Em tempos da histórica e louvável "Operação Lava Jato" que chegou ao valor total de ressarcimento pedido de quase 40 bilhões de reais (incluindo multas) e chegou a 130 condenações que somadas contabilizam quase 1.400 anos de prisão, segundo dados disponibilizados no site do Ministério Público Federal (http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros-1), não podemos abordar a questão da corrupção no Brasil sem levar em conta os aspectos culturais, éticos e institucionais do tema. Assim, pergunta-se: Quais as causas da Corrupção? O que faz com que determinados países ou instituições tenham maiores níveis de corrupção que outros?
Conforme o Código Penal, o crime de corrupção pode ocorrer sob duas formas: Ativa ou Passiva. A primeira espécie caracteriza-se pela conduta de "oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício", e nesse caso, quem pratica o crime é o corruptor, ou seja, a pessoa que oferece ou promete a vantagem indevida (o delito se consumirá ainda que o agente público não aceite a propina). Já a corrupção passiva é praticada pelo agente público que recebe ou solicita, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes mesmo de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Com o objetivo de obter proveito do cargo público, o funcionário pede ou aceita suborno ou proposta de obter ganhos para praticar atos que são de sua responsabilidade.
Ao estudar o fenômeno da corrupção no Brasil há sempre quem argumente, que "no Brasil, corrupção não tem jeito, é um problema cultural". A expressão "cultura política" é utilizada para se referir às práticas e instituições políticas existentes em uma sociedade, suas normas e tradições. Pode-se dizer que são componentes da cultura política de um país, os costumes disseminados entre seus cidadãos e os conhecimentos destes em relação às suas instituições e práticas políticas, as tendências e as normas, como o dever dos cidadãos de participar das decisões políticas ou o dever dos agentes públicos em respeitar as regras da administração pública. Ou seja, dizer que a corrupção é um fenômeno determinado pela cultura de cada unidade social é o mesmo que dizer que a corrupção está arraigada nos costumes, nas práticas, nas tradições e nas instituições de determinada organização social.
Ao argumentar-se que a corrupção é um problema cultural, afirma-se que é um infortúnio na confiança para com o Estado, pois quando os seus cidadãos não mais confiam em solucionar seus problemas na justiça, buscam nos subornos ou em outras atividades corruptas a solução para problemas que, a priori, deveriam ser resolvidos pelo Estado. Para os autores que defendem essa ideia, o combate à corrupção deve estar respaldada na criação de confiança cidadã no desempenho governamental (o que atualmente é uma ideia utópica, principalmente no Brasil).
Ademais, a corrupção pode ser considerada um problema de desvio ético. A palavra "Ética" é originada do grego Ethos, passando pelo latim Ethos ("morada da alma"), e pode ser conceituada como a ciência responsável pelo estudo da moralidade. A ética é o juízo de valor sobre o caráter moral de uma determinada pessoa. A ética ultrapassa os limites das leis e se relaciona ao esforço de autoconsciência que o agente realiza antes de cometer qualquer ato. Considerar a corrupção como desvio ético concentra no indivíduo, agente público ou particular corruptor, a solução do problema e também o problema em si.
Aceitando-se que a corrupção decorre de desvios éticos, não há como resolver o problema com a mera alteração de normas ou procedimentos legais, já que alterações nos padrões éticos requerem alterações culturais. O objetivo da gestão da ética é levar os indivíduos a fazerem avaliações morais sobre as atitudes que tomarão. Se, ao receber uma oferta de suborno o agente público avaliar se a lei proíbe aquela atitude, ele está fazendo uma avaliação do ponto de vista normativo. Uma avaliação do ponto de vista ético consistiria em uma avaliação do ponto de vista normativo. Uma avaliação do ponto de vista ético consistiria em uma avaliação se aquela situação é certa ou errada, independentemente da existência de regras formais.
O Antropólogo, Conferencista, Colunista de jornal e Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, Roberto Augusto DaMatta, compara em sua obra "O que faz o brasil, Brasil?", a postura dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação às leis. Explica que a atitude formalista, respeitadora e zelosa dos norte-americanos causa admiração e espanto nos brasileiros, acostumados a violarem e a verem violadas as próprias leis e instituições. De acordo com o respeitado antropólogo, isso pode ser explicado pela forma adotada no desenho das instituições brasileiras, diferentemente das norte-americanas que foram concebidas para coagir e desarticular o indivíduo. É certo que a natureza do Estado é naturalmente coercitiva, porém no caso brasileiro, segundo DaMatta, a estrutura adotada foi inadequada à realidade individual.
