Mostrando postagens com marcador Opinião dos Jornais. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Opinião dos Jornais. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Prudência suprema




O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, conseguiu uma proeza na noite de terça-feira (8): proferiu decisão que contentou tanto o governo federal como as forças oposicionistas.

Examinando petições ajuizadas pelo PC do B, o ministro houve por bem suspender a formação da comissão especial que começará a analisar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Até o próximo dia 16, quando o plenário do Supremo se debruçará sobre o tema, o processo permanecerá travado, com a interrupção de todos os seus prazos. Com uma ressalva de cautela, Fachin acrescentou que os atos já praticados, ao menos por ora, serão preservados.

A oposição não tem o que lamentar. Deputados e senadores anti-Dilma vinham se esforçando para retardar o desenrolar do episódio; num cálculo de conveniência, queriam esperar a deterioração ainda maior da situação econômica para ver facilitada a tarefa de mobilizar a sociedade contra a presidente.

O governo tampouco haverá de se queixar. O intervalo determinado pelo STF dá ao Planalto alguns dias para recompor suas tropas após a derrota expressiva que sofrera na própria terça-feira –por 272 votos a 199, a Câmara indicara para a comissão especial uma maioria favorável à deposição da petista.

Tais considerações, naturalmente, não influenciaram Edson Fachin. Tratava-se, como assinalou o ministro, de evitar "atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo" e "apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados", a fim de dar ao caso maior segurança jurídica.

Nada mais necessário, e não só porque está em questão uma sanção tão extrema quanto o afastamento da presidente da República.

Como argumentou o PC do B em ação protocolada na semana passada, a lei 1.079, que regula o impeachment, foi editada em 1950 e jamais passou por atualização. Em 1992, no julgamento de Fernando Collor, o STF resolveu alguns pontos de conflito entre essa norma e a Constituição, mas não todos.

Eliminar as incongruências remanescentes, mais que uma faculdade do Supremo, é um dever. Já o seria em qualquer circunstância; quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) preside a Câmara dos Deputados, contudo, essa obrigação se transforma em verdadeiro imperativo.

Mestre do contorcionismo regimental, Cunha deu sinais evidentes de que consegue realizar variadas manobras no pouco espaço que a legislação lhe oferece.

Com desfaçatez, impôs o sistema de sua preferência para escolher a comissão especial do impeachment; como se não bastasse, atropelou a palavra dos líderes das bancadas e tornou secreto o voto que deveria ser aberto, segundo jurisprudência fixada pelo STF (cite-se a ADI 1.057).

O país precisa que, ao final do julgamento da presidente Dilma Rousseff, pouco importando o desfecho, não perdure dúvida quanto à legalidade do processo. 


POSTADO NO DIA 10.12.2015 EM
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1717137-prudencia-suprema.shtml

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A prisão dos intocáveis




Por mais que a corrupção na vida pública ofenda os valores fundamentais de uma sociedade democrática, como tudo que se torna banal e corriqueiro ela acaba de alguma forma contaminando e se sobrepondo a esses valores. Na política nacional, a corrupção – o toma lá dá cá ou o é dando que se recebe – assumiu ares de mal necessário sem o qual não existe governabilidade nem os partidos podem exercer suas funções. O enraizamento dessa concepção deturpada de “política” é o princípio do fim da democracia, porque consagra o poder hegemônico do dinheiro sobre todos os valores humanos. É preciso, portanto, ter muito clara a exata extensão desse contágio que, na chamada era petista, tornou endêmica a corrupção na vida pública, para que a sociedade possa reagir a essa devastadora ameaça. Este é o grande serviço que os meios de comunicação têm prestado ao País, ao divulgar extensivamente as apurações da Operação Lava Jato e de outras que expõem as fétidas entranhas da má política. Nos últimos dias, esse dever cívico foi cumprido à risca, culminando com as notícias da prisão preventiva do primeiro-amigo do ex-presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai, do senador Delcídio do Amaral, petista que é líder do governo no Senado, e do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, todos envolvidos no megaescândalo do petrolão.


Hoje em dia a corrupção no governo só não é encontrada onde não é procurada. Isso não é obra do acaso nem o resultado de uma conspiração dos meios de comunicação “de direita” contra o “governo popular” do PT. O Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF) e o Poder Judiciário investigam e processam, exibindo ao público indignado de que forma a corrupção abastece os cofres de partidos políticos, maximiza os lucros de empreiteiras de obras públicas e de outras empresas e recheia as contas bancárias, aqui e no exterior, de políticos, altos funcionários de estatais e operadores dos esquemas escusos.

