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sábado, 29 de março de 2025

Didática e interdisciplinaridade, um enlace facilitador para a aquisição do conhecimento


 Autora: Odete Donato (*)

No meio educacional, o que fundamenta a prática é o processo de ensino e aprendizagem presentes na ação do professor. Essa atividade segue uma ordem científica porque relaciona a maneira que o docente trabalha em sala de aula, levando em conta os objetivos, os propósitos e os conhecimentos almejados.

Neste sentido, "a teoria e a prática são consideradas o núcleo articulador da formação do educador, na medida em que os dois polos devem ser trabalhados simultaneamente, constituindo uma unidade indissolúvel". (CANDAU, 1999, p. 59).

Assim, considerando a relevância da Interdisciplinaridade para o aprimoramento e aquisição do conhecimento, esta, deveria ser adotada por todas as instituições, por trabalhar um determinado assunto em toda sua extensão, o que torna a aprendizagem mais fácil e eficaz, ao revelar o sentido e o significado que as temáticas abordadas trazem para a vida do indivíduo.

Segundo Ivani Fazenda, 
interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão. [...] A interdisciplinaridade pauta-se numa ação em movimento. Pode-se perceber esse movimento em sua natureza ambígua, tendo como pressuposto a metamorfose, a incerteza (FAZENDA, 2002, p. 180).

Aqui, compreendemos que a interdisciplinaridade busca estabelecer diálogo/relação entre as disciplinas, procurando organizá-las de modo que proporcionem um saber mais amplo e significativo. Entretanto, para isso, faz-se necessário reformar as instituições e reeducar os educadores, já que ela é um pressuposto que está diretamente relacionado à formação social do indivíduo (MORIN, 2005).

Na concepção de Sacristán (1999), a prática pedagógica é uma ação reflexiva, desempenhada pelo professor no âmbito da sala de aula e nas ações desenvolvidas nesse espaço, que interferem na construção do conhecimento do aluno.

Em outra perspectiva, Paulo Freire (1987) afirma que a interdisciplinaridade é o processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade e com sua cultura.

Dessa maneira, trabalhar de forma interdisciplinar é criar métodos mais amplos de compreensão das temáticas abordadas, no intuito de oferecer uma aprendizagem que traga um sentido, sendo "uma relação que se cria na vida, na atividade do sujeito" (LEONTIEV, 2004, p. 103).

Já a Didática, segundo Libâneo (1994, p. 27), "é um processo pedagógico, intencional e organizado, de preparação teórico-científica e técnica do professor para dirigir competentemente o processo de ensino". Dessa forma, a Didática contribui significativamente para a formação docente.

Ela é um componente fundamental para a formação docente, visto que relaciona teória/prática. Não há como distanciá-la da prática Interdisciplinar, pois uma está interligada a outra, contribuindo para uma formação ampla, crítica e social do docente que, posteriormente, colocará em prática o que aprendeu.

Nesse sentido, os conteúdos escolares devem possuir uma finalidade social, o que significa que "[...] esses conteúdos sejam integrados e aplicados teórica e praticamente no dia-a-dia do educando [...]. Essa nova postura implica trabalhar os conteúdos de forma contextualizada em todas as áreas do conhecimento" (GASPARIN, 2005, p. 2). Dessa forma, os conteúdos devem ser constantemente relacionados com a realidade social do educando.

Assim, cabe ao professor preparar as aulas, utilizando-se de recursos apropriados para alcançar os objetivos propostos, visando não apenas a aprendizagem escolarizada, mas uma aprendizagem social e significativa. Assim, a Didática torna-se peça fundamental para que o docente aprenda a ter um olhar interdisciplinar.

No contexto da prática docente é importante compreender o sentido da relação teoria-prática na formação do educador. Para Candau e Lelis (1999, p. 58), "o sentido de teoria é observar, contemplar, refletir e a prática tem o sentido de agir".

A prática educativa precisa determinar objetivos que possam ser abordados com a contribuição da Didática que proporcionará o percurso a ser seguido de acordo com os meios favoráveis dentro do contexto real da escola, pois "a Didática, teoria e prática da docência, não se aplica apenas à escola, mas a diversas instâncias e aspectos da educação formal". (LIBÂNEO, 1999, p. 136).

Libâneo ressalta também que a Didática é uma ponte mediadora entre a teoria e a prática educativa. Ela interliga as concepções teóricas à atuação prática evitando a despreparação e desorganização da ideia do professor, além de fornecer aos mesmos uma práxis educativa sólida. (LIBÂNEO, 2002).

A Didática coopera de forma relevante na organização da prática educativa, ela proporciona aos professores a precisão de utilizar a teoria em consonância com a prática. Na ação de conceber o ensino, a Didática atua em meio à noção teórico-científico e técnico-prático, como se fosse um elo entre a prática e a teoria.

