Autora: Josiane Rodrigues Jales Batista (*)
A regulamentação da relação de emprego entre empregado e empregador é feita, também, pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de Maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, sendo que esta busca a harmonia nesta relação. Quando esta harmonia é rompida, a CLT/43 dá soluções no que tange aos conflitos existentes, bem como prevê sanções pelo descumprimento de seus artigos visando à proteção do empregado.
O trabalho é inerente à existência humana e a relação trabalhista é estabelecida quando de um lado figura o empregado que presta serviços de natureza não eventual mediante salário, e do outro o empregador, que admite, assalaria e dirige a prestação de serviços. (artigos 2º e 3º da CLT/43).
Quando há conflitos oriundos desta relação, tanto o empregado quanto o empregador podem acionar o Poder Judiciário para solução do litígio. Normalmente, o polo ativo das reclamações trabalhistas é composto pelo empregado, mas não é regra podendo o oposto ocorrer.
O legislador trabalhista, verificando a situação do empregado, que pleiteia valores para o seu sustento e que às vezes não tem condições financeiras para contratar um advogado para o patrocínio de uma reclamação trabalhista, instituiu o Princípio do Ius Postulandi, previsto nos artigos 791 e 839 da CLT/1943, que não sofreram alteração com o advento da Reforma Trabalhista (Lei.13.467/2017).
Este princípio possibilita o acesso à justiça sem o patrocínio de um advogado, ou seja, a parte pode pessoalmente comparecer em juízo para requerer um direito.
Ressalta-se que este princípio é facultado ao empregado e ao empregador, mas, na prática, é mais utilizado pelos empregados, tendo em vista, a hipossuficiência na relação.
Mas o que é o Ius Postulandi? A palavra ius tem origem latina, sendo de suma importância ressaltar seu significado:
a palavra latina jus, provinda do sânscrito iu, que significa ou da ideia de salvação, proteção, de vínculo ou ordem, já entre os romanos era fundamentalmente tida no mesmo sentido em que se tem o direito como lei (norma agendi) ou como o poder (facultas agendi). (PLÁCIDO SILVA, 2007, p. 809).
O legislador, portanto, conferiu aos empregadores e empregados a capacidade postulatória, ou seja, de estar em juízo pessoalmente, sem a constituição de um advogado desde que estejam no exercício de um direito.
Plácido Silva (2007, p. 1067) ainda ensina que a palavra postular vem "do latim postulare, tem o sentido de requerer ou pretender qualquer coisa em juízo, fazendo alegações que se mostram, desde logo, fundamentadas ou comprovadas".
Então, podemos dizer que o Princípio do Ius Postulandi foi criado como um meio de auxiliar a parte no acesso gratuito à justiça, uma vez que não haverá o pagamento de custas judiciais e nem o de honorários advocatícios. Ocorre, que na prática forense este princípio nem sempre traz benefícios ao litigante, causando, às vezes, prejuízos maiores do que o valor cobrado por um advogado.
A intenção do legislador foi a de estender um direito constitucional, do livre acesso à justiça, previsto no artigo 5º, XXXV, CR/1988, para a Justiça do Trabalho, mas fatalmente este instituto acarreta a parte alguns prejuízos por estar desacompanhado de um especialista da área.
Entre a doutrina, uma corrente entende que o princípio é imprescindível para viabilizar o acesso à Justiça, principalmente daqueles que não têm condições financeiras para contratar um advogado. Já outra corrente entende que este princípio propicia uma falsa justiça para as partes que se utilizam dele.
Em contrapartida, o artigo 133 da CR/1988 considerou o advogado indispensável à administração da justiça. A Lei nº. 8.906/1994, em seu artigo 1º, inciso I, dispôs ser privativo de advogado a postulação a órgão do Poder Judiciário.
Contudo, nos julgados a palavra "indispensável" não foi entendida como "obrigatória a presença em todos os processos", mas teve um sentido de fundamental, essencial ou relevante.
Na representação de seu cliente, em processos judiciais, o advogado tem a função de apresentar o pedido ao Judiciário, adaptando ao dispositivo legal, dialoga com as partes fazendo seu cliente compreender as fases processuais, nas audiências atua verificando as provas já realizadas nos autos e as que são necessárias a serem produzidas, faz pesquisas jurídicas e encaminha a documentação necessária à Justiça, dentre outras atividades.
