quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Diretivas Antecipadas de Vontade – DAVs


 Autora: Camila Lavaqui(*)


Quando adentramos a esfera preventiva acerca do final da vida, a primeira coisa que a maioria pensa é: testamento. Muito se fala em respeitar a vontade da pessoa falecida no que diz respeito à destinação dos seus bens: quem vai ficar com o carro? E a casa? E o dinheiro na conta?

Mas, se alguma coisa acontecer com essa pessoa e ela ficar inconsciente, ou incapaz de tomar decisões por si, quem irá tomar resolver por ela? Quem vai escolher entre realizar o tratamento ou iniciar cuidados paliativos? Ou ainda, quem irá dizer que é o momento de desligar os aparelhos que a mantém viva?

Para que uma pessoa possa deixar suas vontades expressar, para além da esfera patrimonial, existem as DAVs – Diretivas Antecipadas de Vontade.

A DAV é um documento, que também é chamado de “testamento vital”, pelo qual uma pessoa declara, prévia e expressamente, seu conjunto de vontades acerca de certas situações. Via de regra, a DAV contém diretrizes sobre quais cuidados, tratamentos médicos e terapêuticos a pessoa deseja, ou não, ser submetida, para o caso de estar inconsciente no momento de tomada da decisão.

É importante não confundir a DAV com o testamento "comum", já que suas finalidades são diversas. Enquanto o testamento tem como principal objetivo garantir que as vontades do declarante sejam observadas após o seu falecimento, a diretiva antecipada de vontade deve ser seguida enquanto o declarante ainda está vivo, porém, sem possibilidade de expressar sua vontade. O documento permite, também, que sejam indicadas uma ou mais pessoas que serão representantes do declarante, para que tomem as decisões sobre os tratamentos.

Apesar de não existir disposição legal, tampouco lei específica acerta do tema, em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a Resolução nº 1.995, que dispõe sobre as DAVs. Em seu artigo 2º, parágrafo 3º, temos disposto que as DAVs prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos familiares.

Ou seja, o documento garante que a vontade do declarante será seguida, ainda que seus familiares possuam opinião diversa. É uma forma de escolher, com dignidade, o tipo de tratamento que deseja se submeter, preservando o direito à vida ou à morte, tendo sua decisão preservada sem a interferência de terceiros.

Ainda, elaborando sua DAV o declarante resguarda não apenas a si mesmo, mas também aos seus familiares. Isso porque quando alguém se encontra em situação delicada, entre a vida e a morte, os entes queridos, na grande maioria das vezes, ficam desestabilizados emocionalmente. Tomar decisões nesse momento de angústia é algo difícil e sofrido e, independentemente do caminho decidido, sempre uma dúvida irá restar: será que fiz a escolha certa? O familiar irá conviver com esse questionamento pelo resto de sua vida.

Com uma DAV delineada, não sobra espaço para esse tipo de situação. As vontades do declarante serão seguidas, de maneira que o fardo de uma decisão tão importante não irá recair sobre aqueles que se encontram mais frágeis nesses momentos.

O documento também é de grande valia aos profissionais de saúde, que sofrem grandes pressões de familiares em ocasiões que carecem de decisões. Existindo uma DAV, o médico deverá cumprir integralmente as orientações ali dispostas pelo então paciente (desde que não vão de encontro ao Código de Ética Médica), não existindo brecha para que o desejo de familiares prevaleça.

No aspecto prático, a DAV pode ser feita através de instrumento particular, já que não se exige que seja lavrado em cartório. No entanto, a recomendação é que seja realizada através de escritura declaratória, ou que o documento particular seja levado a registro em cartório, para que não restem dúvidas quanto à sua existência e conteúdo.

Além disso, é recomendado que o declarante elabore o documento com o auxílio de um profissional de saúde, para que todas as possibilidades de ocorrências e respectivos tratamentos sejam cobertas.

Cabe dizer que a DAV pode ser feita a qualquer tempo, por qualquer pessoa que esteja lúcida e capaz de expressar suas vontades. O documento ficará eternamente arquivado em cartório, de maneira que é possível obter sua segunda via em qualquer momento. Ele pode, também, ser alterado ou revogado a qualquer tempo (desde que o declarante ainda seja capaz de se expressar).

Por fim, importa constar que o documento não antecipa a morte do paciente (eutanásia), mas sim garante que ela ocorra nos moldes desejados por ele, isso é, de forma natural (cuidados paliativos, por exemplo), ou, caso seja a vontade do declarante, que o momento seja retardado (de forma artificial).

Certo é que as DAVs garantem a todos os envolvidos (paciente, médicos e familiares) maior tranquilidade nos momentos decisórios, não sobrevindo dúvidas: a vontade do declarante é a que reinará.


* CAMILA LAVAQUI GONÇALVES

-Advogada graduada em Direito pela Faculdade de Direito, Universidade Presbiteriana Mackenzie (2019);

-Curso de extensão de Planejamento Sucessório pela Fundação Armando Alvares Penteado (05/2019);

-Curso de extensão de Psicologia Judiciária: o Universo da Lei, o Comportamento Humano e as Emoções pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (06/2019);

-Curso de expansão cultural: A Família no Judiciário pelo  Instituto Sedes Sapientiae (06/2019); e

-Pós-Graduação lato sensu  em Direito de Família e Sucessões pela  Escola Paulista de Direito (2020).

Nota do Editor:

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