Sob a óptica jurídica o trabalho infantil é toda forma de trabalho legalmente proibida de ser exercida por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, segundo previsões abarcadas no texto constitucional e nas legislações específicas com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O trabalho infantil caracteriza-se pela privação da criança de sua infância, seu potencial e sua dignidade, bem como aquele que é prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental.
Refere-se ao trabalho que:
"[...] é mental, física, social ou
moralmente perigoso e prejudicial para as crianças; interfere na sua
escolarização; priva as crianças da oportunidade de frequentarem a escola;
obriga as crianças a abandonar a escola prematuramente; ou exige que se combine
frequência escolar com trabalho excessivamente longo e pesado. [...] (Copyright
© Organização Internacional do Trabalho, 2020)"
A exploração da mão de obra infantil é multifacetada, ou seja, possui diversas formas como o trabalho no campo, nas fábricas, nas ruas, trabalho doméstico, além da exploração sexual, trabalhos perigosos e ilícitos, trabalho artístico, dentre outros.
O trabalho infantil é uma grave transgressão dos direitos humanos e dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, simbolizando uma antinomia do trabalho decente.
Tamanho e estrutura familiar, pobreza, questões culturais, escolaridade, local de residência, mão de obra barata, situação econômica da família dentre outros são apresentados como fatores que influenciam crianças e adolescentes a trabalharem.
As consequências do trabalho precoce na vida de crianças e adolescentes são incontáveis. Nesses casos, a tendência é que se reproduza o ciclo de pobreza da família, tendo em vista que o trabalho em tenra idade prejudica a aprendizagem da criança e do adolescente:
"[...] A baixa escolaridade e o pior desempenho escolar, consequências do trabalho infantil, restringem as oportunidades de emprego a postos de baixa qualificação e, consequentemente, de baixa remuneração. Além disso, o trabalho na infância implica problemas de saúde, como mostraram os estudos de Kassouf (2000), Kassouf et alii (2001) e Nicolella (2006). (Kassouf e Santos, p.2, 2010)"
A exposição da criança e do adolescente ao trabalho causa, também, o amadurecimento extemporâneo, que, por conseguinte, retira seu direito a infância e desenvolvimento saudável, bem como os tornam vulneráveis a violência, assédio sexual, esforços físicos, acidentes do trabalho, entre outros.
Apesar das diversas leis que compõem o ordenamento jurídico brasileiro proibirem a exploração do trabalho infantil, esta ainda se faz presente na realidade de milhares de crianças e adolescentes, como demonstram os dados apresentados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que 2,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalham em toda extensão do território nacional[1].
Em 2016, último ano em que houve a divulgação de dados sobre trabalho infantil no País, a pesquisa realizada pelo IBGE demonstrou que 1,8 milhões de crianças entre 5 e 17 anos trabalhavam no Brasil², apesar da redução, tais dados foram amplamente criticados por especialistas, o número de incidência do trabalho infantil ainda é significativo[2].
Diante dos números alarmantes, diversos órgão governamentais e não governamentais, adotaram e ainda adotam diversas medidas para o combate e erradicação da exploração da mão-de-obra infantil no País, dentre eles, encontra-se o Ministério Público do Trabalho (MPT).
O MPT é uma ramificação do Ministério Público da União (MPU), cujo foco é defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis no âmbito das relações do trabalho.
Dentre outras atribuições, ao MPT compete fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista quando houver interesse público e propor ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores de idade. Diante das atribuições apresentadas, questiona-se de que maneira é feito o combate da exploração do trabalho infantil pelo MPT (Ministério Público do Trabalho)?
No Manual de atuação do MPT na prevenção e erradicação do trabalho infantil, são apontadas três linhas de atuação do Ministério Público para o enfrentamento da exploração de mão de obra de crianças e adolescentes.
A primeira, diz respeito a "dimensão protetiva", nessa linha o Ministério Público não restringe a sua atuação ao resgate/retirada da criança e/ou adolescente da situação de trabalho defeso, utilizando dos meios jurídicos disponíveis (termo de compromisso de ajustamento de conduta, inquérito civil público, ação civil pública) para salvaguardar possibilidades no campo da educação, saúde, assistência social e trabalho, áreas cruciais para a resolução do problema que é o trabalho infantil. Ainda, o resgate das crianças e/ou adolescentes pode e deve ser efetivado pela atuação do Procurados do Trabalho ou, ainda, qualquer membro da sociedade.
