Autor: Marcelo Palagano (*)
Enfim chegamos naquela época do ano em que as atenções são divididas em duas grandes forças culturais antagônicas. De um lado o Natal Comercial, personificada na pessoa do "bom velhinho" e do outro o Natal Cristão que tem a sua expressão máxima na Família de Nazaré, cujo principal personagem é o menino Jesus.
A questão cultural ora apresentada tem a sua importância quando elevamos o debate para além das aparências. Não se pretende aqui apenas apontar críticas a uma das duas perspectivas do evento natalino. Não. Mas, sim, buscar demonstrar pelo fatídico evento como que a nossa sociedade carece de uma forte identidade cultural além renegar as tradições que, de certa forma, auxiliaram a sociedade como um todo chegar até os dias atuais.
Trata-se de uma discussão sobre valores culturais.
Neste mesmo bloco de ideias a se discutir também é conveniente colocar o fenômeno do "Halloween" ocorrido no mês passado e que antecedeu o dia de todos os santos. Como se pôde observar pelas prateleiras de lojas e afins, o fenômeno que busca celebrar o "Dia das Bruxas" tem ganhado cada vez mais espaço ao passar dos anos, além de uma impressionante influência relevante ao ponto de já ser considerado por muitos como um aspecto tradicional e elemento essencial à cultura da sociedade.
Os portugueses que colonizaram o território que hoje pertence ao Estado brasileiro trouxeram consigo na bagagem a religião cristã de vertente católica. Tal fato se deve a empreitada promovida pela Igreja Católica no Séc. XVI em reação ao avanço da Reforma Protestante que ocorreu na Europa naquele mesmo período.
Logo no início da colonização, quando os portugueses buscavam estabelecer comunicação e relação com os povos que já habitavam a região do território brasileiro, o trabalho desempenhado pelos missionários da Companhia de Jesus foi extremamente importante para aproximar os laços da cultura europeia com os nativos da região. Isso se deu por conta da catequização promovida pelos jesuítas que ensinaram aos nativos a língua portuguesa e com isso puderam aderir aos aspectos culturais daquela nacionalidade. A respeito desse episódio destaca-se o importante trabalho desenvolvido pelo Padre José de Anchieta que foi um dos participantes da fundação Pátio do Colégio, embrião da cidade de São Paulo.
Nunca é demais recordar que antes da chegada dos padres europeus os nativos que aqui habitavam possuíam costumes primitivos e selvagens do que o propriamente humano. Destaca-se, por exemplo, as práticas antropofágicas as do abandono dos mais velhos e inválidos como a rejeição de crianças que nascessem com alguma deficiência, pois, para a tradição da cultura que havia entre os povos nativos, aquele que nascesse sem força ou sem condições de se tornar um forte guerreiro não prestava para a tribo. Assim como se justificava a prática antropofágica como forma de vingar os seus antepassados ao poder consumir a carne do prisioneiro.
Daí porque foi essencial a introdução do cristianismo entre os nativos para difundir a ideia da caridade, da fraternidade e do amor universal.
Enfim, foi devido a estes acontecimentos que ainda hoje utilizamos o calendário gregoriano criado pelo Papa Gregório XIII no ano de 1582 para contar os dias, meses e anos, como também temos a língua portuguesa como língua vernácula e, ainda, temos valores e princípios que nos aproximam dos povos do hemisfério norte, formando com eles uma grande civilização ocidental. Foi também devido a estes eventos que temos ainda hoje tradições calcadas no cristianismo e por essa, e não outra razão, é que hoje não mais nos alimentamos de pessoas.
Pois bem, o Natal cristão, como já mencionado, tem como epicentro da sua realização aquilo que convencionou chamar de "nascimento do menino Jesus", celebrado no dia 25 de dezembro. Jesus para os cristãos é a encarnação do Deus vivo na terra, daí porque o dia do seu nascimento também é motivo para comemoração, pois, segundo a tradição cristã Deus enviou o seu filho Jesus ao mundo para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16), como também para salvar o mundo do pecado. O fato de Deus nascer no ceio de um lar familiar é, até os dias de hoje, o motivo pelo qual é levantada uma série de discussões, debates, discordâncias etc. E isto porque no centro desse dilema se encontra um dos principais preceitos dogmáticos da fé cristã que separam cristãos católicos dos cristão protestantes, qual seja, o fato de Deus poder ter sido um ser humano advindo de um seio materno.
Mas não é somente isso que está ancorado no significado dado ao Natal cristão. O Natal é o momento em que as famílias se reúnem para fazer a ceia. É uma festa! É a oportunidade que convencionaram para reunir parentes que não se encontravam a muito tempo, fazer trocas de presentes, fazer memórias, contar histórias, ver fotos antigas, ver o Roberto Carlos na TV e se alimentar das iguarias apetitosas elaboradas por tias e avós.
É devido a esse ultimo aspecto que o Natal tem a importância que tem e para muitos é motivo de alegria como também é o momento que a saudade aperta o coração.
