sempre preservada e mantida!

Em muitas semanas, o INPI publica mais de 10 mil marcas novas e antigas (estas sob algum procedimento legal) às conferências de procuradores especializados e seus técnicos zelosos. O mesmo se dá, especialmente, com as patentes, os softwares, as indicações geográficas, e as transferências de tecnologia. Esse trabalho de monitoramento, além de sua importância, é imprescindível à boa e correta preservação das criações.

Ainda, relembramos que todos esses direitos criativos absolutos e autônomos - de muita importância na formação cultural de uma Sociedade - precisam ser sempre vigiados contra os abusos, a subtração, e os excessos que possam lhes ser causados, impostos e/ou pleiteados. Isso justifica a referida vigilância necessária e indispensável durante todas suas vidas e vigências legais.

Tudo isso, justificaria um estudo extenso e consistente dessa área em nossas melhores faculdades e mesmo nas nossas escolas, a começar pelas públicas, e, como já tive oportunidade de explicar em artigo anterior, a partir do comentário de minha netinha, que, relatando sobre sua escola no Canadá, me contou que lá, quem copia de um/a colega e diz que é sua a criação, ou quem afirma que criou algo, mas essa não é a verdade, e somente copiou de uma obra ou de outrem, poderá ser expulso da escola! E isso ela apreendeu antes de seus 10 anos de idade, na própria escola!

Tudo isso justificaria um estudo aprofundado e específico desta área da Propriedade Intelectual - Propriedade Industrial, quando se refere, ao menos, às marcas, patentes e direitos autorais, mesmo sem abarcar as áreas correlatas, como a concorrência desleal, novidades, e inovações, dentre as outras.

Ora, essas inúmeras criações remetem cada vez mais a justificar um zelo e esmero constante no estudo, ensino, e aprendizado específicos por parte de seus especialistas e do próprio usuário, que deve aprender, desde cedo, o respeito às criações e do uso apenas lícito das mesmas. Mas não é isso que vemos, infelizmente, e poucos, ou quase nenhum, são os raros cursos (mesmo os universitários das grandes e famosas universidades) que ensinam e se preocupam em divulgar sobre essas matérias e o respeito que merecem...

Por fim, tudo isso, ainda nos remete a uma grande pergunta destes novos tempos, infelizmente, formulada por quem conhece muito pouco as bases de toda esta área criativa, qual seja: se a Inteligência Artificial também pode ser autora e titular de suas respostas, como alguns tanto desejariam...

Perguntam, contudo, sem examinar e compreender que só o ser humano é capaz de ser extraordinário, de ser memorável e, verdadeiramente criativo!...

*SYLVIA  REGINA DE CARVALHO EMYGDIO PEREIRA
























-Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1972);

-Mestrado em Direito (L.L.M.) na New York University em "Trade Regulation" com especialização em propriedade intelectual (1974);

-Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob o nº 31.479; e

-Fundadora do escritório "Emygdio Pereira Advogados Associados";

-Sócia Fundadora do IIDA- Instituto Interamericano de Direito de Autor/USO e do LIBRAS - Licenciantes do Brasil em Direitos do Autor e

-Ministra aulas de Propriedade Intelectual em diversas Faculdades.

Nota do Editor:

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