Sou neuropsicóloga há 10 anos e venho observando o aumento do número de diagnóstico do autismo e de outros transtornos do neurodesenvolvimento, como o TDAH. Já ouvi muito de paciente, pais e cuidadores falarem que esses diagnósticos estão na moda.
Mas, nesse artigo vou falar de autismo em mulheres, algo que estou vivenciando com mais frequência no consultório e que ainda traz muitos desafios em relação ao diagnóstico.
Já considero importante mencionar que o que se sabe sobre o autismo, desde o início das pesquisas sobre o transtorno, são referente ao gênero masculino. Lai et al. (2015) e Hiller, Young e Weber (2014), afirmam que não se pode utilizar esses conhecimentos para comparar o autismo em ambos os gêneros.
O autor S. Goldman diz que essa diferença ocorre porque nos primeiros anos de vida há uma perspectiva biossocial existente em cada gênero e de práticas de socialização. Com isso, as práticas clinicas e os instrumentos padronizados criados, para auxiliar na identificação de transtornos, tendo como base o gênero aumentam essas discrepâncias. Ou seja, a maneira como a sociedade trata os diferentes gêneros influencia nos resultados e nos diagnósticos.
Um parêntese.... Estamos falando de autismo, mas temos que ampliar essa visão para outros transtornos também.
O que
temos na nossa realidade é uma sociedade estruturalmente machista que ditam as
regras para as mulheres, as quais devem ter comportamentos específicos como: ser quietas, discretas, falar pouco e
comportadas. Esses comportamentos não são relacionados ao TEA quando pensamos
em meninas/mulheres. Mas, se um menino/homem apresentar esses comportamentos,
infere-se de que algo não está dentro do esperado. Afinal, é esperado dos
meninos que falem mais, sejam mais agressivos e que sejam impositivos.
Para o autor Puig Jové (2016), as mulheres autistas tem maior consciência da necessidade de interação social e desejam interagir mais. Contudo, apresentam maior capacidade de camuflar suas dificuldades e de copiar pessoas.
Aproveito e coloco de forma sucinta os tipos de camuflagem:
-Compensação:
estratégia usadas para compensar ativamente dificuldades em situações
sociais como por exemplo, copiar a linguagem corporal e as expressões faciais,
aprender dicas sociais de filmes e livros.
-Mascaramento:
estratégias usadas para esconder características autistas ou retratar uma
personalidade não autista. Exemplo: ajustar o rosto e o corpo para parecer
confiante e/ou relaxado, forçar o contato visual.
- Assimilação: Estratégias usadas para
tentar se encaixar com os outros em situações sociais. Exemplo: fingir ou
forçar interações com outras pessoas.
Pesquisas apontam que o diagnóstico tardio do Transtorno do Espectro Autista, sendo mais frequente o diagnóstico tardio em mulheres, causam aumento de ansiedade, depressão, automultilação e ideação suicida nessa população. Isso ocorre porque a pessoa vive por anos sem ter a resposta diante das dificuldades que apresenta. Já ouvi muito no consultório a frase "eu sou estranha!" .
Os erros diagnósticos são frequentes, nos meninos os comportamentos são confundidos com TDAH. Nas meninas, são dados diagnósticos de ansiedade e depressão, erroneamente.
Faz-se necessário mais pesquisas e formação de profissionais capacitados diante dessa demanda.
É urgente a necessidade de compreensão e acolhimento dessas meninas/mulheres.
-Meninas e Mulheres com o Transtorno do Espectro Autista: Diagnóstico, reconhecimento e Vivencias. Autora: VITORIA CHIARI VASCONCELOS. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, para obtenção do título de licenciatura em Educação Especial;
- Goldman, S. (2013). Opinion: Sex, gender and the diagnosis of autism—A biosocial view of the male preponderance. Research in Autism Spectrum Disorders, 7, 675–679. doi:10.1016/j.rasd.2013.02.006;
- PUIG JOVÉ, L., Diferencias de género/sexo en el perfil psicológico de adolescentes diagnosticados de trastorno del espectro del autismo . 2016, pp. 3–82 e
Site: https://embrace-autism.com/autism-tests/
* KEITY TEIXEIRA FONSECA VALIM
-Graduação: Unimep – Universidade
Metodista de Piracicaba (2010);
-Especialista em Neuropsicologia pelo Cepsic-FMUSP (2015);
-Atuo em atendimento
psicoterapêutico de crianças, adolescentes e adultos, mas estou dando mais
ênfase a avaliação neuropsicológica nos últimos 3 anos.