Ainda que hajam vários tipos penais que tutelam a ordem econômica, para o presente artigo atenho-me ao, vulgarmente chamado, crime de adulteração de combustíveis, por representar um exemplo perfeito da problemática que envolve a diferenciação entre infração penal e infração administrativa.
A descrição legal do comportamento proibido previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei 8176/91, apresenta-se com o elemento objetivo (“adquirir, distribuir e revender derivados do petróleo”) e elemento normativo (“em desacordo com as normas”). Vejamos a redação completa:
Art. 1º - Constitui crime contra a ordem econômica:
I - adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei;
Por uma leitura desavisada poder-se-ia imaginar que toda “aquisição”, “revenda” e “aquisição” em desacordo com as “normas estabelecidas na forma da lei” constitui infração penal.
Ocorre que, desde os tempos acadêmicos ensina-se o princípio “nullum crimen sine injuria”, que exterioriza a necessidade de constatar-se a existência de lesão ou ameaça de lesão a um bem jurídico penalmente tutelado.
Portanto, nem toda violação de norma administrativa pode acarretar uma infração penal, devendo a norma extrapenal violada trazer alguma lesão penalmente relevante para configurar-se o tipo invocado pela Lei 8176/91, art. 1º, inciso I.
Segundo JUAREZ TAVARES: “São inconstitucionais as disposições que proíbam por proibir, que sancionem penalmente as infrações as normas meramente regulamentares, ou que façam da norma penal apenas o reforço para a obediência, sem qualquer referência ao bem jurídico”.
A propósito, a Lei 8176/91 “define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis”.
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¹Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n.0, p. 76, 1992
No âmbito administrativo, a Lei Federal 9.847/99 “dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece sanções administrativas e dá outras providências.
Com efeito, apenas condutas que revestem-se de lesão suficiente para lesionar a ordem econômica é que são capazes de se constituir infrações penais.
Assim também nos ensina Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, em sua teoria da tipicidade conglobante:
"Havíamos estabelecido ser o tipo legal a manifestação de uma norma que é gerada para tutelar a relação de um sujeito com um ente, chamado ‘bem jurídico’. A norma proibitiva que dá lugar ao tipo (e que permanece anteposta a ele ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc.) não está isolada, mas permanece junto com outras normas também proibitivas, formando uma ordem normativa, onde não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou aquela que outra fomenta. Se isso fosse admitido, não se poderia falar de ‘ordem normativa’, e sim de um amontoado caprichoso de normas arbitrariamente reunidas".
"Pois bem: pode parecer que o fenômeno da fórmula legal aparente abarcar hipóteses que não são alcançadas pela norma proibitiva, considerada isoladamente, mas que, de modo algum, podem incluir-se na sua proibição, quando considerada conglobadamente, isto é, fazendo parte de um universo ordenado de normas. Daí que a tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, á adequação à norma legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito da proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal".
"A insignificância da afetação [do bem jurídico] exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à luz de sua consideração isolada".
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²Manual de Direito Penal Brasileiro, pp. 549-550 e 562.
De acordo com a decorrência lógica do princípio da fragmentariedade, o Direito Penal só deve atuar quando a ação dos outros ramos do ordenamento jurídico se mostrar ineficaz e insuficiente para a repressão do comportamento considerado indesejável. Sendo essa atuação suficiente a eventual resposta penal a essa conduta se torna desnecessária e desproporcional.
Nesse sentido e considerando o caráter fragmentário do Direito como um todo, vê-se ocasiões em que mesmo os outros ramos do ordenamento jurídico, que não contém toda a carga sancionatória do Direito Penal, se furtam a atuar, frente ao exíguo dano aos bens jurídicos tutelados. Nestes casos, a atuação estatal, além dos já citados problemas, incorreria em grave ofensa ao princípio da eficiência (Constituição Federal, art. 37, caput) já que o dispêndio de recursos materiais e humanos seria claramente desproporcional ao ganho que se poderia obter. Junte-se a isso o exíguo número de procuradores federais e estaduais, juízes e promotores existentes que devem dar cabo a inumeráveis processos (só no Supremo Tribunal Federal são milhares por ano para cada Ministro) e se verá que o caso não é só de coerência jurídica, mas também de compreender, realisticamente, as necessidades e as limitações da práxis estatal.
Assim, encontramos em nosso ordenamento jurídico normas segundo as quais o Estado se abdica de reprimir certas condutas que em face de seu valor se tornam irrelevantes.