A escola, como lugar propício para aprendizagem, produção e reconstrução de conhecimento, busca seguir constantemente os avanços globais e criar meios que propiciem uma formação crítica e humanizada do indivíduo. Para isso, a interdisciplinaridade torna-se uma chave mestra para o processo ensino/aprendizagem, bem como para o desenvolvimento social do educando, já que abarca de forma extensa os assuntos apresentados.

Segundo Pimenta e Anastasiou (2008, p. 71), "nos processos de formação de professores, é preciso considerar a importância dos saberes das áreas de conhecimento, dos saberes pedagógicos, dos saberes didáticos, dos saberes da experiência". Esses saberes são fundamentais no processo da formação e da prática e implicam um processo de aprendizagem.

Partindo desse pressuposto, não se pode deixar de lado a prática interdisciplinar, visto que, a interdisciplinaridade tem como função garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas, visando um conhecimento mais extenso (GADOTTI, 1995).

Uma boa prática educativa é essencial para a formação de qualquer indivíduo, pois fornece meios de interpretar as coisas que veem, ou que ouvem, de uma forma mais coerente e clara. No entanto, torna-se cada vez mais difícil encontrar uma prática educativa que atenda a todas as demandas dos alunos, já que existem vários fatores que interferem no processo de ensino/aprendizagem e na prática educativa exercida pelo professor, como a questão familiar e as dificuldades/transtornos de aprendizagem, as questões sociopolíticas, dentre outras.

Ferreiro (2000, p.31) afirma que "nenhuma prática pedagógica é neutra. Todas estão apoiadas em certo modo de conceber o processo de aprendizagem e o objeto dessa aprendizagem". O professor não pode, então, tornar-se um prisioneiro de suas próprias convicções e levar para sala apenas aquilo que ele acredita. Para ser eficaz, "deverá adaptar seu ponto de vista ao da criança. Uma tarefa que não é nada fácil" (FERREIRO, 2000, p. 61).

Em vista do exposto, pode-se dizer que a Didática contribui de forma significativa na prática interdisciplinar, visto que ela tem um foco de formação ampla do sujeito; além de apresentar uma infinidade de recursos que contribuem no aprimoramento e desenvolvimento da prática docente e que a Interdisciplinaridade é o pressuposto eficaz para a construção do conhecimento crítico e para a apropriação do processo de ensino e aprendizagem na sociedade atual.

REFERÊNCIAS:

CANDAU, V. M.; LELIS, I. A. A relação teoria-prática na formação do educador;

CANDAU, V. M. (Org.). Rumo a uma nova didática. 9ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes,1999;

CANDAU, V. M. (Org.). Rumo a uma nova didática. 9ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes,1999;

FAZENDA, Ivani. (Org.). Dicionário em construção: interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2002;

FERREIRO, E. Reflexões Sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 2000;

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987;

GADOTTI, M. Pedagogia da Práxis. São Paulo: Cortez, 1995;

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico–Crítica. 3ªed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005;

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004;

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994;

LIBÂNEO, J. Pedagogia e pedagogos, para quê? 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1999;

LIBÂNEO, J. Didática: velhos e novos temas. Goiânia: Edição do Autor, 2002;

MORIN, E. Educação e complexidade, os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2005;

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino superior. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2008; e

SACRISTÁN, J. G. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: ARTMED Sul, 1999.

*ODETE DONATO
















-Graduada em Pedagogia pela UNEB Campus XII – Guanambi (2015);

-Pós-graduada em Práticas Docentes Interdisciplinares pela UNEB, Campus V (2018);

-Pós-graduada em Ensino de Ciências Naturais e Matemática pelo IFbaiano Campus – Guanambi (2019);

-Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar )pela Faculdade Wenceslau Braz – Facibra/PR; - Caetité (2019);

-Pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela Facei, Salvador/BA (2022);

-Mestre em Ensino Linguagem e Sociedade pela UNEB, Campus VI (2023);e

-Professora da rede municipal de ensino de Brumado/BA

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sábado, 30 de novembro de 2024

Semeando o Autoconhecimento


 Autora: Maria Cristina Tofoli (*)






Queridos(as) professores(as),

Como o tempo passa! E, às vezes, eu me pego pensando em toda a minha trajetória nos quase 30 anos na área educacional e me perco nas emoções boas que vivi, e em ­outras, nem tanto, mas faz parte. Iniciando em escolas multisseriadas na área rural, sendo professora em escolas públicas e privadas, logo assumi direção e coordenação. Isso abriu um grande horizonte profissional que me permitiu, mais tarde, conhecer e atuar no mundo editorial.

