O sábado chegou e com ele a minha seção Seleção de Artigos Jurídicos da Semana.
Leiam o que selecionei para hoje:
Desjudicializar pode se tornar a forma mais eficaz de fazer justiça
Gustavo Binenbojm é procurador do Estado do Rio de Janeiro, professor Adjunto de Direito Administrativo da UERJ e membro da Comissão Julgadora do Prêmio Innovare
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2015
O XII Prêmio Innovare, uma espécie de Oscar do Sistema de Justiça brasileiro, traz como destaque, no ano de 2015, o tema de seu prêmio especial: “redução das ações judiciais do Estado – menos processos, mais agilidade”. Aberto também a profissionais de áreas não especificamente jurídicas, seu objetivo é estimular e dar visibilidade a práticas que contribuam para a solução do que se poderia chamar de paradoxo da Justiça no Brasil: por que mais justiça tem significado, entre nós, menos justiça?
Em boa hora, o Instituto Innovare lança a sua luz sobre um de nossos problemas mais graves, que é o elevado grau de judicialização das questões que envolvem a Administração Pública, em todos os níveis da Federação. Logo à partida, convém evitar falsas soluções que preconizem curar a febre pondo o termômetro na geladeira. É preciso reconhecer que o número de demandas judiciais é alto porque, na média, os governos não costumam adotar as medidas que poderiam evitá-las ou, ao menos, atenuá-las. A procura ao Judiciário decorre da demanda gerada pela própria Administração. A advocacia pública tenta fazer a sua parte, mas ainda lhe falta a autonomia administrativa e técnica para impor aos gestores públicos o cumprimento preventivo da lei. O resultado disso é a pletora de processos que massifica o trabalho dos operadores do direito, emperra o funcionamento da máquina e difere a realização da justiça para um futuro distante e incerto.
O Innovare propõe aos profissionais responsáveis pelo exercício da jurisdição e de suas funções essenciais o desafio de pensar fora da caixa. Não é papel dos advogados públicos se tornarem meros enxugadores de gelo, gestores de centenas de milhares de casos cuja solução já se conhece, mas não se reconhece. De maneira velada, os agentes políticos acabam por transferir para governos futuros – e, em muitos casos, para gerações futuras – as obrigações que deveriam ser cumpridas desde logo, com a realização pronta e imediata da justiça.
Inovar é preciso, como o fizeram as Procuradorias dos estados do Ceará e do Rio de Janeiro, em práticas premiadas pelo Innovare em 2014.
No primeiro caso, surgido da necessidade de realizar desapropriações para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos de Fortaleza, conseguiu-se evitar que centenas de ações fossem levadas à Justiça mediante esforço de acordos administrativos com os proprietários. Não apenas a Justiça cearense não foi sobrecarregada à toa, mas os proprietários receberam as indenizações que lhes eram devidas em tempo recorde, contando ainda com assistência para enquadramento nos programas habitacionais dos governos estadual e federal. É possível ainda imaginar a economia de gastos com os processos que foram evitados e com os encargos financeiros que deixaram de incidir sobre o valor das indenizações.
No segundo caso, a Procuradoria do estado do Rio de Janeiro liderou a implantação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde, prática colaborativa que procura atender, de forma antecipada, às pessoas que tradicionalmente buscam medicamentos, tratamentos ou internações por meio de ações judiciais. O atendimento feito por profissionais da área de saúde, com a supervisão de procuradores e defensores públicos, tem alcançado altos índices de conciliação prévia dos interesses em jogo e produzido a entrega mais ágil e desburocratizada dos remédios e serviços devidos pelo Poder Público.
Em suma, tais iniciativas demonstram que é possível enfrentar o problema da litigiosidade de massa envolvendo o Estado com meios alternativos à judicialização, sem relegar aqueles que têm pretensões legítimas contra a Fazenda Pública a segundo plano. Ao contrário, desjudicializar pode se tornar, em muitos casos e sem nenhum paradoxo, a forma mais eficaz de fazer justiça.
Um panorama: o novo Código de Processo Civil
Maria Carolina Akel Ayoub
Juíza Federal Substituta da 2ª Região. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura (EPM).