A segunda linha de atuação diz respeito à "dimensão repressiva" que consiste no emprego de medidas judiciais focadas na sanção e responsabilização (criminal, administrativa, civil e trabalhista) do explorador, intermediário ou beneficiário do trabalho infantil.
Ainda, a atuação do Mistério Público pode se dar de "forma pedagógica", ou seja, promovendo audiências públicas, participando de reuniões e seminários, bem como integrando organismos que buscam defender e promover os direitos da criança e do adolescente e fomentando campanhas educativas e de conscientização.
Outro mecanismo de enfrentamento do trabalho infantil pelo MPT é por uma de suas 8 (oito) Coordenadorias Temáticas, mais especificamente a Coordinfância.
A Coordenadoria Nacional de Combate à exploração do Trabalho e Criança e do Adolescente - Coordinfância, foi criada por meio da Portaria nº299, de 10 de novembro de 2000 assinada pelo Procurador-Geral do Trabalho Guilherme Mastrichi Basso, com o objetivo:
"[...] promover, supervisionar e coordenar ações voltadas à prevenção e ao combate das variadas formas de exploração do trabalho de crianças e adolescentes, além de fomentar o trabalho protegido para adolescentes, buscando imprimir r tratamento uniforme e coordenado ao referido tema no âmbito do Ministério Público do Trabalho." (Procuradoria-Geral do Trabalho. p. 12, 2020)
O trabalho exercido pela Coordinfância reúne as três linhas de atuação do MPT, estabelecendo estratégias intersetoriais para a efetivação das ações de combate ao trabalho infantil.
O Ministério Público do Trabalho é um órgão essencial para o combate e erradicação do trabalho infantil, pois sua atuação ultrapassa as vias judiciais, perpassando por vias educacionais e de campanha.
Considerações Finais
Para quem é direcionado o discurso dignificante do trabalho? Realmente é melhor que crianças e adolescentes trabalhem ao invés de brincar e estudar para que tenham um desenvolvimento saudável? Essas são algumas questões que podem ser apresentadas quando o assunto é trabalho infantil.
O discurso que dignifica o trabalho infantil é destinado a crianças e adolescentes de baixa renda. A consequência do exercício do trabalho em tenra idade e em proporções desmedidas fere a dignidade da pessoa humana, que inclusive é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, bem como fere direitos os direitos fundamentais previstos no art. 227, da CF, como saúde, educação, lazer, dentre outros.
Os beneficiários da exploração do trabalho infantil ganham dinheiro às custas de vidas marginalizadas por falta de políticas públicas eficientes para diminuir a desigualdade social e pobreza que é um dos objetivos fundamentais a República Federativa do Brasil, conforme consta no art. 3º, III da Constituição Federal, que, inclusive, é negligenciada pelos governantes e autoridades do País.
O explorador de trabalho infantil utiliza um dos meios mais desumanos de violação de direitos, pois atinge pessoas extremamente vulneráveis, tanto pela idade, quando por seu perfil socioeconômico. A crueldade de tal ato transparece nas consequências físicas e psicológicas do trabalho efetuado por crianças e adolescentes.
Exploradores e apoiadores do trabalho infantil, além de serem responsáveis pela degradação da saúde física e psicológica de crianças e adolescentes submetidas a essa realidade, também são responsáveis pelo reforço do ciclo de pobreza dessas pessoas, que, quando se tornam adultas apenas conseguem subempregos.
Diante do resultado da exploração do trabalho infantil na vida de crianças e adolescentes, bem como no desenvolvimento do País o Ministério Público do Trabalho exerce uma função de extrema importância para a erradicação do trabalho infantil, pois atua em diversas frentes, como a conscientização e educação.
Por fim, vale ressaltar que em um país onde há mais de 12 milhões de desempregados[3], não há a necessidade de exploração de mão de obra infantil, mas sim de investimento em qualificação profissional e criação de vagas de emprego. Bibliografia