Hoje, olhando para o passado, mas com os pés sempre no presente, recorrendo ao aprendizado que todas essas vivências me trouxeram, encarando situações desafiadoras do dia a dia, chego à conclusão de que, em alguns desafios que enfrentei, os problemas poderiam ter sido resolvidos de outra forma. Não faltou amor, mas faltou mais diálogo. E quem não passou por isso?

E digo a vocês: foi muito importante entender os acertos e os desacertos que vivi e que sempre contribuíram para o meu autoconhecimento. E foi a partir disso, que aprendi, de fato, que o autocuidado – a minha saúde mental, física e emocional no contexto profissional e pessoal – era fundamental para a minha vida.

Chorei, sorri; respondi, não respondi; reagi, não reagi; entendi, não entendi; indaguei, não indaguei; adoeci, sacudi a poeira e sobrevivi!

Quantos aqui lendo passaram por situações diversas e, por não conhecerem a si próprios, fecharam-se, emocionalmente, por não saberem lidar com sentimentos e emoções?

"Vivendo e aprendendo" é o ditado popular que representa, fielmente, a importância da aprendizagem durante o processo. E creio que, ao longo dos anos e do caminho percorrido, é que compreendi um pouco mais de mim e do outro, ora resolvendo com a razão e, em outras situações, com o coração (ou seria emoção?) e cheguei até aqui. Minhas decisões foram assertivas? – Acho que nem todas!

Barreiras foram quebradas, outras extintas e algumas ainda permanecem, afinal de contas, acredito que somos seres em construção – eu, ao menos, tento ser.

E, assim, todos nós temos uma boa história para contar, não é mesmo? Ainda mais quando o assunto é emocional!!

Afinal, aonde desejo chegar com esta reflexão do meu "eu" com a temática "autoconhecimento"?

Sendo eu da área educacional, e sempre muito envolvida com minhas responsabilidades, trago aqui uma comparação entre aquele tempo que não volta mais, daqueles ambientes escolares nos quais trabalhei, daquela educação que promovíamos versus a nossa atualidade educacional. No passado, não tínhamos tantas informações nem muitas referências sobre o que deveria ser trabalhado e, muito menos, a tecnologia que atualmente nos ajuda a aprofundar nesses estudos. Hoje, felizmente, a educação nos apresenta uma série de subsídios para trabalharmos o tema com alunos e profissionais nas escolas.

Antes, passávamos por dificuldades de reconhecer emoções e os impactos disso no comportamento dos alunos e de outros. Na época, também não se falava muito sobre isso.

Hoje, porém, temos muito do que precisamos para trabalhar as emoções e o autoconhecimento. Até mesmo, para nós, educadores. As ferramentas estão aí, e o que se deve trabalhar está explicitamente descrito, bastando que isso seja aplicado em sala de aula como uma aprendizagem essencial que os alunos devem ter na Educação Básica.

Como sabem, esse desenvolvimento é amparado pela Base, que, de forma clara, reforça que os alunos precisam desenvolver o conhecimento socioemocional, por meio de uma ou mais das inúmeras abordagens para a formação integral. E que bom! Trazer à tona sentimentos, emoções, vivências, atitudes e suas consequências, sem dúvida, irá ajudá-los a ter mais consciência e equilíbrio emocional e melhor qualidade de vida.

Vale lembrar que a BNCC coloca como "necessidade de o estudante aprender a cuidar da saúde física e emocional através da competência que desenvolve o Autoconhecimento e Autocuidado".

Diz, também: "Conhecer-se e apreciar-se, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. A competência trata do aprendizado que crianças e jovens devem adquirir a respeito de si mesmos, sendo capazes de identificar seus pontos fortes e fragilidades, lidar com suas emoções e manter a saúde física e o equilíbrio emocional".

Sabemos, hoje, e assistindo a tantas barbáries no mundo, envolvendo alunos em situações críticas emocionais, o quão importante é a escolha da abordagem que cada escola adota para aplicar e desenvolver as competências emocionais nos alunos, com o objetivo, também, de reforçar suas aptidões quando se trata de habilidades e competências.

Podemos citar Gardner (1995), que afirma:
"É necessário uma Educação centrada nos alunos, uma educação que pode levá-los a uma situação feliz, em que todos se sentem bem consigo mesmos, encontram seus propósitos e se tornam membros positivos da comunidade".
A escola ter a consciência de seu papel como agente transformador é fundamental para desenvolver a responsabilidade social, e além das questões emocionais, aplicar também conceitos que façam entender o que são práticas morais e éticas, onde a primeira orientará a maneira de agir das pessoas dentro de uma situação. Já a segunda, funciona como uma organização da moral, ou seja, reconhecer valores que definem moralmente o que é certo ou errado, enquanto pessoas e sociedade.

Aprender isso é aprender a se autoconhecer e se cuidar emocionalmente, é saber como lido comigo e com o outro.