Descaracterizado por uma realidade extremamente opressora e incapacitado pelas leis, o brasileiro, se quisesse obter o que muitas vezes era necessário à sua mera sobrevivência, teve que aprender a utilizar recursos que vencessem a dureza da formalidade. Diante de uma autoridade, aprendeu a utilizar termos emocionais, a descobrir alguma coisa que possuíssem em comum, em suma, apelar para um discurso emocional com a certeza de que a autoridade, sendo exercida por um brasileiro, poderia muito bem se sentir tocada por esse discurso. Por isso, diz-se que o "jeitinho" é uma forma de navegação social tipicamente brasileira, em que o indivíduo utiliza-se de recursos emocionais - apelo e chantagem emocional, laços emocionais, familiares e etc - para obter favores para si ou para outrem, os quais não devem ser confundidos ou pelo menos, nem sempre, com suborno ou corrupção.
Sérgio Buarque de Holanda, em "Raízes do Brasil", analisa esse "jeitinho" ao discorrer acerca da cordialidade brasileira, na qual o homem cordial não é uma pessoa gentil, mas aquele que age movido pela emoção no lugar da razão, não vê distinção entre o privado e o público, ele detesta formalidades, põe de lado a ética e a civilidade. Assim, em termos antropológicos, o "jeitinho" pode ser atribuído a um suposto caráter emocional do brasileiro. Buarque de Holanda, afirma ainda que o indivíduo brasileiro teria desenvolvido uma histórica propensão à informalidade, devido ao fato de as instituições brasileiras terem sido concebidas de forma coercitiva e unilateral, não havendo diálogo entre governantes e governados, mas apenas a imposição de uma lei e de uma ordem consideradas artificiais, quando não inconvenientes aos interesses das elites políticas e econômicas de então.
A corrupção como problema institucional distingui-se das outras formas, já que o problema está concentrado nas instituições políticas, ou seja, nas normas, nos regulamentos e procedimentos. Assim, sob essa perspectiva, para combater a corrupção o foco deveria estar nas instituições e não nos agentes. É claro que agentes que observam os padrões éticos estabelecidos são capazes de resistir às diversas possibilidades de corrupção que enfrentam, mas há procedimentos que podem ser alterados de forma a não incentivar a prática de atos de corrupção.
Normas ou regras difusas, com muitas lacunas ou até mesmo contraditórias, favorecem a ocorrência de práticas com fins particulares. Leis e regras bem definidas, processos transparentes e garantia de prestação de serviços com prazos determinados e acessos ilimitados são algumas alterações institucionais que criam um sistema de integridade e reforçam comportamentos íntegros. Um importante aspecto que faz parte do conjunto de explicações da ocorrência de corrupção como um problema institucional é a existência de controles. O controle é uma função indispensável não só à identificação de atos de irregularidades, mas também para assegurar a correta e eficiente aplicação de recursos. Outra característica relacionada ao aspecto institucional do problema da corrupção é a possibilidade de criação de incentivos e punições para situações conhecidas como vulneráveis a ocorrência de corrupção.
Segundo DaMatta (2001), o formalismo no Brasil, em partes, ainda permanece inclusive na esfera da ética: "O que, a meu ver, tipifica a globalização em países como o Brasil é precisamente a adoção de valores modernos - a isonomia legal, o sufrágio universal, a lógica de mercado, o individualismo, a transparência e a igualdade na esfera das instituições políticas e, sobretudo, no desenho das administrações públicas - sem entretanto, a transformação ou a discussão dos valores tradicionais. (...) Pela mesma lógica, queremos uma política impecável e justa, bem como promotorias modernas e atuantes, mas não queremos que nossos filhos e correligionários sejam presos ou acusados. Abraçamos a letra do universalismo político, mas não abrimos mão dos particularismo que permeiam os nossos 'sabe com quem está falando?' e nosso 'jeitinho' ''.
Diante de todo o exposto podemos concluir que, a responsabilidade pelo combate e resistência à corrupção, no Brasil é obrigação de todos. De acordo com o Jurista, Professor e Magistrado brasileiro, José Renato Nalini, "não transigir com qualquer modalidade de prática nociva ao bem comum, fiscalizar, denunciar, exigir providências e divulgar bons e maus costumes é missão de que não pode se isentar o brasileiro".
Segundo o Procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal na Operação Lava Jato e um dos maiores especialistas do mundo em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro, os recursos desviados em esquema de corrupção no Brasil desviam dos cofres públicos algo em torno de R$ 200 bilhões por ano.Esse dinheiro deixa de ser investido em saúde, educação e segurança, e só o próprio povo brasileiro pode derrotar este câncer social, lutando contra os seus inimigos que transformaram parte dos poderes da República no pior crime organizado da história da humanidade, e a cultura da malandragem que gera tantas inversões de valores.
POR CAIO RIVAS
-Advogado Membro do 6º Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP;
-Pós Graduado em Direito Penal, Processo Penal, e Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio e em Direito Internacional Ambiental pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul;
-Possui Habilitação para o Magistério do Ensino Superior (Nota 10 em Didática do Ensino Superior);
-Certificado por mais de 100 Cursos de Extensão, Atualização e Aprofundamento
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