Com sua inesgotável capacidade de arranjar desculpas e atenuantes para seus pecados, os petistas alegam que investigações como a da Operação Lava Jato só têm sido possíveis porque os governos de Lula e de Dilma têm garantido ao MPF e à PF os recursos e a autonomia necessários. Mas isso não é mérito, apenas obrigação. E isso não elide o fato de que os mesmos petistas, inclusive o chefão Lula, vivem reclamando da “falta de controle” do Palácio do Planalto sobre as investigações em curso.

Lula e seus correligionários têm todos os motivos para estarem preocupados com o andar da carruagem, pois as prisões de José Carlos Bumlai, de Delcídio do Amaral e de André Esteves mostram que, havendo indícios sólidos do cometimento de crimes, nem mesmo os grandes figurões da política e das finanças escapam da prisão. Já não são protegidos pela “boa vontade” de autoridades míopes nem se podem esconder atrás do biombo de amizades poderosas, de imunidades parlamentares ou de riquezas assombrosas havidas com espantosa rapidez. José Carlos Bumlai, por exemplo, há mais de 10 anos desfila pelos altos escalões da República e dos negócios desfrutando o título de amigo do peito do dono do PT. Delcídio do Amaral, contra quem pesa sólida acusação de ter tentado coagir o notório Nestor Cerveró a calar o bico sobre o escândalo da Petrobrás, é nada menos do que o líder do governo no Senado. E de André Esteves dizia-se que tinha o dom de Midas.

O caso de Delcídio do Amaral é o mais exemplar. Senador, com foro privilegiado, a investigação em que está envolvido corre em Brasília sob a coordenação do STF, razão pela qual sua prisão preventiva teve de ser autorizada pelo ministro Teori Zavascki. O petista é o primeiro parlamentar em exercício de mandato a ser preso em decorrência das investigações sobre o escândalo da Petrobrás e conexos. Inaugura, assim, a lista de prisões na fase mais delicada do trabalho dos procuradores e policiais federais, aquela que, por questão jurisdicional, está fora do âmbito de competência do titular da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, o juiz Sergio Moro. As dezenas de senadores e de deputados envolvidos no escândalo do petrolão serão julgadas pelo STF, como já aconteceu no caso do mensalão. Lula não tem esse privilégio.

Certamente por essa razão, ao justificar o mandado de prisão de Bumlai, o juiz Sergio Moro fez questão de deixar claro que não existe nenhuma evidência de envolvimento do ex-presidente nos delitos investigados. Mas a investigação ainda está em curso.

Postada no dia 26.11.2015 EM

http://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-prisao-dos-intocaveis,10000003004

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A conspirata contra Levy aumenta o risco político





A trama de Lula e do PT contra o ministro da Fazenda amplia a margem de risco do fragilizado e impopular governo Dilma Rousseff.

Especula-se sobre os reais objetivos do ex-presidente. Lula saiu do governo há cinco anos, mas insiste no papel de ex-presidente insatisfeito com a perda de poder. Desde o ano passado, nos primórdios da campanha de reeleição, ele manobra para indicar os responsáveis pela condução da política econômica.

Seus argumentos variam conforme a ocasião, porém obedecem a uma sequência coerente, regular, lógica: ele escolheu e elegeu Dilma, portanto, tem o encargo de administrar e de exercer influência sobre a ungida, caso contrário ela ficaria desprotegida no centro da arena política. Há vasta literatura política sobre isso: tutela.

Desde a chegada ao Planalto, ao contrário do antecessor, ela nunca delegou a condução da política econômica.

Dilma recebeu, em 2011, uma economia subterraneamente corroída nos fundamentos, mas encoberta por uma dinâmica de múltiplos incentivos ao consumo, orçamento generoso na partilha de recursos do Tesouro e uma extraordinária carteira de investimentos subsidiados pelo Estado — da fabricação de automóveis ao projeto de construção, simultânea, de cinco refinarias de petróleo, entre outros.

Seu governo, a partir de suas decisões, potencializou a herança deficitária. A crise fiscal que explodiu no bolso de 200 milhões de brasileiros foi fabricada por Lula e potencializada por Dilma nos últimos cinco anos.