Esse tema nunca foi tão importante, e é por isso, que estamos vendo uma “enxurrada” de livros e coleções sobre o socioemocional dos alunos nas escolas.

Atualmente, estou trabalhando na criação de um livro, já em fase de finalização, com o tema Autoconhecimento. Nele, a autora descreve carinhosamente a história de uma linda flor que se acostumou com os elogios e cuidados de uma menina que passava as férias naquela fazenda. E, claro, chegando o tempo das aulas, ela retorna para a cidade. Com sua ausência, a rosa ficou tão triste que não mais sorria, não mais falava com suas amigas flores e acabava se maltratando, por não saber lidar com aquele sentimento de abandono, deixando, assim, de se cuidar e de se valorizar. Ela passa por várias situações de desconforto. Sofre!

O livro chamado "Semear, regar, colher" e que logo estará disponível para aquisição, indaga sobre a importância do autoconhecimento e da habilidade de se autoavaliar, por meio da reflexão contínua sobre suas atitudes. A Rosa Amarela aprendeu que o autoconhecimento é um processo fundamental para a construção de uma vida feliz e realizadora. Aprendeu a cada dia, a tomar decisões mais assertivas, fortaleceu-se emocionalmente, pois entendeu que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir, inclusive ela mesma. E esse processo a ajudou a se conhecer e, dessa forma, a cuidar de suas emoções, bem como a respeitar as dos outros.

Sempre que dirijo a criação de um livro, elaboro materiais complementares para serem exercitados nas aulas dos professores. No caso do Semear, regar, colher, o exercício irá facilitar uma conversa cheia de trocas com os alunos e permitirá que eles e professores percebam o quão necessário esse tema é. Também, acompanha um material complementar com dois questionários, um para os alunos responderem e refletirem sobre o seu autoconhecimento e o outro questionário traz uma dinâmica para entender e conhecer o outro, ou melhor, nesse caso, seus colegas de classe. Muito legal!

Acredito que essa reflexão não servirá apenas para aprendizagem dos alunos, mas também a muitos adultos que necessitam dessa reflexão (como eu, que me vejo hoje e como era no passado) e, assim, viver uma vida mais saudável, física e emocionalmente. Fico feliz em contribuir com esse material, e espero, de fato, que independentemente do que aqui escrevo, todos os professores possam se realizar, cuidar melhor de si e aproveitar a vida, sem tristezas ou desafios que os impeçam de continuar (a vida não é um mar de rosas para ninguém) em sua missão, mas que sejam fortes, posicionando seus limites e que não adoeçam na caminhada.

E, assim, todos nós temos um pouco da Rosa Amarela, resistentes em aprender a se ver, a se conhecer, mas inteligentes para entender que viver bem e feliz, mas com limites, facilitará demais nossos relacionamentos, nossa saúde, nossas vidas.

Termino aqui este delicioso encontro com a frase de Daniel Goleman (2012, p. 278), que diz:
"O aprendizado não pode ocorrer de forma distante dos sentimentos das crianças. Ser emocionalmente alfabetizado é tão importante na aprendizagem quanto a matemática e a leitura."
Segue o exercício de reflexão que faz parte do referido livro:

"Semear, Regar, Colher – A importância do autoconhecimento

E o que de fato esse título nos traz para reflexão?

Todos nós, em algum momento, passamos situações parecidas como a vivida pela Rosa Amarela. E como podemos nos fortalecer, aprendendo a desenvolver habilidades e competências em prol da nossa saúde emocional e de nosso crescimento? Vamos refletir sobre os três termos abaixo e, descobrir como ampliar nossas maneiras de promover o nosso autoconhecimento e o autocuidado.

SEMEAR: É plantar em você o desejo de adquirir habilidades específicas, é focar no campo emocional. Devemos ampliar sempre nossos conhecimentos sobre nós mesmos para tomarmos decisões coerentes e emocionalmente equilibradas. Ser capaz de lidar com a inteligência interpessoal, que é a habilidade de se relacionar com as outras pessoas, e com a inteligência intrapessoal, que é a capacidade de conhecer a si mesmo, é imprescindível nos dias de hoje. Desenvolver essas duas competências já é um bom começo para uma semeadura que deverá ser regada para colher bons frutos. Vivemos em um mundo onde saber se relacionar com o outro é fundamental, mas para isso, aprender a autoconhecer-se é essencial! Vamos pensar, então, no mínimo, em três formas de ampliar/semear o seu autoconhecimento para melhorar suas ações, suas palavras e sentimentos?

