O mundo para Schopenhauer, enquanto manifestação da coisa-em-si, não tem sentido, pois é pura vontade. Para lhe dar um sentido moral é necessário buscar um sentido onde ela não exista: na arte e na compaixão, esta que, para o filósofo, é sozinha a base de toda justiça e de toda caridade autêntica. Para ele, somente a compaixão é desinteressada, livre do egoísmo, do ímpeto para a existência e bem-estar.
A moral dada a priori em Kant, pelo imperativo categórico, ou seja, uma lei que seguimos e ao mesmo tempo somos autores, é baseada no dever, cuja efetivação relaciona-se à idéia do Bem, ao qual o próprio sujeito determina. O problema, porém, é que uma moral baseada no dever não é desinteressada, pois há por trás dela a promessa de uma sanção, que a torna hipotética e, por isso, não poderia ser fundamentada dessa forma: se o imperativo categórico não funciona sempre, não pode ser absoluto e incondicional. Assim a felicidade não é, para Schopenhauer, consequência da virtude, e sim uma ética que sem pressupostos metafísicos não poderia estar fundamentada sobre o “tu deves”. Schopenhauer critica Kant por afirmar que a ação só tem valor moral quando acontece simplesmente por dever, sem qualquer tendência exterior relacionada com ela. Podemos tirar daí, como faz Schopenhauer, que a moral kantiana é fria, onde se ajuda o próximo por obrigação e nada mais, indiferente a seu sofrimento.
A afirmação de Kant, citada por Schopenhauer, de que a filosofia prática não se trata de dar fundamentos àquilo que acontece, mas leis daquilo que deve acontecer, mesmo que não aco
nteça e de que existem leis morais genuínas tem origem na idéia de dever. Para Schopenhauer, as leis morais não podem ser admitidas sem prova, pois, uma ética a priori, como quer Kant, é formal, consistindo apenas no conteúdo das ações. Não sendo, então, demonstrável empiricamente. O que nos leva a pensar que em Kant a moral é prescritiva, enquanto que em Schopenhauer é descritiva, baseada em fatos, empírica.
Para Schopenhauer, a moral deve ser baseada no que é, isto é, no que acontece realmente e não se dá como em Kant, a priori. Pelo contrário: só podemos conhecer nossas respostas perante os acontecimentos. A moral está na intenção, quer dizer, nos atos, que se toma sem interesse próprio, egoísta, ou seja, sem a preocupação com o resultado ou com o retorno que ele trará. A compaixão é resultado da experiência do indivíduo que se reconhece nos outros, quebrando a ilusão do princípio de individuação, e, por isso, refere-se a algo que já se deu, não programado pela razão. Exceto pela compaixão, todas as ações humanas são baseadas no egoísmo próprio da vontade. Não podemos saber como reagiremos à determinada situação antes que ela se apresente. A moral, baseada em fatos e não em especulação é simples e pode falar até mesmo para o homem mais rude.
Ao dar importância primária à vontade, Schopenhauer afirma que nela deve ser buscado o sentido moral do mundo, enquanto que na ética proposta por Kant temos o pensamento de que o ser íntimo e eterno do homem consistiria na razão. Se o homem tivesse essas leis à priori, como quer Kant, deveríamos supor que ele terá de se conformar com elas e seguí-las, pois, caso contrário nada valeriam. Para Schopenhauer, a motivação moral tem de ser simplesmente algo que se anuncie por si mesmo, portanto, real; e como para o homem só o empírico ou o que porventura é empiricamente existente tem realidade, a motivação moral tem de ser, de fato, empírica.
Em Schopenhauer temos que o comportamento racional não traz, de forma alguma, retidão e caridade, mas, pelo contrário, podemos sim agir racionalmente de forma malévola e egoísta. Uma ética do dever pode me levar a fazer caridade, não pelo dever, mas para experimentar, enquanto o egoísmo se veste de cordialidade para usarmos pessoas como meios para nossos fins. Isso não quer dizer que somos éticos, mas o contrário. Não podemos esperar que o querer por dever do imperativo categórico se livre de interesses.