Elaborado e publicado em Jus Navegandi em 04/2015
O novo CPC remeteu os livros do antigo CPC para a chamada Parte Especial e extraiu desses mesmos livros temas reputados como gerais para tratamento uniforme nos diversos processos e ritos.
A sociedade, como um organismo vivo, mudou ao longo do tempo; e com ela as leis. O próprio CPC/73 sofreu diversas reformas, algumas bastante profundas (como a disciplina da tutela antecipada e do processo sincrético).
Ocorreu que apesar das reformas perpetradas no diploma, a coerência do sistema ficou comprometida e as normas ineficientes perante a alta litigiosidade que se instaurou principalmente após a Constituição Federal de 1988.
A razoável duração do processo passou a ser direito constitucionalmente previsto e a figura do Juiz Gestor uma exigência.
Nesse contexto, vislumbrou-se a necessidade de um novo código; de um diploma que estivesse em consonância com a atual Constituição e com a verdadeira instrumentalidade do processo. Um conjunto de normas sistematicamente coerente e atento à nova realidade social. Nesse sentido, foi concebido o Novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 2016.
Analisando os índices do antigo e do novo Código de Processo Civil já é possível verificar grandes mudanças e inovações.
O antigo CPC, Lei n. 5.869 de 11 de janeiro de 1973, com aproximadamente 1.220 artigos, é organizado em 5 (cinco) livros:
Livro I – Do Processo de Conhecimento
Livro II – Do Processo de Execução
Livro III - Do Processo Cautelar
Livro IV – Dos Procedimentos Especiais
Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias.
O Novo CPC, Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015, tem 1.072 artigos e é dividido em 2 partes: uma geral e outra especial.
A Parte Geral tem 6 (seis) livros:
Livro I – Das Normas Processuais Civis
Livro II – Da Função Jurisdicional
Livro III – Dos Sujeitos do Processo
Livro IV – Dos Atos Processuais
Livro V – Da Tutela Provisória
Livro VI – Da Formação, da Suspensão e da Extinção do Processo.
Já a Parte Especial tem 4 (quatro) livros:
Livro I – Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença
Livro II - Do Processo de Execução
Livro III – Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais
Livro Complementar - Disposições Finais e Transitórias
Percebe-se que de certa forma o novo CPC remeteu os livros do antigo CPC para a chamada Parte Especial e extraiu desses mesmos livros temas reputados como gerais para tratamento uniforme nos diversos processos e ritos. Esta mudança na organização do Código ensejou o aumento do número de Livros e a repartição do novo diploma em Parte Especial e Parte Geral.
Na Parte Geral, o novo Código introduz suas disposições mencionando a ordem constitucional, buscando trazer a lume a ideia de um direito processual atento à Constituição Federal, fundamento de existência e de validade de todo o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, desde logo estampa o novo diploma que: “Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
Esta atenção à Constituição ocorre porque, conforme exarado na exposição de motivos, deve-se “deixar de ver o processo como teoria descomprometida de sua natureza fundamental de método de resolução de conflitos, por meio do qual se realizam valores constitucionais”[1].
Então, além de inovar toda a estrutura de organização das normas processuais, o novo CPC se adequa perfeitamente à nova ordem constitucional homenageando o neoconstitucionalismo e a força normativa da Constituição.
Trata-se de verdadeira evolução do sistema que culminou também com outras mudanças inseridas no novo Código. Uma dessas mudanças, de grande importância, foi a extinção do livro relativo ao processo cautelar. Agora o novo CPC trata do tema na parte geral, Livro V “Da tutela provisória”, consagrando as já nomeadas pela doutrina “tutela da evidência e da urgência”.
Esta mudança é sensível, pois a sociedade contemporânea vive uma realidade instantânea. As informações circulam cada vez mais rápido e as demandas exigem na mesma medida mais tutelas provisórias. Com o novo regramento, a tutela provisória passou a ser tratada de forma mais condizente com a atual “Era da informação e reação”.