REGAR: É fazer crescer em você o desejo de nutrir a relação humana. Pois é, isso é surpreendente e desafiador! Quando o bem-estar emocional e psicológico estão prejudicados, precisamos ter a compreensão de nossos limites. É nessa hora que devemos parar, refletir e regar o conhecimento por meio de suas percepções e cuidando para que frustrações não atrapalhem as relações no seu dia a dia. Se você não desejar isso, outro não fará por você. Essa dinâmica o ajudará a ser mais seguro em suas atitudes. Um bom começo para adquirir esse conhecimento é aprender a se cuidar, e se indagando sobre como poderia melhorar, enfim, uma infinidade de perguntas e respostas poderão ajudar nesse crescimento. O autocuidado é um aspecto essencial do autoconhecimento. Vamos exemplificar e colocar em ação pelo menos três maneiras positivas de nos cuidarmos ao longo das nossas semanas?

COLHER: É quando você vive de forma equilibrada! Havendo equilíbrio emocional, sendo você conhecedor de seus limites e de suas emoções, tudo começa a fluir melhor e, lembre-se, estamos falando de relações humanas. Tomando decisões certas e eticamente corretas, você, sem dúvida, colherá benefícios em seus relacionamentos. O autoconhecimento pode ajudar a enfrentar medos e desafios, mas você terá que sair da zona de conforto, semear, regar e encarar suas vivências de forma mais tranquila, sabendo que o diálogo sempre será necessário, como a Rosa Amarela, que ouviu suas amigas flores e entendeu os limites de Alícia e se cuidou emocionalmente para seguir a vida. O autoconhecimento melhora sua autoestima, é quando você consegue distinguir mais facilmente o que é melhor e o que não é para determinadas situações de sua vida, você consegue resolver os problemas que antes não eram enfrentados. Fica mais confiante! Como podemos trabalhar as nossas emoções e conhecimentos em cada situação do nosso dia a dia para tomarmos as melhores decisões?

Uma ótima reflexão a todos!"

* MARIA CRISTINA TOFOLI






















Graduada em Magistério com especialização em Educação Infantil/Pedagogia;
- Atuou como professora, diretora e coordenadora em escolas públicas e privadas; e 
Atualmente é Diretora Pedagógica e de Criação na Editora Sigma Educação.
São suas palavras :
"Estou há quase 30 anos na área educacional e essa atividade traz conforto e satisfação ao meu coração"

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

sábado, 31 de agosto de 2024

Uma Educação da Razão


 Antonio Carlos Jesus Zanni de Arruda(*)

Para o Racionalismo de Descartes[1], só temos conhecimento a partir de "idéias claras e distintas", conforme o mesmo afirma, através de um trabalho da razão, já que quando nos pautamos pela experiência incorremos em erro, pois no mínimo esta já nos enganou pelo menos uma vez, de acordo com o argumento da dúvida nas "Meditações Metafísicas".

Esse percurso, que objetiva em primeiro lugar duvidar de tudo aquilo que foi fornecido pela experiência, estabelece uma certeza inabalável em Descartes que é a certeza do pensar, a capacidade que a razão possui em interpretar o mundo de um modo certo e seguro e isso é um trabalho da razão humana, o que para Descartes se configura como um fator emancipatório do existir, elevando a razão humana ao seu mais alto grau de perfeição, conforme assinalado no "Discurso do Método". Portanto, a razão deve ser educada de modo que não cometa erros.

O ato de perceber as coisas é fornecido pelos sentidos; mas, o ato de compreender como as coisas são é fruto de uma organização da razão, Diz ele que percebemos as modificações nele ocorridas, porém o ato de compreender é um trabalho da razão (do sujeito).

Neste artigo, pretendemos abordar o que denominamos por uma Educação da Razão, quando a mesma se torna "errante", quando conferimos à experiência o poder explicativo das coisas e "razão emancipatória" (educada pela razão), àquela que determina o poder organizador e de compreender as coisas como são, razão esta quando bem conduzida (o método, que garante o educar da razão).

Para Descartes, o Conhecimento verdadeiro, que nos dá a certeza e evidência sobre as coisas ("Clareza e Distinção"[2]), é produto de um trabalho da razão. A experiência não nos dá a conhecer verdadeiramente as coisas em si mesmas, portanto, todo conhecimento centrado na experiência nos remete diretamente ao erro.

Para reconstruirmos seu raciocínio sobre esta questão, nos dedicaremos à análise do texto clássico, que oferece as bases do pensamento moderno, as "Meditações Metafísicas".

Sabemos da forte influência do Ceticismo sobre o pensamento de Descartes e a maneira cética como inicia as suas meditações, colocando em dúvida tudo aquilo que apresentar a menor possibilidade de erro ou falsidade.