Ao fazer uma análise do que seria a consciência, Schopenhauer nos diz que o imperativo categórico kantiano é algo similar àquela, mas que este age antes, enquanto que aquela fala depois. O fato, porém, é que todos os homens têm, às vezes, pensamentos mesquinhos e maldosos sem que sejam responsáveis por eles, pois eles dizem respeito a atitudes que qualquer ser humano poderia tomar, não necessariamente aquele que os teve. Em muitos casos eles sequer podem se tornar realidade. Só nas ações o indivíduo aprende a se conhecer, pois essas são conhecidas e não pensadas. Nossa responsabilidade moral reside, segundo Schopenhauer, no que fizermos e o que poderíamos ter feito de outra maneira: se podemos reconhecer nossas ações, reconhecermos nossas obras, somos responsáveis por elas, pois trazem nossa marca. Comparando a moral de Schopenhauer com a de Kant, percebemos que a primeira é muito mais “humanizada”, pois pressupõe a existência de instintos.
A questão, nesse ponto, é que a responsabilidade sobre nossos atos pressupõe possibilidade que, por sua vez, pressupõe liberdade. Este é, então, determinado e só realizará as ações que estiverem contidas em seu caráter inteligível. Dessa forma nossa liberdade não está em nossas ações, mas em nossa essência, aquilo que nos determina, que é assim, mas poderia ser outro. A responsabilidade está no que se é, e não no que se faz.
Schopenhauer chama nossa atenção para o fato de que, quando uma pessoa toma uma atitude desinteressada, compassiva, em relação a outrem, causa espanto e comoção, devido à raridade com que isso acontece, por não ser próprio do egoísmo com que estamos acostumados. A questão que deve ser resolvida é se há ações de justiça espontânea e caridade desinteressada, e tal questão, embora empírica, não deve ser resolvida somente na experiência, pois nela vemos a ação, não os impulsos, qualquer interesse tira a moralidade da ação. Para ele, a própria justiça, como virtude, tem origem na compaixão.
A moralidade de uma ação está em sua relação com os outros, podendo ser justa e caridosa ou mesmo o contrário. Ações morais caridosas são as que deixam o indivíduo com uma sensação de contentamento consigo mesmo, que visam apenas o bem estar de outra pessoa, enquanto que seu contrário é causado por uma alegria maligna, um prazer em causar danos ao outro. Se visarmos o bem estar do outro, ele se torna o télos de nossa vontade e passamos a querer seu bem imediatamente, como se fossemos nós mesmos, havendo então identificação através de sua representação em nossa cabeça, na medida em que nossa ação anuncia a diferença como suprimida. Com isso temos, então, participação imediata no sofrimento do outro, vemos o não-eu tornar-se eu.
Com isso, Schopenhauer pergunta se a compaixão é a motivação de toda justiça e caridade desinteressadas, por que uma pessoa e não outra é por ela movida? A resposta, encontrada pelo filósofo na filosofia kantiana, está na diferença de caráter, explicada pela diferença citada anteriormente entre caráter empírico e caráter inteligível. Para estes a saída seria apenas por uma ilusão, desviando sua vontade, mas não proporcionando alguma melhora. Para isso seria necessário trabalhar com a razão, tentando oferecer algum esclarecimento.
Para concluir, Schopenhauer aponta a compaixão como sendo identificável na prática, mas tão difícil de expor à razão. Nisso se baseia a crença do filósofo de que é ilusão uma vontade determinada no homem apenas pela razão.
Por VALTER PEDRO BATISTA
-Mestrando em Educação pela UNIFESP;
-Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo-USP;
-Licenciado em Pedagogia pela Universidade Bandeirante de São Paulo-UNIBAN;
-Professor de Filosofia da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo;
-Professor e Coordenador do Núcleo de Atividades Online na Faculdade Sumaré; e
-Diretor Acadêmico no Instituto Parthenon.