Ele atua de forma representativa, isto implica dizer que se coloca no lugar de seu cliente na defesa dos interesses deste. Portanto, não se pode dizer que a parte não intervém diretamente no processo, tendo em vista que tal atuação é feita por seu advogado, devidamente constituído. A parte atua de forma significativa, uma vez que, ao narrar sua situação para seu advogado, ele verificará quais são seus direitos e assim os pleiteará.
Numa ação trabalhista, há vários procedimentos que realmente a parte poderá não conhecer e, em decorrência disto, é que seu advogado o auxiliará. Conjectura-se que a parte desacompanhada de advogado saberá e conhecerá todos os termos, bem como os procedimentos de uma ação trabalhista? Provavelmente não. Mas, isso não significa dizer que o processo se torna um debate fechado. Pelo contrário, o advogado se torna intérprete e interlocutor da parte, possibilitando que esta compreenda todos os atos praticados em uma audiência, por exemplo.
Juliano (2007, p. 77), sabiamente, diz que "todos sabemos que para exercer uma defesa, exige-se habilitação técnica. Como poderá ser feita justiça sem a assistência do advogado? Sem ela, a parte sofrerá prejuízos, que certamente com a intervenção de um advogado poderia ser outro o resultado".
Vislumbra-se que é justamente esta parcela da população, leiga e desprovida de recursos financeiros, que em uma audiência judicial, facilmente, irá se intimidar com a simples presença de um advogado, sucumbindo-se a uma covarde desigualdade, pois os empregadores, em sua maioria, mais abastados, nunca estão desprovidos de um bom advogado. O Ius Postulandi da forma que é percebido, promove a desigualdade processual entre as partes no processo, e na maioria das vezes, o reclamante, parte mais vulnerável, fica completamente indefeso e sem argumentos frente a um profissional treinado e competente para resolver as questões jurídicas. (TADEU, 2006).
Ainda, outro ponto contraditório é que no artigo 791, da CLT/1943 diz que a parte poderá "acompanhar as suas reclamações até o final". Este "até o final" refere-se exercer seu direito junto aos órgãos que integram a Justiça do Trabalho apenas. Logo, se a parte precisar recorrer ao Supremo Tribunal Federal – STF deverá estar representada obrigatoriamente por advogado.
Ora, como a parte, sem o conhecimento técnico saberá que precisa interpor um recurso? Ainda, o fato de que o "acesso à justiça" que o Ius Postulandi proporciona, só contempla a esfera trabalhista... E por fim, o princípio se limita as reclamações trabalhistas, pois não alcança a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho (Súmula 425, do TST). A parte deixa de ser hipossuficiente nas outras esferas? Eis a contradição deste instituto.
Outro problema é se a imparcialidade do Juiz poderá ser afetada, uma vez que na tentativa de explicar algum procedimento para a parte, este poderá instruí-la na busca de seus direitos.
O artigo 765, da CLT/1943 prevê que os juízes terão ampla liberdade na direção do processo, mas isso não significa dizer que poderá requerer algum direito para a parte se esta não o fizer. A interpretação deste artigo não pode ser feita em sentido latu sensu, ou seja, de forma ampla, pois o juiz deverá zelar pela imparcialidade e justiça das decisões.
Verifica-se, portanto, que é imprescindível a presença de um advogado para a eficaz prestação jurisdicional.
Na prática, percebe-se que o Ius Postulandi não é tão eficaz quanto na teoria. Na verdade, ele proporciona uma falsa justiça à parte, uma vez que só garante que esta não pague honorários advocatícios para ingressar com uma reclamação trabalhista.
O direito de acesso a Justiça é garantia constitucional a todo e qualquer cidadão, não sendo necessária a instituição de princípios que falsamente possibilitem este direito. Na verdade, o que se deve buscar é uma justiça eficiente e não uma simulação desta, ou seja, uma falsa aparência de justiça, sendo que isto ocorre com o princípio ora discutido.