O primeiro argumento construído no 3º. parágrafo é o de duvidar (suspender os juízos) sobre os sentidos, pois são fontes constantes de erros e ilusões e que nunca podemos tomá-lo como base para conhecimento das coisas (já que por ausência de racionalidade, conduz a razão a um caminho enganoso). Citemos alguns exemplos que corroboram este argumento:
1- Se estamos no porto e vemos um navio distante, ele parece pequeno e parado; quando se aproxima vemos que, relativo a nós, ele é grande e está em movimento;
2- Um remo, metade na água e metade fora, parece quebrado; e
3- Existe uma limitação natural nos nossos sentidos, que nos levam a considerar de forma errada as coisas. O Sol parece girar em torno da terra.
Portanto, os sentidos não nos dão a conhecer as coisas e constituem-se em uma fonte inesgotável de erros e ilusões, implicando num conhecimento falso ou numa "razão errante". Encontramos, neste primeiro grau da dúvida, uma desqualificação do elemento sensível (da experiência) para a formação do conhecimento verdadeiro. Posição que será mantida, durante o texto ("Meditações Metafísicas"). Neste primeiro argumento Descartes já afirma que todo o conhecimento que se pauta na experiência como fundamento, incorre em erro, numa razão sem sentido, sem atingir a verdade.

No segundo argumento, que estende e radicaliza a dúvida, Descartes pondera sobre a limitação do argumento anterior (erro dos sentidos), pois me enganar com relação às coisas distantes e pouco sensíveis não me dá possibilidade de duvidar de todas as questões sensíveis, como, por exemplo, que eu esteja aqui sentado junto ao fogo e vestido com este chambre.

Descartes, então, constrói o segundo argumento, que é o do sonho. Há uma possibilidade, ainda que pequena, que eu esteja, neste momento em que escrevo, dormindo e tudo não passa de ilusões produzidas em meus sonhos. A idéia deste argumento é a de que tudo poderia ser uma ilusão produzida por mim mesmo em meu sonho e que devo suspender os meus juízos sobre a verdade acerca de todas as coisas que percebo. O que valida este argumento é o fato de nós já termos nos enganado no sonho algumas vezes, o que pode levar a crer que neste momento estejamos sonhando e, portanto, sendo enganado.

O argumento do sonho tem a função de estender e radicalizar a dúvida e de levar, portanto, a uma impossibilidade nas afirmações que realizamos sobre os dados sensíveis. A experiência sensível pode ser uma ilusão produzida em meus sonhos.

No entanto, quer esteja sonhando, quer esteja acordado, algumas verdades parecem que não são afetadas por estes argumentos, por exemplo: as quantidades, as formas etc. E, sobretudo, as verdades matemáticas (que o quadrado tenha quatro lados e que dois mais três seja cinco etc.). Portanto, neste percurso a razão está sendo guiada ou educada por procedimentos que não erram, atingindo a verdade.

Dentro dessa argumentação, será elaborado o terceiro argumento que estende e radicaliza a dúvida, o argumento do Deus Enganador3. A idéia fundamental deste argumento é a de atribuir minha origem a um Deus (como dirá Descartes mais à frente na meditação: quanto mais imperfeito for aquele que me produziu mais imperfeito serei) e argumentar que eu posso ter sido produzido de uma tal forma que me engane sobre tudo o que penso.

Ao final da 1ª Meditação, o que temos é a dúvida tornando-se generalizada e radical. Como diz Descartes no começo da 2ª Meditação:
A Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de tantas dúvidas, que doravante não está mais em meu alcance esquecê-las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia resolvê-las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter à tona4

Este comentário de Descartes dá a medida da dúvida empreendida pelo autor e o propósito seguinte é continuar nesse caminho até que tenha encontrado um ponto que fosse fixo e seguro.

A partir daí temos o argumento que conduz à conquista da primeira verdade, que inaugurará a cadeia de razões, levando ao conhecimento verdadeiro. Neste ato de duvidar, será que duvidei da própria existência?

Não, a minha existência estava assegurada no ato do pensar. Eu sou, eu existo como coisa que pensa (res cogitans).

Diz Descartes:

De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito5.

Eu tenho a certeza de que sou uma coisa que pensa. O que é uma coisa que pensa?"É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente" (DESCARTES, René. 1987, 27).

É sobre este ponto fixo (que é o pensamento6), que Descartes solidificará a questão do conhecimento.7

O conhecimento das coisas é elaborado pelo pensamento e a experiência não fornece senão dados mutáveis e aparentes.

Para discutir a questão do conhecimento do mundo físico, Descartes fala não: 

"...dos corpos em geral, pois essas noções gerais são ordinariamente mais confusas, porém de qualquer corpo em particular. Tomemos, por exemplo, este pedaço de cera que acaba de tirado da colméia: ele não perdeu ainda a doçura do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza, são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele batermos, produzirá algum som. Enfim, todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste7.

