Autora: Maria Cristina Marcelino Bento(*)
O processo educacional envolve hábitos, valores éticos e morais, costumes, ou seja, compreende a cultura das famílias, da sociedade. Pensemos nas culturas indígenas, por exemplo, são transmitidos, de geração em geração, o respeito à natureza, o respeito aos mais velhos, a tirar/usar da natureza somente o necessário. Por outro ângulo, temos sociedades que educam com o objetivo de preparar os seres humanos para a guerra. O ato de educar é ambíguo, processo que pode vir a intervir na dignidade e na continuidade da vida no Planeta.
O processo educacional do ser humano tem que estar pautado em sua essência, ou, como apresentado em debates antropológicos, como por exemplo o apresentado por Morin no final do século passado: De onde viemos? Para onde vamos? Onde estamos?
Gosto de pensar a educação pelo legado de Freire, "a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem." É preciso clareza para defender a ótica pela qual educamos, não se pode vacilar ou desviar o olhar do foco de uma "educação política", aquela que forma, prepara e educa o outro para cuidar de si, do outro e do espaço em que se vive. O que já podemos chamar de Ecologia Integral.
A Ecologia Integral apresenta o ser humano como protagonista do cuidado. Parece uma suplica ao óbvio, mas o capitalismo vem apagando a essência humana. Há humanos que ainda acreditam que se tiverem dinheiro poderão comprar o que as Terra/terra não produziram. A falta de conhecimento da identidade do próprio ser humano gera cegueiras por todos os lados. Somos apenas serem de consumo?
Compreendo que um dos fatores que roubou parte ou quase toda a essência humana é a razão cartesiana de Descartes junto ao capitalismo. Criamos a cultura da racionalidade e esquecemos de nós mesmos. Me recordo das aulas durante o processo de estudos no mestrado, momento em que um dos professores dizia: na escola de educação básica, por meio dos conteúdos escolares, aprendemos que o ser humano é um ser racional. E aí... vocês se percebem somente seres de razão? O debate foi aquecido com essa indagação. Para meu espanto, a maioria não tinha consciência do ser e estar humano para a além da racionalidade. Foi difícil para mim compreender que as pessoas se percebem mais racionais, simplesmente.
Essa passagem me remete as obras de Frei Beto sobre a necessidade do cuidado. Rememoro a obra: Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra. Nesta obra, Boff deixa claro que nós seres humanos necessitamos da natureza para sobreviver e não ao contrário. Por meio da história do cuidado com o bichinho de estimação virtual – o tamagoch . O autor chama a atenção do leitor para a solidão em que seres humanos estão imersos na sociedade da informação/informatizada. A humanidade transferiu o cuidado – ato da essência humana – com os humanos, fauna e flora para um bichinho virtual. Vivemos uma utopia cheia de esperança por uma humanidade que respeite, cuide e se sinta parte do Cosmo, da natureza; que dê conta de sentir os cheiros, texturas; ver os diversos mosaicos da natureza; compreender, viver e conviver em harmonia com outros seres humanos; inferir o quanto a natureza nos é necessária.
Minha infância está registrada na minha memória, período de muito brincar, cuidado e respeito, permeado de afetos e limites. Respeitar e cuidar de mim mesma, aos mais velhos, ao outro, as plantas e aos bichos. Ações que nos levam a compreender o ciclo da vida. Vida essa que exige espiritualidade, política, ética e estética, interdisciplinaridade, saúde, interação e interatividade, espaço, tempo, leveza, arte, sentimento de pertença, compreensão de começo e fim ou de transgressão de um plano a outro.
Nesse cenário de compreensão da ambiguidade do ato de educar e a necessidade de compreender a verdadeira essência do cuidar e ser cuidados temos o advento das tecnologias digitais que também proporcionam aos usuários a escolha das formas de Escolhas podem auxiliar no cuidado e utilização adequada da natureza, assim como intensificar o consumo em excesso dos elementos da natureza.
Um exemplo é a denominada Internet das coisas (IoT), utilizada o cotidiano em áreas variadas, na casa, no transporte, na agricultura e na indústria, uma tecnologia constituída por uma rede de dispositivos com sensores e software, que se comunicam e trocam dados entre eles. Esta tecnologia digital proporciona sistemas de automação que melhoram a experiência dos usuários até o desenvolvimento e integração de inteligência artificial. A IoT vem sendo utilizada para monitoramento ambiental e envolve o uso de dispositivos conectados, como sensores e drones que coletam e transmitem dados em tempo real sobre condições ambientais. Esses dispositivos monitoram variáveis como qualidade do ar, água, temperatura e níveis de poluição. Cabe a nós seres humanos, interpretarmos os dados para agir de modo a diminuirmos os desgastes a natureza.
Durante o século passado assistimos à diversos debates, elaboração e tentativas de aplicação da legislação, além de orientações sobre o cuidado com o meio ambiente. Destaco, por exemplo, a obra de Capra - físico teórico e escritor que desenvolveu trabalho na promoção da educação ecológica -, o qual organizou a obra :Alfabetização ecológica - a educação das crianças para um mundo sustentável. Para Capra toda educação é ambiental e o problema de falta de respeito/cuidado é um problema da educação, que não está na educação. A forma como educamos as crianças implicam no agir no cotidiano, ou seja, os valores, costumes, hábitos do processo de formação do cidadão estão fora da visão da Ecologia Integral.
A revista FAPESP, do mês de março, com matéria assinada por Yuri Vasconcelos, pode ser percebida como um grito de alerta. Trata dos impactos do mundo digital no ambiente. Necessitamos rever as verdadeiras prioridades ao uso das tecnologias digitais. Yuri apresenta no texto, entre outros não menos importante, que "Programas de IA generativa demandam elevada carga energética e altos volumes de água". Necessitamos ter consciência de que somos filhos do Criador, somos parte deste lindo Planeta Azul denominado Terra. Compreender que tudo que tem vida precisa de cuidado. Plantas e animais devem ser cuidados e respeitados, assim como todo Ser Humano.
Estamos no auge de refletir sobre o que queremos; sobre nossa identidade e mudar o curso da cultura digital, não vamos abandonar tudo. Mas, necessitamos estudar mais sobre a natureza, aprender mais sobre ela, e rever os hábitos cotidianos em relação a adoção e utilização da tecnologia digital. Estamos de certa forma, obrigados a usufruir/agir, com urgência, a partir da Ecologia Integral, afinal estamos todos interconectados pela energia vital: fauna, flora, seres humanos e a nossa Casa Comum – o planeta Terra.
*MARIA CRISTINA MARCELINO BENTO
-Graduada em Pedagogia pela UNISAL Lorena/SP(1989);
- Mestra em Educação pela UMESP SBC/SP(2008);
-Doutora em Tecnologias da Inteligência e Designer Digital pela PUC-SP(2016);
-Docente, atua no Programa Institucional de Formação de Docentes -PIFORD;
- Coordenadora Adjunta do CEP , no UNIFATEA e
-Membro do Conselho Técnico da Associação Brasileira de Tecnologias – ABT
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