Evento insólito, revelador da centralização imposta por Dilma à condução da economia, foi o anúncio antecipado da demissão do ministro da Fazenda em plena campanha, no ano passado. O economista Guido Mantega passou o último quadrimestre de 2014 ocupando a cadeira ministerial — e apenas isso.


Dilma rebarbou Lula ao optar por Joaquim Levy. Comandou a construção de uma proposta de um necessário ajuste fiscal mas, diante das críticas do PT insuflado por Lula, deixou o ministro da Fazenda exposto, diante de um Congresso onde a maioria dos aliados disputa influência sobre o Orçamento e o crédito público.

O movimento de Lula e do PT para derrubar o ministro da Fazenda não reflete nada além da luta capitaneada por um ex-presidente contra a própria aposentadoria e pelo papel de tutor da sucessora. Contribui, sim, para ampliar a confusão no atual cenário político e econômico, já bastante desordenado. Hoje não importa quem esteja na Fazenda, porque estará condenado a enfrentar dificuldades com a presidente, seu antecessor, o PT, e a rebeldia interessada de partidos aliados no Congresso.

A conspirata conduzida por Lula só tem um resultado previsível: mais e maiores prejuízos ao país.

Postado no dia 12.11.2015 em http://oglobo.globo.com/opiniao/a-conspirata-contra-levy-aumenta-risco-politico-18023982#ixzz3rJ6pqSKk

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Retrocesso armado


Como se o Legislativo já não merecesse críticas suficientes pelo envolvimento de parlamentares em escândalos de corrupção e pela estultice diante da crise econômica, alguns deputados deram nesta semana mais uma lamentável demonstração de irresponsabilidade.

Dando de ombros para os avanços conquistados desde 2004, uma comissão especial da Câmara aprovou um projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento.

O texto reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas, amplia a validade do porte de três para dez anos e, para espanto geral, autoriza que pessoas respondendo a inquérito policial ou processo criminal também possam ter e carregar esses artefatos.

Há mais: o projeto em tramitação concede o porte de arma –hoje em geral restrito aos responsáveis pela defesa e pela segurança pública– a parlamentares, advogados da União, oficiais de Justiça e agentes de trânsito, entre outros.

Se existisse alguma dúvida sobre a orientação da medida, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) tratou de eliminá-la. "Hoje a regra é praticamente a proibição da posse e do porte de armas; pelo meu projeto de lei, a regra passa a ser a permissão."

A linha de pensamento é conhecida: o "cidadão de bem" precisa se proteger da "bandidagem". De resto, segue o raciocínio, o elevado número de assassinatos prova que o estatuto se mostrou infrutífero.

Os dados sobre violência, contudo, embasam conclusão bem distinta. De 1980 até 2003, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes cresceu de 11,7 para 28,9. Após a adoção do estatuto, em 2004, essa escalada foi interrompida.

Flexibilizar a lei fará aumentar as cifras dessa tragédia –e em parte por culpa de "cidadãos de bem". Um estudo revelou que 83% dos assassinatos no Estado de São Paulo em 2011-2012 com motivação esclarecida foram cometidos por razões fúteis, como rixas e brigas de casal. Tais leviandades tendem a crescer com a maior circulação de armas.

A "bandidagem", por seu turno, terminará se beneficiando. Pesquisas já indicaram que cerca de 80% das armas apreendidas em São Paulo, sobretudo as vinculadas a crimes, eram de fabricação nacional –vale dizer, um dia foram vendidas legalmente. Impedir o comércio, portanto, diminui a oferta de artefatos para criminosos.

Críticos do desarmamento, todavia, não se deixam convencer. Na falta de melhor argumento, reclamam que a lei fez cair o número de estabelecimentos que comercializam armas, de 2.400 para 200. Ruim? Talvez para fabricantes e vendedores desses artefatos, bem como para parlamentares que receberam doações do setor –11 deles integravam a comissão da Câmara.

Talvez isso explique por que o colegiado avaliza o porte para quem responde a inquéritos policiais ou processos criminais. Afinal, o cliente sempre tem razão.