Com efeito, interpretar o artigo 1º, inciso I da Lei 8176/91 que define crimes contra a ordem econômica no sentido de que toda violação de norma regulamentar acarretaria uma infração penal é ato arbitrário e inconstitucional, pois, conforme JUAREZ TAVAREZ não se observam os princípios de limitação material, concernentes à dignidade da pessoa humana, ao bem jurídico, à necessidade da pena, à intervenção mínima, à proporcionalidade, e às estruturas lógico-objetivas, bem como, os princípios de limitação formal, que se referem à legalidade e à formação dos tipos de acordo com os fatos de reprovação e á punibilidade.
Para considerar-se o fato criminoso, deve haver nocividade na ação, ou seja, o fato deve conter em si lesão ou ameaça de lesão à ordem econômica, que é o bem tutelado.
A propósito, em pensamento que se assemelha ao dos autos ensina Miguel Reale Jr., em artigo intitulado “A Inconstitucionalidade da Lei dos Remédios”:
“O legislador, mormente no âmbito penal, não é nem pode ser onipotente, pois as incriminações que cria e as penas que comina devem guardar relação obrigatória com a defesa dos interesses relevantes. Os fatos incriminados devem, pois, efetivamente ameaçar, colocar em risco ou lesar esses interesses relevantes.
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³Ob. Cit., p. 76.
⁴RT, 763/415.
“Isso porque a ação do legislador penal está sujeita ao princípio constitucional da proporcionalidade, também dito princípio da razoabilidade, e ao princípio da ofensividade. Estes princípios, verdadeiras pautas de conduta, dizem respeito não só à atuação do Executivo na sua atividade administrativa limitadora da liberdade dos administrados, referindo-se, também, à elaboração legislativa como corolário da concretização dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, atuam como mandados de proibição de excessos vinculativos ao legislador e ao intérprete/aplicador da lei.”
E prossegue o mestre, no mesmo artigo (RT cit., pág. 419):
Ora, o princípio da proporcionalidade, decorrente do mandado da proibição de excessos, e o princípio da ofensividade foram claramente afrontados na Lei 9.677, de 02.07.1998, bem como pela Lei 9.695, de 20.08.1988. Regras aí contidas concretizam grave distorção entre os fatos inócuos descritos e a sua criminalização. Isto porque não se exige, no modelo de conduta típica, a ocorrência de resultado consistente em perigo ou lesão ao bem jurídico que se pretende tutelar, vale dizer, à saúde pública.”
E concluindo essa primeira abordagem do tema (RT,673/421):
“Dessa forma, tem absoluta razão Magalhães Noronha quando preleciona que ‘o crime é de perigo concreto... é mister que se prove a nocividade negativa’. E pondera: ‘Uma alteração, aumentando o valor terapêutico ou nutritivo, considerada crime seria estranho’.”
No caso dos autos, denota-se a inconstitucionalidade do artigo 1º, inciso I da Lei 8176/91, notadamente pela locução “em desacordo com as normas estabelecidas na forma da lei”, à medida que torna INDISCRIMINADAMENTE toda infração administrativa em ilícito penal, não obedecendo os princípios de limitação formal e material da constituição do tipo penal, tal como intuído por JUAREZ TAVAREZ, devendo este delito ser encarado como de perigo concreto.
Com efeito, mesmo que o tipo penal (Lei 8176/91, art. 1º, inc. I) não faça menção à nocividade ao bem jurídico tutelado, esta é de ser exigida, sob pena de transformar-se um simples ilícito administrativo em infração penal.
Preleciona Miguel Reale Jr, no mesmo artigo supra citado (RT, 673/425 e segs):
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⁵Ob. Cit., p. 76.
“Delineia-se, aí, exemplar caso de neo-absolutismo penal, conforme expressão de Michele Correra. O que o caracteriza é o somatório da inflação legislativa, que alça à categoria de crimes meras desobediências a ordens administrativas, e da redução demasiada do âmbito de liberdade, gerando-se, por conseqüência, imensa insegurança jurídica pela crescente criminalização de infrações administrativas distantes da colocação do bem jurídico em perigo.
Com a exceção do art. IV, todos os incisos do § 1º B descrevem meros ilícitos administrativos, já punidos brandamente na esfera administrativa, mas que ora foram, na esfera penal, elevados à condição de crimes hediondos, sancionados com penas de reclusão de 10 a 15 anos.
“Em suma, a gravidade do fato para a saúde pública, a análise de suas conseqüências, se calamitosas ou não à saúde, devem ser sopesadas na esfera administrativa. São, entretanto, as mesmas conduta e conseqüências despoticamente desprezadas pelo legislador penal, que sanciona, com penas mais graves do que a do homicídio doloso, a venda de remédio, saneante ou cosmético, sem registro, independentemente de ter havido qualquer efeito negativo ou perigo à saúde pública.