A atual Era também é da quantidade. São mais de 90 milhões de demandas em trâmite no Brasil[2]. Por isso, o Poder Judiciário atualmente se guia por números, relatórios, metas e gerenciamento. Mas somente isso não soluciona o alto índice de demandas no Brasil. Neste ponto, o Código de Processo Civil é fundamental e, por isso, o novo diploma busca um processo simples e célere.
Para ser célere, o processo conta com diversos instrumentos. Um deles é a observância dos precedentes. Friamente pode-se dizer que o Brasil conta com quatro instâncias (na Justiça Comum: 1º e 2º graus, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) e muitos recursos.
Neste ponto, o papel dos precedentes é de suma importância. Apesar da independência que conta todo Magistrado, deve a decisão judicial observar a tese jurídica que já é pacífica nas Cortes Superiores, conferindo estabilidade, segurança jurídica e isonomia a sociedade. Deve-se ao máximo evitar a chamada “justiça lotérica”.
Claro que isso não significa engessamento do sistema, até porque o Magistrado pode excepcionar o entendimento já firmado da Corte Superior demonstrando sua inaplicabilidade no caso concreto. Isso inclusive é expressamente previsto no novo CPC (art. 489, inciso VI).
Além da estabilidade e isonomia, a observância dos precedentes desagua na contenção de recursos e, logo, contribui para a celeridade processual.
Visando também conter a alta quantidade de processos, novos institutos foram criados com inspiração no direito estrangeiro, já que a atual época é de interpenetração das civilizações[3].
O novo Código inspirado no direito alemão introduziu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Por meio deste incidente, serão identificados os processos que tenham a mesma questão de direito para decisão conjunta.
Este incidente combate a coexistência de decisões conflitantes em um cenário de multiplicação expressiva de demandas repetidas.
Outro viés que foi fortemente abordado pelo novo CPC é o relativo aos métodos de solução de conflitos. A conciliação ganhou destaque e teve tratamento específico na Seção V e na Parte Especial, Livro I, Capitulo V.
Isso porque “entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz[4]”. Trata-se de uma releitura do que significa a verdadeira paz social buscada pelo Poder Judiciário na solução de conflitos.
Essas são só algumas medidas tomadas pelo novo CPC para que haja celeridade e uniformidade nos diversos processos existentes.
Ressalta-se também o tratamento especial dado pelo novo diploma à cooperação internacional que passa a ter capítulo próprio.
Cuida-se de um avanço sintonizado com a globalização há muito tempo existente, que elimina fronteiras e exige diálogo constante entre os Estados. O que antes era regional, hoje não mais o é. Isso é um viés internacional que não poderia passar despercebido pelo novo Código.
Outra sensível inovação foi a feita no “Livro III – Dos Sujeitos do Processo” que tratou sobre as despesas, os honorários advocatícios e as multas de forma mais minuciosa do que o CPC/73. Além disso, abordou o tema da gratuidade da justiça, matéria até então disciplinada quase exclusivamente pela Lei n. 1.060/50.
A intervenção de terceiros passou também por mudanças não menos importantes. O Título III da Parte Geral trata da assistência, da denunciação da lide e do chamamento ao processo, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e sobre o amicus curiae. A oposição passou a ser tratada na Parte Especial, Título III, Capítulo VIII.
Quanto aos pronunciamentos do juiz, existem três pontos relevantes no novo CPC: i) o art. 203, § 1o, buscou estancar a polêmica existente e trazer um novo conceito de sentença; ii) a fundamentação da sentença foi tratada de forma meticulosa pelo art. 489; em especial, destaca-se a parte que considera não fundamentada qualquer decisão judicial que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; e iii) o art. 12 passou a prever o julgamento conforme a ordem cronológica dos processos.
Além disso, alguns já demonstraram preocupação com o que prevê o art. 10: “juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Vislumbro que a intenção do dispositivo é de conferir prévio contraditório sobre fundamentos sensíveis capazes de definirem o resultado da demanda. O artigo não exige que o fundamento tenha surgido das partes. O juiz verificando que existe algo relevante no processo que por equívoco ou por outra razão não foi abordado, deve colocar o tema em pauta para então decidir.