POSTADO NO DIA 29.10.2015  EM


http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/10/1699837-retrocesso-armado.shtml

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Cenário pior, governo travado



Fica mais feio a cada semana, com inflação mais alta e recessão mais funda, o cenário traçado por economistas do setor financeiro e divulgado pelo Banco Central (BC) em seu boletim Focus. Expectativas sempre piores podem parecer muito naturais, quando a presidente se torna dia a dia mais fraca e todo ajuste permanece travado por impasses políticos. A corrupção, a crise política, a reprovação do balanço fiscal pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e as pressões contra a presidente foram temas constantes quando se falou do Brasil, na semana passada, em Lima, durante a reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI). O agravamento da crise brasileira é hoje um assunto internacional, assim como foi, há alguns anos, a aparente decolagem do País para os céus da modernidade e da seriedade política.



Encerrada a reunião em Lima e passado o feriado de 12 de outubro, um novo boletim Focus foi distribuído pelo BC, desta vez na terça-feira, não na segunda, e novamente os números mostraram uma piora das expectativas. Para este ano, a mediana das projeções passou a indicar uma inflação de 9,70%, pouco superior à estimada uma semana antes (9,53%). O número esperado para 2016 passou de 5,94% para 6,05%. Foi a décima semana consecutiva da alta e a taxa projetada continuou a aproximar-se do limite de tolerância, de 6,50%, no caminho apontado no fim de setembro por alguns analistas.

A tendência de aceleração foi confirmada na última semana. Depois de um breve recuo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) voltou a subir com vigor e avançou 0,54% em setembro. Em agosto, a alta havia ficado em 0,22%, mas uma trajetória semelhante, com taxas mais baixas no meio do ano, já havia ocorrido em 2013 e 2014. O aumento acumulado em nove meses, de 7,64%, foi o maior observado entre janeiro e setembro depois de 2003, quando chegou a 8,05%. Mas em 2003 havia um esforço de arrumação das contas públicas e de combate à inflação e dados melhores logo apareceram.

O quadro brasileiro é muito diferente neste momento. Há promessas de correção das contas públicas, mas quase nenhum progresso real nessa direção. A presidente vetou atos legislativos desastrosos para as finanças federais, mas os congressistas ainda vão decidir se os vetos serão mantidos. Se os votos, nesse caso, forem favoráveis ao governo, ainda sobrarão muitas dúvidas quanto à execução orçamentária do próximo ano. Depois de mandar ao Congresso um projeto com déficit primário de R$ 32 bilhões, o Executivo mudou de ideia e recompôs a proposta.

Nessa versão está previsto um superávit primário (sem despesa de juros) equivalente a 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas isso dependerá de algumas condições importantes e ainda incertas. Uma das principais é a recriação do imposto do cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Não há perspectiva de cortes importantes de gastos. A presidente mostra pouca disposição de racionalizar a despesa, seu partido é defensor da gastança e o apoio da base governamental a uma política de austeridade é duvidoso. A execução orçamentária continuará, portanto, muito dependente da receita e, portanto, do ritmo da atividade econômica. Mas as perspectivas de reanimação dos negócios continuam piorando.

A contração econômica prevista para este ano passou de 2,85% para 2,97%. Uma nova redução do PIB é esperada para o próximo ano. Agora se projeta uma retração de 1,20%. Uma semana antes, o recuo projetado era de 1%. O pior desempenho continua e continuará sendo o da indústria, com taxas de -7% em 2015 e -1% em 2016. A nova redução do produto industrial afetará duplamente a base tributária, pelo menor volume de mercadorias e pela piora das condições de emprego e de renda.

Neste, como nos anos anteriores, as projeções da pesquisa Focus pioraram a cada mês. O roteiro se repete, mas com o governo travado e a presidente em risco de impeachment.

Editorial postado no dia 14.10.2015 EM
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,cenario-pior--governo-travado,10000000343

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Só investigação esclarecerá ‘lobby’ de Lula


E-mails apreendidos na sede da Odebrecht reforçam denúncias de que o ex-presidente se empenhou mais do que o aconselhável na defesa da empresa

Admita-se que no presidencialismo brasileiro, em que o poder da caneta do chefe do Executivo é imenso, proporcional à capacidade que tem o Estado de favorecer empresas bem relacionadas em Brasília, Lula não tenha sido o primeiro a passar pelo Planalto em meio a nuvens de suspeição.

A diferença é que, com o tempo, os rumores se transformaram em indícios, fortalecidos com a apreensão pela Polícia Federal, em junho, na sede da Odebrecht, em São Paulo, de e-mails que indicam intromissão de uma empresa privada em atos de Estado. E, por parte de Lula e também Dilma, uma indesejada permissividade no relacionamento com executivos da empreiteira. A começar pelo próprio Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, na Operação Lava-Jato.