“Com efeito, segundo a nova lei, constitui crime hediondo vender medicamento, cosmético ou saneante sem registro no órgão de vigilância sanitária, sendo indiferente saber se o produto comercializado sem registro é inócuo ou nocivo à saúde. Basta que não haja registro para configurar-se o crime punido com reclusão de 10 a 15 anos. Assim, pode o medicamento até mesmo ser benéfico ou o cosmético ser eficaz: nada importa, pois a ausência de registro é elemento suficiente, segundo os incisos do § 1º - B, para se consumar o crime hediondo.
“Tamanha aberração legislativa é verdadeiramente incontornável. Não há interpretação que possa ser feita para conformar a norma aos valores e princípios constitucionais. A interpretação congruente com a Constituição tem limites, pois deve-se neste esforço, para salvar a norma, analisar as possibilidades de ambos os textos, o constitucional e o a ser conservado, de acordo com o telos de ambos. Com relação à norma do inc. I do § 1º - B do art. 273, bem como referentemente aos demais incisos, frustra-se a tentativa de conservação dos dispositivos, porque para tanto seria necessário impedir a realização absoluta dos valores e princípios constitucionais.”
E conclui o notável professor (RT, 763/427):
“A aberrante desproporção entre a gravidade do fato de vender remédio, cosmético ou saneante sem registro e a gravidade da sanção cominada impõe que se reconheça como inafastável a inconstitucionalidade da norma penal do art. 273, § 1º - B, I, do CP, introduzido pela Lei 9.677/98 e do art. 1º da Lei 9.695/98, em virtude de lesão a valores e princípios fundamentais da Constituição.”
Inobstante a isto, é importante consignar que como a Lei 8176/91 “define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis”, contata-se que o bem juridicamente tutelado é o produto em si mesmo, apresentado como “derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes”, devendo este dispositivo ser interpretado restritivamente.
Constata-se que outras condutas que não envolvam o produto em si mesmo subsumem-se a somente uma mera infração administrativa, visto que a Lei 9847/99 assim determinou:
Art. 17. Constatada a prática das infrações previstas nos incisos V, VI, VIII, X, XI e XIII do art. 3º desta Lei, e após a decisão definitiva proferida no processo administrativo, a autoridade competente da ANP, sob pena de responsabilidade, encaminhará ao Ministério Público cópia integral dos autos, para os efeitos previstos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, nas Leis nºs 8.078, de 11 de setembro de 1990, 8.884, de 11 de junho de 1994, e 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e legislação superveniente.
A Lei Federal 8176/91 não pune atos anexos à aquisição/distribuição/revenda de combustíveis, pois, relacionados a bens jurídicos que não se enquadram na ordem econômica, tal como, se determinado frentista sonegou produtos, atendeu indevidamente seu consumidor, se o consumidor foi devidamente informado sobre os risco à saúde ou segurança do produto ou se a empresa tem registro perante o órgão regulador.
Neste sentido:
CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.176/91. COMERCIANTE VAREJISTA PROPRIETÁRIO DE POSTO QUE, SEM AUTORIZAÇÃO DO DNC PARA SER DISTRIBUIDOR, REVENDE COMBUSTÍVEL A OUTRO ESTABELECIMENTO DO QUAL É ARRENDATÁRIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NECESSIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA. OCORRÊNCIA: - Deve ser trancada, por falta de justa causa, a ação penal instaurada para a apuração do crime previsto no inciso I do art. 1º da Lei nº 8.176/91, na qual figura como réu o comerciante varejista proprietário de posto que, sem autorização do Departamento Nacional de Combustível para ser distribuidor, revende combustível a outro estabelecimento do qual é arrendatário, uma vez que tal operação é proibida por portaria daquele órgão e constitui, quando praticada, infração administrativa, sendo certo que a fiscalização daquelas transferências compete ao próprio DNC e a sua apuração depende de procedimento administrativo, não havendo que se falar que o repasse de combustível entre dois postos de única propriedade afete algum bem jurídico, de modo a configurar ilícito penal. (TACRIM – HC nº 378770 / 9 – Rel. Des. Márcio Bártoli, 10ª Cam., j. 21.03.01)
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⁶TJRS: Sendo a conduta humana o conceito central do fato punível, e desempenhando o tipo penal uma função de garantia, como desdobramento do princípio da legalidade, deve o juízo de tipicidade, necessariamente, partir de uma interpretação restritiva dos conceitos legais que conferem definição ao crime. (Apelação Crime Nº 70012684809, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 16/11/2005)
E em julgado semelhante, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu atípica a conduta praticada pelo comerciante, vejamos a ementa:
LEI 8.176-91. VENDA DE COMBUSTÍVEL DE BANDEIRA DIVERSA: CRIME INEXISTENTE POR NÃO CARREGAR LESIVIDADE ¿ MERA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. PROVA: SÓ A QUE CONVENCE, EM ABSOLUTO, AUTORIZA CONDENAÇÃO. Negam provimento ao apelo ministerial. (Apelação Crime Nº 70018805259, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 25/04/2007)
E em seu bojo consigna-se que:
Já a Portaria n.º 116/2000, da ANP (vide fls. 21/25), estabelece as normas administrativas para o comércio varejista de combustíveis, que deve ser realizada por pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e mediante aprovação de pedido prévio de revendedor. Na dita portaria consta, em seu artigo 11, parágrafo 2.º, que “caso o revendedor varejista opte por exibir a marca comercial dos distribuidor de combustíveis líquidos derivados do petróleo, álcool combustível ou outros combustíveis automotivos, deverá vender somente combustíveis fornecidos pelo distribuidor detentor da marca comercial exibida”.
