Autora: Palloma Ramos(*)
Os requisitos para a caracterização da relação jurídica de emprego podem ser analisados conjuntamente nos artigos 2.º e 3.º da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT. Dessa forma, os requisitos cumulativos são: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e pessoa jurídica. Essa relação jurídica requer proteção à parte vulnerável (trabalhador) para haver equilíbrio, uma vez que, ao assumir os riscos do negócio, o empregador obtém o poder diretivo e a subordinação, a qual são as bases para orientar as atividades da empresa.
Com base nisto, as interpretações doutrinárias identificam a subordinação do empregado, de forma que a proteção, em contrapartida, é necessária para mitigar a dependência do trabalhador em relação ao empregador:
[...] essa ideia fundamental de dependência hierárquica do trabalhador ante o empresário assenta sobre a tese anterior de que a empresa é propriedade de alguém, que a dirige ou administra com amplo poder de deliberação. [...] O chamado poder diretivo empresário, realmente decorre deste fato social, histórico e econômico: o empresário corre os riscos do negócio e, em consequência, a ele cabe a prerrogativa de ditar ordens (RUSSOMANO, 1974, p.88 – 89).
Sendo assim, fundamenta-se a dependência dos trabalhadores na relação jurídica de emprego.
Quando há uma alteração nas alterações estruturais na dinâmica produtiva e a proteção concedida ao trabalhador é flexibilizada em detrimento da subordinação, há um desequilíbrio na relação jurídica de emprego, resultando em interpretações prejudiciais à parte hipossuficiente.
Para reequilibrar essa relação jurídica, o requisito de subordinação é adaptado consoante as novas formas de organização produtiva, tais como: jurídica, estrutural e algorítmica.
A subordinação jurídica é caracterizada pela prestação de serviços em virtude da existência de ordens diretas da Reclamada transmitidas por meios remotos e digitais (conforme o disposto no artigo 6.º da CLT, parágrafo primeiro), demonstrando a assimetria, o poder de subordinação e, ainda, os aspectos diretivos, regulamentares, fiscalizatórios e disciplinares do poder empregatício. Já a subordinação estrutural é caracterizada pela integral inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela empresa, dentro de sua dinâmica de funcionamento, cultura jurídica e organizacional.
Essas classificações são atribuídas à subordinação (organizacional e jurídica), seja pela prestação de serviços e existência de ordens diretas, seja pela inserção do profissional na organização da atividade econômica da organização. Dessa forma, sendo mais evidente, apesar de ainda necessitar de ajustes para assegurar a proteção ao trabalhador, quando há a necessidade de discussão sobre o reconhecimento do vínculo empregatício, a comprovação torna-se mais acessível ao trabalhador, via provas testemunhais, por exemplo.
Com a tecnologia, outras organizações produtivas foram sendo implementadas, como Uber, iFood, que usam sistemas sofisticados de arregimentação, gestão, supervisão, avaliação e controle de mão-de-obra intensiva, à base de ferramentas computadorizadas, de inteligência artificial e hipersensíveis, para arquitetarem e manterem um poder de controle empresarial minucioso sobre o modo de organização e de prestação dos serviços de transportes justificadores da existência e da lucratividade da empresa (Tribunal Superior do Trabalho – RR 100353-02.2017.5.01.0066-Voto Ministro Relator Maurício Godinho Delgado-06/04/2022).
Apesar dos meios econômicos disponíveis para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício, essa modalidade de prestação de serviços, segundo plataformas digitais, permite que o trabalhador realize sua atividade com autonomia. Assim, as classificações anteriores (organizacional e jurídica) não asseguram a proteção do trabalhador como uma relação jurídica de emprego, sendo necessária uma nova interpretação, como a subordinação algorítmica.
Algumas interpretações doutrinárias e decisões na justiça do trabalho afirmam que o empregador tem um vínculo empregatício com a plataforma (gig economy), conforme o direcionamento apresentado abaixo:
(...) a autonomia concedida é uma "autonomia na subordinação". Os trabalhadores não devem seguir mais ordens, mas sim a ‘regras do programa’. Uma vez programados, na prática os trabalhadores não agem livremente, mas exprimem "reações esperadas". O algoritmo, cujos ingredientes podem ser modificados a cada momento por sua reprogramação (inputs), garante que os resultados esperados (outputs) sejam alcançados, sem necessidade de dar ordens diretas àqueles que realizam o trabalho. (OITAVEN, CARELLI e CASAGRANDE, 2018, p.33).
Porém, não há regras que protejam o trabalhador em novas formas de trabalho. Isso dificulta reconhecer o vínculo de emprego, uma vez que há divergências entre autonomia e subordinação, o que não é possível diante da interpretação perfunctória da legislação disponível.
A Justiça do Trabalho atribui o vínculo empregatício, uma vez que entende que o controle (ainda que por algoritmos) é subordinação, uma vez que existem regras para permanecer na plataforma, além de avaliações dos usuários.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal – STF[1], afastou o vínculo empregatício entre trabalhadores que prestam serviços em gig economy, uma vez que a Constituição Federal permite outras formas de trabalho, como a autonomia para aceitar ou não corridas e a liberdade de horário. Vale destacar que a interpretação da relação jurídica exarada no voto, equipara-se com o vínculo empregatício fundamentado na subordinação jurídica e organizacional, dificultando assim, a garantia de proteção aos trabalhadores.
No seu voto, apesar de ter concordado em afastar o vínculo empregatício, a Ministra Carmen Lúcia demonstrou preocupação com a proteção do trabalho e os efeitos previdenciários e sociais.
Debatem-se sobre as novas formas de trabalho: um contraste entre a autonomia que as empresas e o Supremo Tribunal Federal atribuem na relação existente entre os trabalhadores e as empresas proprietárias da tecnologia, e a subordinação algorítmica, interpretação doutrinária cujo objetivo é assegurar direitos dos trabalhadores. Todavia, o entendimento de que a garantia do vínculo empregatício nessas novas organizações produtivas seria equiparar aos trabalhadores que atuam sob a subordinação organizacional e jurídica, que têm uma relação direta com o empregador, afasta o reconhecimento do vínculo empregatício. Assim, não seria possível fazê-lo com base em uma interpretação mais ampla da subordinação, como a algorítmica, uma vez que a autonomia é um pressuposto relevante para a fundamentação jurídica que afasta a subordinação, um requisito necessário.
Portanto, com essas novas formas de trabalho que utilizam a tecnologia, afastando as formas tradicionais de subordinação jurídica e organizacional, é necessário estabelecer um regulamento específico para assegurar o mínimo de proteção, pois, com o aumento de trabalhadores nessas condições, haverá um desequilíbrio social e previdenciário.
REFERÊNCIA
[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-12/stf-nega-vinculo-trabalhista-entre-motoristas-e-empresas-de-aplicativo
*PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS
Advogada graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho - (2014);
Pós-graduada em Direito Constitucional e Direitos Humanos pelo Ius Gentium
Conibrigae - Universidade de Coimbra (2020).
Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2018)
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
(Bolsa CAPES/PROSUC - 08/2023).
Doutoranda (Bolsa Mérito do Instituto Presbiteriano Mackenzie)
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