Não se discute que governos de países em que há empresas que disputam concorrências no exterior atuam para que licitações sejam arrebanhadas por compatriotas. Mas deve haver uma linha divisória entre os interesses de Estado e de empresas privadas, além de cuidados para que governantes não sejam vistos como lobistas, geralmente bem remunerados.

O discurso de defesa de Lula vai nesta direção: o ex-presidente nada mais fez do que, como vários chefes de Estado, atuar no exterior a fim de trazer negócios para o Brasil.

Alguns dos e-mails transmitidos pela Odebrecht, até do próprio Marcelo, na prática converteram o Planalto numa espécie de escritório avançado da empreiteira. Com interesses em Angola, por exemplo, nas proximidade de uma visita do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, Marcelo pediu a Lula que enaltecesse o papel de José Eduardo como “pacificador e líder nacional”, e lembrasse a atuação de empresas brasileiras em Angola, em especial a sua. Não deve ter sido coincidência que, no dia seguinte, ao recepcionar José Eduardo, Lula, em discurso, afirmou que o colega soubera “liderar Angola na conquista da paz.”

A julgar pelos e-mails divulgados, parece haver farto material em que Lula é instruído a defender interesses comerciais da empreiteira em seus contatos com dirigentes estrangeiros. Tudo fica ainda mais apimentado com um e-mail de resposta a um executivo da empreiteira em que o então ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge garante que o “PR” (presidente da República) “fez o lobby”. Tratava-se de defender junto ao governo da Namíbia o consórcio brasileiro da qual a Odebrecht participava na disputa pela construção de uma hidrelétrica.

Esta clara ingerência da Odebrecht no Planalto se soma a tudo o que foi descoberto até agora pela Lava-Jato e serve de forte justificativa para que haja séria investigação sobre este “lobby”. Não pode pairar a suspeita de que o Brasil virou uma republiqueta de banana em que um telefonema libera bilhões do BNDES, em nome dos “interesses nacionais”.

Editorial postado no dia 01.10.2015 em
http://oglobo.globo.com/opiniao/so-investigacao-esclarecera-lobby-de-lula-17656054

Fazendo o País de bobo




Compreende-se que o governo de Dilma Rousseff esteja desnorteado e tenha de apelar a medidas desesperadas para afastar a presidente do cadafalso, mas supera todos os limites da desfaçatez a defesa entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) pelo advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, no caso das chamadas “pedaladas” fiscais.

Sem ter mais como justificar a série de artifícios contábeis que permitiram ao governo apresentar superávit fiscal no momento em que as contas já indicavam acentuado desequilíbrio desde pelo menos 2013, Adams argumentou que houve a necessidade de “mudança de meta” em razão da evolução “imprevisível” da realidade econômica no final de 2014.

“Quem projetava um impacto de redução de commodities, aumento do dólar, de mudança do quadro econômico do jeito que aconteceu no final de 2014?”, perguntou Adams. Segundo ele, esse quadro pegou de surpresa “todos os analistas”.

Mais uma vez, o governo aposta que o distinto público seja bobo, pois já em meados do ano passado estava claro para todos que as contas nacionais estavam sendo maquiadas pela trupe do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, para esconder o fato de que o País adentrara o pantanoso terreno da irresponsabilidade fiscal.

Tanto é assim que, ainda em agosto de 2014, a própria Caixa Econômica Federal pediu à Advocacia-Geral da União (AGU) que mediasse um conflito com o Tesouro em razão dos frequentes atrasos nos repasses para o pagamento de programas sociais. A Caixa estava usando recursos próprios para bancar gastos que teriam de ser inteiramente assumidos pelo Tesouro, o que pode ser visto como um financiamento – manobra que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e que, se condenada pelo TCU, pode fundamentar um processo de impeachment contra Dilma. Essa “pedalada”, que melhorava a aparência das contas públicas enquanto sangrava os bancos estatais, se repetiu na relação do governo com outras instituições.

As “pedaladas” já eram praticadas desde pelo menos o final de 2013. Na ocasião, técnicos do Tesouro se rebelaram contra o então secretário, Arno Augustin, em razão da maquiagem contábil, que feria a credibilidade do órgão. Além disso, conforme revelou o jornal O Globo, a Caixa entrou na Justiça no final de 2013 para reaver R$ 274,4 milhões em taxas de administração que não foram pagas pelos Ministérios das Cidades e da Agricultura. “A alta demanda por recursos públicos por vezes acarreta certo descontrole de contas, situação passageira e que rapidamente é organizada”, defendeu-se a AGU, singelamente, no processo.