O que temos, nesta argumentação de Descartes, é a descrição daquilo que os sentidos nos dão a conhecer dos objetos, isto é, o que a experiência fornece das coisas. O que temos é a doçura, o odor das flores, a cor, a figura etc.

No entanto, a argumentação de Descartes prossegue para a questão da modificação ou transformação do pedaço de cera e a conseqüente conclusão que somente a razão ou o pensamento é capaz de conhecer o que são as coisas materiais.

Diz Descartes (1987, p. 28):

Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta, ele torna-se líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum som produzirá. A mesma cera permanece após a modificação? Cumpre confessar que permanece: e ninguém o pode negar. O que é, pois, que se conhecia deste pedaço de cera com tanta distinção? Certamente não pode ser nada de tudo o que notei nela por intermédio dos sentidos, posto que todas as coisas que se apresentavam ao paladar, ao olfato, ou à visão, ou ao tato, ou à audição, encontram-se mudadas e, no entanto, a mesma cera permanece8.

O pedaço de cera, assim como todo o mundo material, é suscetível de transformações ou modificações. O que permanece é algo de extenso, flexível e mutável, que é apreendido pela razão.

O que temos como tese fundamental do pensamento cartesiano é que o conhecimento das coisas materiais é uma elaboração do sujeito (pensamento, entendimento ou razão).

Diz Descartes:

Ora, qual é esta cera que não pode ser concebida senão pelo entendimento ou pelo espírito? Certamente é a mesma que vejo, que toco, que imagino e a mesma que conhecia desde o começo. Mas o que é de notar é que sua percepção, ou a ação pela qual é percebida, não é uma visão, nem um tatear, nem uma imaginação, e jamais o foi, embora assim o parecesse anteriormente, mas somente uma inspeção do espírito, que pode ser imperfeita e confusa, como era antes, ou clara e distinta, como é presentemente, conforme minha atenção se dirija mais ou menos às coisas que existem nela e das quais é composta9.

Portanto, a transformação ou modificação espacial dos corpos significa uma passagem de um estado A para um estado B e a permanência daquilo que podemos caracterizar como substancial. Percebemos pelos sentidos esta transformação, no entanto, esse ato de perceber é coordenado e organizado pelo sujeito (razão). Somente a razão apreende o elemento substancial das coisas.

Segundo Descartes, os sentidos só nos informam a mudança de estado, a forma etc., cabendo, se e somente se, à razão perceber a transformação.7

É o entendimento ou razão que concebe as transformações espaciais dos objetos, aprendendo a verdade.

Estabelece-se a partir daí um desprezo da experiência na formação do conhecimento sobre o mundo físico. Cabe tão somente à razão conhecer as coisas ou os objetos. A experiência nada organiza, nada representa, nada conhece.

Portanto, a experiência em si mesma, nada representa como fonte de conhecimento, visto que é a razão através de suas elaborações e representações que formata e organiza o mundo dos objetos10.

Mas para atingir tal sucesso, é necessário que a razão esteja educada para realizar tal tarefa afim de dar conta de tudo aquilo que cerca a vida, incluindo o conhecimento sobre o mundo físico:

"O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir". In: Discurso do Método.São Paulo: Abril Cultural/Nova Cultural. Coleção Os Pensadores, 1987.

Portanto, a garantia do conhecimento verdadeiro e o atingir de todas as verdades, teria como garantia única a razão sendo guiada (ou educada) por um método infalível, garantindo também o sentido da existência.

É uma Educação da razão!

                                

Referências:

ARRUDA,ACJZA. A importância da experiência na construção da noção espacial segundo a Epistemologia Genética de Piaget. Capítulo I. Dissertação de Mestrado.UNESP. Bauru, 2004;

BRÉHIER, É. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977;

CHAUÍ, M. Convite à Filosofia.  São Paulo: Ática, 1997,p.231-235;

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural/Nova Cultural. Coleção Os Pensadores, 1987;

REALE, G. História da Filosofia. São Paulo: Paulus. 199;

1 René Descartes (1596-1650) é considerado o fundador do pensamento moderno;

2 Clareza e distinção para Descartes são os critérios para se atingir a verdade, não restando a menor dúvida;

3 Deus Enganador e Gênio Maligno possuem a mesma função, porém, o gênio maligno possui uma função psicológica, isto é, o engano acontece por que ele produz as ilusões no exato momento em que penso e a falsa impressão de que são verdadeiras.;

4 DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural/Nova Cultural. Coleção Os Pensadores, 1987, 23;

5 Idem, 24;

6 Pensamento, entendimento, espírito e razão são utilizados como sinônimos;

7 DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural/Nova Cultural. Coleção Os Pensadores, 1987, 28;

8 Idem;

9 Idem, 29; e

10 Descartes buscou construir uma física geométrica, isto é, elaborar  uma  físico-matemática capaz de conhecer as propriedades do mundo físico.