Ainda, lê-se no artigo 16 da aludida portaria que “o não atendimento às disposições desta portaria sujeita o infrator às penalidades previstas na Lei n.º 9.847, de 26 de outubro de 1.999, e no Decreto n.º 2.953, de 28 de janeiro de 1.999”.
A Lei Federal n.º 9.847/99 dispõe sobre “a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, de que trata a Lei n.º 9.478, de 6 de agosto de 1997, estabelece sanções administrativas e dá outras providências”. Como se vê, tem-se que a violação do artigo 16 da a Portaria n.º 116/2000, da ANP, não passa de infração administrativa.
A corroborar o presente entendimento, tem-se o artigo 17 da Lei Federal n.º 9.847/99 regrando que “constatada a prática das infrações previstas nos incisos V, VI, VIII, X, XI e XIII do art. 3.º desta Lei, e após a decisão definitiva proferida no processo administrativo, a autoridade competente da ANP, sob pena de responsabilidade, encaminhará ao Ministério Público cópia integral dos autos, para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, nas Leis n.º s 8.078, de 11 de setembro de 1990, 8.884, de 11 de junho de 1994, e 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, e legislação superveniente, sendo que no mencionados incisos não há referência à venda de combustíveis desrespeitando contrato de exclusividade firmado com distribuidora. E o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, é o Código Penal, ao passo que o Código de Proteção e de Defesa do Consumidor estabelece os crimes contra os consumidores, enquanto a Lei n.º 8.176/91 se reporta aos crimes contra ordem econômica.
Chega-se, assim, ao ponto de partida, ou seja, a venda de combustíveis desrespeitando contrato de exclusividade firmado com distribuidora não caracteriza crime contra a ordem econômica, mas simples infração administrativa.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, pelas mãos do Des. Walter Luiz Esteves de Azevedo da 14ª Câmara de Direito Criminal, entendeu-se que (apelação n° 93.07.123043-0):
“O art. 1º, I, Lei 8.176/91, estatui que constitui crime contra a ordem econômica adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes em desacordo com as normas estabelecidas na forma da Lei.
Trata-se de norma penal em branco, de integração homóloga. Entre os diplomas que dão conteúdo ao dispositivo, avulta a Lei 9.847/95 que trata da fiscalização das atividades relativas à indústria do petróleo e ao abastecimento nacional de combustíveis.
O legislador ordinário de 1995 definiu os contornos do tipo penal para que ele não alcançasse todas as infrações contra as normas regulamentadoras do setor. No art. 17 da Lei 9.847/95, ele estatuiu que somente as infrações previstas no art. 3º, incisos V, VI, VIII, X, XI e XIII, do mesmo diploma dariam ensejo a notícia de crime.
A medida é justa e adequada, impede que o autor de mera irregularidade administrativa seja sancionado criminalmente.”
Por tudo que foi exposto, conclui-se: a) ser possível diferenciar infrações penais das infrações administrativas a partir da identificação do bem jurídico penalmente tutelado pela norma; e b) que se estender-se demasiadamente o elemento normativo do tipo penal que remete a normas administrativas, estar-se-á violando o princípio da legalidade.
POR EVANDRO CAMILO VIEIRA
-Advogado;
-Pós-graduado em Direito Penal Econômico (FGV/SP);
-Coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da FGV/SP;
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