Portanto, ainda que fosse verdadeira a afirmação de Adams de que ninguém sabia que a economia nacional sofreria forte deterioração no final de 2014, o fato é que o governo começou a “pedalar” suas contas muito tempo antes, de forma generalizada, e não como medida emergencial e pontual.

Mas as mais de mil páginas da nova defesa do governo apresentada ao TCU não servem para esclarecer, e sim para confundir. Dilma e seus colaboradores querem realmente fazer o País acreditar que foi uma surpresa a degradação da economia em 2014. Ora, como não lembrar que a desvalorização das commodities, citada por Adams, já era notável desde 2013? Como não lembrar que, na campanha de Dilma à reeleição, seus marqueteiros criaram um personagem, o “Pessimildo”, para caracterizar a oposição, que expunha com clareza os riscos que o Brasil corria com a temerária administração petista da economia?

Finalmente, como não lembrar que, em julho de 2014, uma analista de um banco advertiu os clientes de que, se Dilma fosse reeleita, a situação econômica sofreria forte deterioração? Na ocasião, recorde-se, o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva exigiu a demissão da analista: “Essa moça não entende p… nenhuma de Brasil e do governo de Dilma. Pode mandar embora e dar o bônus dela para mim”, esbravejou. O banco demitiu a analista, mas na semana passada foi condenado a lhe pagar uma polpuda indenização por danos morais. Ela entendia tudo de Brasil e sua análise estava certa.


Editorial postado no dia 20.09.2015 em http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,fazendo-o-pais-de-bobo,1765470

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A irresponsabilidade reiterada



A partir de hoje fica criada a Seção "Opinião dos Jornais" que terá quinzenalmente a postagem dos 2 melhores Editoriais publicados na quinzena anterior em jornais do País.Essa nova seção dividirá o mês com a seção "Opinião de 3ºs".


A reação do Planalto ao rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela Standard & Poor’s é uma patética reiteração da irresponsabilidade do governo na gestão de suas próprias contas, apontada pela agência de classificação de risco como a principal razão de sua decisão. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha afirmado dias atrás, em entrevista ao jornal Valor, que seu governo tem “uma clara estratégia” para tirar o País da crise econômica, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi escalado para anunciar, após a reunião de emergência realizada na manhã de quinta-feira no Planalto, que “até o fim do mês” serão anunciadas as medidas de corte de despesas e aumento de tributos destinadas a promover o ajuste fiscal. Ora, o próprio Levy, que tem proposto medidas de austeridade desde o início do ano, apenas para serem invariavelmente rejeitadas por Dilma e pelo PT, faz uma clara confissão de que não existe nenhuma estratégia definida. Quem sabe, até o fim do mês.

A razão pela qual o governo está sendo incapaz de dar uma pronta resposta ao agravamento da crise é óbvia: Dilma Rousseff não tem a menor ideia do que fazer, dividida entre o caminho da austeridade e o da persistência na gastança que é a matriz econômica ditada por suas convicções estatistas e pelo populismo irresponsável do PT. Sem credibilidade popular e política, e com um comportamento errático, a presidente tem-se limitado a bisonhas tentativas de tapar o sol com a peneira que só fazem rebaixar mais ainda o nível da confiança que a Nação ainda deposita nela.

Para agravar a situação, o ex-presidente Lula – cujo desespero pela sobrevivência política o tem impelido a agir estabanadamente – escancarou seu populismo irresponsável com a declaração desdenhosa de que o rebaixamento da nota de crédito “não significa nada”. Despudoradamente, desdisse o que afirmara em 2008, ao comemorar o ingresso do Brasil na faixa de crédito da qual é agora rebaixado: “O Brasil foi declarado um País sério”. Pelo mesmíssimo critério, deixou de sê-lo.

Apesar da decadência da liderança política do chefão do PT, o modo cada vez mais explícito como ele se posiciona contra o ajuste fiscal agrava o impasse político que paralisa o governo e joga para além do horizonte as perspectivas de alguma saída a curto prazo para a crise econômica. Lula não está nem um pouco preocupado com a crise que solapa as conquistas sociais obtidas a duras penas pelas classes menos abastadas nos últimos anos. Ele só pensa em tirar proveito da situação para voltar a ocupar o Palácio do Planalto, desta vez vem sem intermediação.