 *ANTONIO CARLOS JESUS ZANNI DE ARRUDA

























-Graduação em Pedagogia pela Universidade do Sagrado Coração (2017);

- Graduação em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração (1996);

- Mestrado em Educação para a Ciência pela UNESP (2004);

-Doutorado em Educação para a Ciência pela UNESP (2009); e

- Pós doutorado em Educação pela UNESP (2020);


-Trabalha no Ensino Superior nas mais variadas disciplinas, como filosofia, ética e responsabilidade social, antropologia, metodologia científica e filosofia da educação) ;

Contatos:

e-mail: arrudafilosofia@hotmail.com

linkedin: Carlos Arruda

Tel: (14) 991152195

 Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0764418599887611


Nota do Editor:

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sábado, 29 de junho de 2024

Salve !!


 Autor: Marcio Cavalcante (*)


Está ocorrendo em Santos o 10º Santos Film Fest e assisti a um documentário chamado “Eu sou da Vila Margarida” que se propõe mostrar a região na visão dos moradores, trazendo um olhar positivo, sensível e pessoal sobre o local, relatando a história, as dificuldades e evolução dos diversos personagens que habitam a Vila Margarida, uma das comunidades mais conhecidas de São Vicente.

Numa das entrevistas um jovem diz: "Um salve de um adulto da quebrada as vezes é mais significativo do que uma ordem de um professor dentro da sala de aula"

Essa frase me pegou de tal forma que fiquei um tempo pensando como seria possível para as pessoas em geral , alunos, pais, professores, aceitarem que escolarização e educação, respeito e orientação, vivências e obrigações não podem estar restritas aos muros da escola e seus sistemas educacionais, a sua rigidez e estreitamento de conhecimentos.

A aprendizagem na "rua" é constante e faz parte do dia a dia desses jovens, que não estão inseridos no mundo das escolas particulares. Por essa razão, a rua é mais atraente, ainda que permeada das mesmas influencias e intenções consumistas. Em contraste, a escola pode parecer tediosa, mas, para essas crianças e adolescentes, ela tem seu valor, pois eles sabem que precisam aprender a ler e a escrever, e demais habilidades que a escola deve proporcionar.

Posso então entender que a frase do jovem e as ideias de Paulo Freire sobre educação libertadora estão centradas na valorização da experiência e do conhecimento do cotidiano dos alunos: "Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes."

Ambos ilustram, portanto, que o conhecimento, relações, experiências da quebrada são tão valiosos quanto o conhecimento acadêmico do professor. A troca de "salves" entre membros da comunidade pode ter um impacto significativo porque é um reconhecimento de saberes que o jovem já possui e valoriza.

Na indissociável relação entre escola e rua, abre-se a possibilidade de reavaliar os discursos, as linguagens e as convivências que ocorrem fora do ambiente escolar. Isso permite a contextualização da ação pedagógica e a articulação do conhecimento com o cotidiano, tornando o ensino mais enriquecedor ao permitir que o aluno se narre, se expresse e se construa.

Paulo Freire defendia uma educação libertadora que reconhecesse e respeitasse os saberes dos educandos, promovendo um diálogo genuíno entre professor e aluno. Ele acreditava que a educação deveria partir da realidade concreta dos alunos, incorporando suas experiências de vida e conhecimentos adquiridos fora da escola. E essa realidade está na "rua", nas redondezas físicas e sociais dos alunos.

Isso não significa somente a contemplação que nos faria ficarmos imobilizados ou presos em uma ilusão utópica. Pelo contrário, trata-se de compreender a dimensão educacional dentro do contexto mais amplo em que a sociedade se encontra. É necessário analisar a educação à luz dessa forma de sociabilidade, considerando sua constituição ao longo do processo histórico real. Antes seja um processo crítico, criativo, relacional, curioso, inteligente e transformador que desafie as estruturas de dominação e capacite os indivíduos a buscar a emancipação, promova a consciência crítica e a transformação social.

"A educação não pode ser um processo de adaptação ao status quo..."
István Mészáros.

Referências:



FREIRE, Paulo . Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.


*MARCIO CAVALCANTE











-Graduação com Licenciatura e Bacharelado em História - 2012 - PUC – SP;

-Graduação em Licenciatura em Geografia EAD – Facuminas – MG – 2020;

-Pós-Graduação em História Indígena e Afro Brasileira – Facuminas - MG – 2020; e

-Professor de História e Geografia no Colégio Moderno – Santos – SP.

-  Ramo de pesquisa: Trabalho: Saúde, Higiene e Segurança, suas representações e articulações por parte dos trabalhadores.

Instagram @historia.poiesis

Nota do Editor:


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