Enfim, o presente artigo teve por fim apresentar uma visão panorâmica do novo CPC, indicando alguns pontos que sofreram mudança na nova codificação. Não se busca esgotar o tema neste exíguo espaço, mas tão somente introduzir a ideia em que se funda o novo CPC. Pontos específicos do novo diploma merecem análise profunda em artigos próprios que logo serão publicados. De toda forma, já é possível verificar a evolução normativa promovida pelo novo diploma que certamente muito contribuirá para a justiça brasileira.
Notas
[1] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3
[2] http://www.amab.com.br/noticias/detalhe/noticia/2409-justica-em-numeros-aponta-quase-100-milhoes-de-processos-em-tramite-no-pais/?cHash=116fee3cbc5ad315d0b340dae4a7bb47
[3] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3
[4] http://www.direitoprocessual.org.br/download.php?f=91dfbdf0bc0509a427a0c18c2ca194b3
Nem Moro nem mora: certeza do castigo sem demora
Publicado em Jus Brasil -24.04.2015 por Luiz Flávio Gomes - Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
A lentidão dos processos e a impunidade constituem duas marcas registradas do nosso deplorável subdesenvolvimento. No âmbito criminal, entende o STF que a presunção de inocência impede a prisão do condenado até o último recurso possível (incluindo os extraordinários e especiais para os tribunais superiores). Isso criou (com maior facilidade para os ricos) a chamada “indústria dos recursos”, que impede a execução imediata das sentenças judiciais (ainda que confirmadas em dois graus de jurisdição).
Reagindo contra essa anômala leniência, há poucos dias Sérgio Moro (juiz do caso Lava Jato) e Antônio César Bochenek (Presidente da Associação dos Juízes Federais) apresentaram uma das propostas mais disparatadas e descabeladas depois da redemocratização (1985): querem “atribuir à sentença condenatória de primeiro grau, para crimes graves em concreto (sic), como grandes desvios de dinheiro público (sic), uma eficácia imediata, independentemente do cabimento de recursos” (Estadão 29/3/15). Fiquei arrepiado e de cabelo em pé com essa destemperada ideia, gritantemente inconstitucional e inconvencional (porque violadora da presunção de inocência; e que recupera, de sobra, o sistema fascista do Código de Processo Penalde 1941, aprovado pelo ditador Getúlio Vargas, sob os auspícios de Francisco Campos).
A proposta intermediária (que deveria merecer a atenção do legislador brasileiro) veio de Cezar Peluso (ex-presidente do STF), que sugeriu uma PEC no sentido de estabelecer o final do processo após duas decisões judiciais. O Brasil é o único país do mundo (diz Peluso) em que um processo pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local ou regional, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a “eternização” dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça. Pela PEC dos Recursos, eventuais recursos às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou. Em se tratando de prisão ilegal, sempre haveria o habeas corpus para reparar a injustiça.
O jornalista Pimenta Neves matou sua colega de trabalho Sandra Gomide e, depois de esgotar todos os recursos, demorou mais de 11 anos para iniciar o cumprimento da pena de prisão. Isso é escatológico! Se a atual jurisprudência do STF é leniente (porque estimula os chamados recursos protelatórios) e se a proposta de Moro é aberrante e inconsequente (porque parte da premissa de que os juízes de primeiro são deuses que não erram), resta o caminho intermediário de Cézar Peluso, que tem total coerência seja com os tratados internacionais de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, sobretudo), seja com a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que asseguram o duplo grau de jurisdição em todos os casos criminais. A presunção de inocência, para o efeito de impedir a execução imediata das sentenças condenatórias, vale nestes dois graus (regra que foi violada descaradamente no caso mensalão do PT). Nem o caminho sumário inquisitivo de Moro, nem o entendimento protelador do STF. In medio est virtus. Sem demora, cabe ao legislador brasileiro priorizar o tema e prestar atenção nessa tese que evita tanto injustiças como a impunidade (esta decorrente da falta da certeza do castigo, que é uma das pragas mais nefastas do nosso subdesenvolvido país).