Já o Natal comercial, cujo símbolos da sua personificação são o Papai Noel, a arvore de Natal, os enfeites da cor vermelha, as guirlandas, os pisca piscas, os presentes, o urso polar e a garrafa de Coca-Cola, entre outros, podem ser muito bem observados no comércio em geral. Daí porque se classifica este estilo de Natal como comercial. Quem nunca foi num Shopping Center ou Aeroporto nesta época do ano e se deparou com um enorme urso enfeitado com um monte de adereços coloridos e brilhantes que em NADA remetem à tradição cristã?! Pois é, é disso que se trata.
A competição travada já não é mais sobre os dois tipos de cristianismo, o católico e o protestante, mas, sim, entre a tradição religiosa e a cultura do capitalismo.
O problema não se assenta tão somente nos aspectos estéticos que se dá ao evento. De um lado uma mesa farta, com toda a família em volta reunida, cantando louvores e celebrando o nascimento do menino Jesus; e do outro uma arvore de Natal com um monte de presente embaixo e crianças em volta, loucas para abrir os presentes e sob a sombra do Papai Noel e de fundo o coro de artistas sem importância se apresentando em programas de TV.
Definitivamente não. O que pode se visualizar no contraste entre os dois eventos é o fato de que um está pautado nos valores advindos de uma tradição profunda e que já tem mais de dois mil anos, ao passo que o outro é uma onda comercial rasa que surge da noite para o dia e que igualmente some num piscar de olhos quando a época deixa de fazer sentido para dar lugar a outra celebração de fim de ano, o Ano Novo.
E junto com essa onda de influência cultural existem diversos aspectos que, para aqueles que enxergam para além do horizonte, se mostram nocivos para a integridade moral individual e coletiva. O que pode acabar por tornar os indivíduos mais desnorteados quanto ao sentido que se dá à própria existência e com isso gerar tempos difíceis para toda sociedade.
Isso porque quando se entra numa corrida comercial de se montar a casa para os aspectos natalinos, preparar os doces e o peru para a ceia, comprar os presentes, comprar uma roupa nova para ser usada na noite, comprar as lembrancinhas etc. Já não se está mais dando tempo necessário para meditar sobre as reais necessidades de encher a casa com quinquilharias que quando passado o evento serão todos descartados ou acumulados em depósitos, armários etc.
E isso é só a ponta do problema, pois, a cada ano que passa o sentido do Natal tem se tornado outro que não aquele da reunião da família.
Até porque já não é de agora que a sociedade se encontra numa profunda crise ética e moral de modo que as famílias estão cada vez mais se desintegrando. São pessoas que já não mais se suportam umas às outras, casais que se divorciam, filhos que abandonam os pais e pessoas que adotam animais e tornam se "pais de pets".
Inclusive tamanho é a degeneração social que a sociedade tem como pauta de discussões assuntos como a aprovação do aborto, das drogas, a mudança de gênero e afins. Isso faz com que a presente discussão seja necessária para não tirar do horizonte as raízes de onde toda a malignidade se assenta.
É perceptível que a falta de uma tradição familiar é o que faz o individuo buscar apoio fora do círculo social doméstico e ir depositar seu tempo, seu dinheiro, seu estudo, seu trabalho à margem da sociedade, seja com pessoas que não querem o seu bem ou, ainda pior, lhes oferecem atrativos ilícitos e escusos.
Sem dúvida, parte dessa desorganização social que testemunhamos dia após dia tem a sua origem na falha da instituição familiar.
Entretanto, é de se observar também que a falha da tradição cultural, ou melhor, a recusa por uma tradição cultural fincada em valores tradicionais também promove uma escassez pessoas equilibradas, fortes, formadas, edificadas em preceitos que hoje se fazem necessário em lugares como o de atendimento ao público, locais de trabalho, salas de aula, enfim, em diversos lugares da sociedade que notamos a total ausência de pessoas prontas, gentis, educadas, etc, para dizer o mínimo.
E essa constatação de duas esferas culturais entrando em choque uma contra a outra se revela como um bom exemplo de duas realidades que se opõe. De um lado aqueles que pregam o sabor da vida pautada em valores e virtudes, do outro aqueles que preferem viver uma vida rasa, efêmera, e totalmente sem sentido.
Precisamos resgatar o verdadeiro sentido das nossas tradições, precisamos incentivar os jovens a buscarem mais conhecimento, a estarem mais unidos com aqueles que querem seu desenvolvimento. Necessitamos voltar o nosso olhar para dentro de nós e enxergamos se estamos apenas colocando um enfeite na porta da nossa casa que pisca para chamar atenção ou se estamos floreando a nossa alma com as mais belas flores e plantas para o jardim D’Aquele que nos espera ansiosamente para a eternidade.
*MARCELO DUARTE PALAGANO
-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul (2015);
-Pós Graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020; e
Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.