Diante da gravidade e da abrangência da crise – política, econômica, social e moral –, seria de esperar que as chamadas forças vivas da Nação se unissem para tirar o País do buraco fundo em que o lulopetismo o meteu.

Mas não é isso o que se vê. Em vez de medidas oportunas para evitar que as classes pobres e médias se vejam ainda mais sacrificadas pela inflação e pela recessão, o que as pessoas e os partidos responsáveis pela condução do governo fazem é, uns, contemplar a chegada do desastre, imóveis, e, outros, engendrar fórmulas perversas para tirar proveito da desgraça alheia.

Não é preciso ser economista para saber que o País está à beira da insolvência e essa situação só pode ser revertida com a adoção de medidas – tão mais severas quanto é a gravidade da crise – tanto de redução de despesas quanto de aumento da receita. E os sacrifícios inevitavelmente decorrentes devem ser distribuídos da maneira mais justa possível entre todos os membros da sociedade. É um equívoco imaginar, até porque não é justo nem democrático, que qualquer segmento social seja mais penalizado ou beneficiado do que outros na hora da austeridade. É preciso, acima de tudo, que tais medidas saneadoras sejam adotadas sem mais delongas.

A “travessia” que Dilma não se cansa de mencionar exige uma liderança competente, segura e confiável. Comportando-se como cego em tiroteio, a presidente mostra que não é nada disso e que seu governo está sujeito a ter breve final. O que virá depois não se sabe. Mas uma coisa é certa: pior do que está pode ficar.


Publicado em 12.09.2015 EM

http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-irresponsabilidade-reiterada,1760820

Muito pouco




Cinco dias depois do rebaixamento da nota de crédito do país, o governo Dilma Rousseff (PT) anunciou um plano para reequilibrar o Orçamento de 2016. Entre corte de despesas e aumento de receitas, o Planalto espera obter R$ 66,2 bilhões a mais do que havia estimado na proposta anterior.

Trata-se de esforço para amenizar o desgaste gerado pela peça orçamentária com deficit de R$ 30,5 bilhões, enviada ao Congresso em agosto. Com a cifra divulgada na segunda (14), o Executivo poderá produzir superavit primário (desconsiderado o pagamento de juros) de 0,7% do PIB, meta com a qual se comprometeu há um mês e meio.

Em tese, a mudança no saldo das contas evitará novas quedas da nota brasileira no futuro próximo e estancará a deterioração dos mercados –dólar e juros em alta são os sintomas mais evidentes da baixa credibilidade do governo.

O pacote, todavia, é insuficiente do ponto de vista econômico e tem pouca viabilidade política.

De saída, resta evidente o improviso. Não há o mais tênue sinal de um projeto orquestrado de reformas; há nada mais que um conjunto desconexo de iniciativas destinadas a tapar buracos emergenciais.

Para começar, dos R$ 66,2 bilhões, a menor parte (R$ 26 bilhões) proviria de redução de despesas, e a maior (R$ 40,2 bilhões), do aumento de receitas, sobretudo com a recriação da CPMF.

O governo parece não ter percebido que a sociedade, bem como os parlamentares que elegeu, não pretende aceitar majoração da carga tributária sem a devida contraparte em cortes na máquina pública.

Isso não significa apenas adiar o reajuste de servidores, suspender concursos, diminuir o número de ministérios e cargos comissionados e alterar fontes de financiamento de certos programas. Embora tais ações tenham se tornado imperativas, elas não representam a principal resposta à crise.

O fundamental, neste momento, é promover reformas de cunho estrutural, capazes de convencer a população de que haverá esforço genuíno para conter o crescimento do tamanho do Estado.

Impressiona que, sem fazer isso agora e oferecendo só a promessa de que abraçará tais ajustes no ano que vem, o governo peça ao Congresso que recrie a CPMF.

Se quiser retomar a iniciativa e reverter o pessimismo, o governo Dilma deverá fazer mais. Precisa apresentar medidas, por exemplo, para reduzir o deficit da Previdência e as vinculações orçamentárias, além de conter a expansão estrutural dos gastos em relação ao PIB.

Apenas assim será possível discutir novos impostos que sejam justos socialmente –e a CPMF não figura como a melhor alternativa.

Publicado no dia 16.09.2015 em http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1682212-muito-pouco.shtml