O Ius Postulandi possibilita a parte ingressar sozinho, sem nenhuma capacidade técnica para tal e ainda prega-se a efetividade deste princípio, causando assim uma utópica sensação de êxito, quando na prática poderá se frustrar diante de procedimentos jurídicos de sua não compreensão e consequentemente perder o direito, por falta de alguma manifestação imprescindível.
Além disto, o Direito evolui a cada dia e este acontecimento, possivelmente, não é de conhecimento da parte, e mesmo se o fosse, não estaria devidamente preparada. O especialista da área, com certeza estará em constante reciclagem e isto implicará numa melhor defesa de seus clientes.
Na verdade o Ius Postulandi ilude a parte, pois esta acredita fielmente que obterá êxito, sozinha, na ação trabalhista, sem ao menos arcar com honorários. O Ius Postulandi não pode ser sinônimo de gratuidade somente, mas deve garantir um justo processo. E é o que se espera de um Estado Democrático de Direito, no qual se vive. Por não alcançar seus objetivos de maneira satisfatória, deve ser revisado pelo legislador, a fim de adequá-lo a realidade ou retirá-lo do ordenamento jurídico, uma vez que não acompanhou o dinamismo da sociedade.
Corroborando com este raciocínio, no dia 20 de Junho deste ano, a ABRAT – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para pleitear a declaração de inconstitucionalidade de artigos da Consolidação das Lei do Trabalho na parte que trata do chamado "jus postulandi" das partes no processo trabalhista.
O objetivo da ABRAT "é que o STF interprete a legislação em vigor, após a reforma trabalhista, segundo os ditames e princípios constitucionais, para declarar que a presença da advocacia trabalhista é requisito essencial, obrigatório e garantidor da ampla defesa das partes litigantes".
Entendem ainda que "a assistência jurídica às partes é imprescindível ao integral Acesso à Justiça, decisiva para a garantia dos direitos fundamentais e sociais postos na Constituição Federal, coibidora da discriminação e desigualdade processual e asseguradora de uma Justiça do Trabalho que garanta a todos e todas a sua face de Justiça Social".
O protocolo da petição pode ser consultado em https://abrat.adv.br/textos/recibo_46533_2022_220620_161042.pdf.
O desenvolvimento atual e a complexidade das reclamações trabalhistas, não suportam mais a utilização deste princípio, uma vez que está em divergência com várias outras garantias constitucionais, portanto, perfeitamente possível e aceitável sua revisão.
O Princípio do Ius Postulandi não é tão eficaz na prática forense quanto se pretendia, ou seja, ele não atende ao proposto inicialmente pelo legislador, por ter se tornado obsoleto. E com o múnus do advogado de contribuir para uma sociedade mais justa, livre e igualitária não é plausível que vários cidadãos ainda tenham suas garantias e direitos sem o zelo deste importante profissional.
REFERÊNCIAS
______, Associação Brasileira de Advogados
Trabalhistas. ABRAT. Disponível em https://www.instagram.com/p/CfCwf-Rmq-Q/?igshid=YmMyMTA2M2Y=. Acesso em 24 jun.
2022;
BRASIL, Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasil: [s.n.], 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
23 jun.2022;
______. CLT Comentada.
Homero Batista Mateus da Silva. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019;
JULIANO, José Alberto.
Estudos Jurídicos Selecionados. Belo Horizonte: LEIDITATHI, 2007 ;
______, Tribunal
Superior do Trabalho. TST aprova redação da Súmula 425 sobre o Jus Postulandi.
Disponível em https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-425. Acesso em: 23 jun. 2022;
PLÁCIDO SILVA, de e.
Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 27.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007;
TADEU, Leonardo. O Jus
Postulandi na Justiça do Trabalho - Direito ou ameaça ao Direito. JurisWay,
[S.I.:s.n.], 2006. Disponível em:
http://https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=38. Acesso em: 24 jun.
2022.
*JOSIANE RODRIGUES JALES BATISTA
- Graduação pela Escola Superior de Negócios (2010);
- Pós-graduanda em Docência com Ênfase Jurídica pela Faculdade Arnaldo Jansen;
- Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Dom Helder Câmara (2016);
- Membra do Projeto Direito na Escola(https://direitonaescola.com)
- Membra da Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG.; e
- Cocriadora do Verbum Est Vita @josianejrjb
. Nota do Editor:
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