O trânsito é, sem dúvidas, um dos instrumentos mais importantes para a sociedade, haja vista a locomoção ser uma necessidade constante, principalmente no sistema globalizado em que vivemos. Na mesma intensidade, é um dos maiores, senão o maior responsável pelo crescimento do estresse, bem como dos números de lesões e mortes em nossa sociedade em decorrência dos acidentes no trânsito.
O jovem Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503/97, que há pouco atingiu sua maioridade, é um importante mecanismo legal que tem a finalidade de estabelecer regras e impor sanções, que vão desde regras simples do cotidiano, como as formas de condução dos veículos e pedestres nas vias de trânsito, até as sanções de natureza administrativa e penais, caracterizando-se, a parte em que estabelece os crimes, em uma legislação penal especial, tratando de preceitos criminais “alheios” aos instituídos no Código Penal.
A sua parte criminal determina, também, tanto os crimes de natureza simples, como o crime de Dirigir sem Habilitação, conforme o art. 309, do CTB, por exemplo, até os crimes mais graves, como o crime de Homicídio Culposo de Trânsito, capitulado a teor do art. 302, do CTB. Dessa forma, é de suma importância analisar e discutir os elementos subjetivos do crime, principalmente no que tange à configuração do dolo e da culpa nos crimes praticados no trânsito em que há o resultado morte, já que, a cada crime de grande repercussão midiática e consequente comoção social, a sociedade clama por punições mais severas.
Como já dito dolo e culpa são substratos subjetivos da conduta, esta enquadrada no elemento fato típico do conceito de crime. Dessa forma, dolo é a vontade e a consciência de praticar as condutas constantes no tipo legal. Já a culpa é o elemento normativo da conduta, não estando descrita, nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo penal.
Há algumas teorias que explicam o dolo, das quais se destacam a Teoria da Vontade, a Teoria da Representação e a Teoria do Assentimento. Da interpretação do art. 18, inciso I, do CPB, temos a percepção de que a Legislação Penal Brasileira adotou a Teoria da Vontade, na qual entende-se dolo como a vontade de praticar a conduta e produzir o resultado, bem como a Teoria do Assentimento, em que o dolo é manifesto no resultado da ação delituosa, ou seja, é a previsão do resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo.
Para a Teoria da Representação, leciona Fernando Capez, “o dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de o resultado ocorrer, sem contudo, desejá-lo”.
Das várias espécies de dolo, destacamos, nessa oportunidade, o dolo eventual, espécie de dolo derivada do dolo indireto, que nos ensinos de Cleber Masson, nada mais é do que (...) “a modalidade em que o agente não quer o resultado, por ele previsto, mas assume o risco de produzi-lo”.
A culpa é a exceção, já que, via de regra, os crimes são sempre dolosos, salvo quando expressamente o determinar como culposo. Assim sendo, Janaina Paschoal, ensina que o crime será culposo quando “havendo previsão legal dessa modalidade de delito, o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, que seriam as três formas de culpa”, ao teor do art. 18, inciso II, do CPB.
Nesse sentido, podemos conceituar a imprudência como uma ação descuidada, isto é, um agir sem a cautela necessária, ocorrendo simultaneamente à ação. Já a Negligência é a culpa na modalidade omissiva, ou seja, é a ausência de um cuidado devido antes do início de uma ação. De outra banda, a Imperícia nada mais é do que a falta de habilidade técnica em uma atividade, traduzindo, é a incapacidade ou falta de conhecimento/habilidade em determinada ação que deveria saber, em razão de sua profissão, por exemplo.
Assim como o dolo, há várias espécies de culpa. No entanto, nos reservamos à análise da Culpa Consciente, que pode se conceituada, conforme apresenta André Estefam, como “(...) a culpa com previsão. O agente pratica o fato, prevê a possibilidade de ocorrer o resultado, porém, levianamente, confia na sua habilidade, e o produz por imprudência, negligência ou imperícia”.
É importante salientar que, embora haja varias espécies de dolo e culpa, como o dolo eventual e a culpa consciente, tais espécies têm apenas caráter didático e doutrinário, pois quem pratica crime doloso, do qual se sabe ser o dolo na modalidade dolo eventual, por exemplo, responderá pelo crime na modalidade dolosa normalmente, assim como nos crimes culposos. Haverá, no entanto, influência na dosimetria da pena.
Percebemos, então, uma linha tênue entre a culpa consciente e o dolo eventual. Nesse sentido, Fernando Capez (2011, p. 234/235), nos apresenta as diferenças entres as duas modalidades de conduta nos seguintes termos:
"A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra ("se eu continuar dirigindo assim posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir"). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade ("seu eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá"). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: "não importa", enquanto na culpa consciente supõe: "é possível, mas não vai acontecer de forma alguma".
No mesmo sentindo, Janaina Paschoal (2016, p. 62/63):
"(...) no dolo eventual o agente não quer o resultado, mas assume o risco de produzi-lo, isto é, apesar de não o querer, não se importa com a possibilidade de causá-lo ("não quero, mas, se acontecer, tudo bem"). No caso da imprudência, o agente não só́ não quer o resultado como acredita que ele não ocorrerá.O motorista que desrespeita as normas de trânsito, excedendo, por exemplo, a velocidade permitida, via de regra, não quer atropelar alguém, também não acha que, se atropelar, estará́ tudo bem. Na verdade, ao guiar em velocidade excessiva, o motorista imprudente acredita em suas habilidades e crê̂ que não causará acidentes. Ao causar, responde pelo resultado, a título de culpa."
Nestes casos, através do liame subjetivo entre esses dois substratos da conduta (culpa e dolo), surgem os questionamentos acerca de qual elemento deve ser aplicado nos crimes de trânsito em que houver vítimas fatais, dolo eventual ou culpa consciente?!
Ainda no ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 107.801/SP, respondeu a essa indagação e firmou seu entendimento de que a embriaguez, por si só, não é elemento suficiente para o reconhecimento do dolo eventual na conduta delituosa. Dessa forma, ainda que o homicídio seja causado sob a influência de álcool ou qualquer substancia psicoativa, via de regra, estará configurado o crime de homicídio culposo de trânsito, na modalidade culpa consciente, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro. No mesmo julgado o STF deixou claro que o dolo eventual somente será reconhecido quando tratar-se de uma embriaguez preordenada, ou seja, somente quando o agente, intencionalmente, ingere bebida alcoólica ou afim com o intuito de cometer crimes, inclusive, nos casos em que se vale do álcool e/ou seus afins para criar coragem para praticar a ação criminosa, respondendo, nestes casos, pelo crime de Homicídio Doloso, sob a tutela do Código Penal Brasileiro.
Importante, portanto, diferenciar tais modalidades da conduta, vez que influenciará no desenrolar da ação penal, tendo em vista que os crimes dolosos contra a vida são de competência do Tribunal do Júri, assim como o crime culposo é de competência do juízo singular de primeira instância, além de outros fatores, como a sistemática da política criminal a ser adotada, por exemplo.
Bibliografia Consultada
ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016;
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília;
BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Código de Trânsito Brasileiro. Brasília;
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011;
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Método, 2015; e
PASCHOAL, Janaina Conceição. Direito Penal: Parte Geral. 2ª ed. Barueri: Manole, 2015.
POR IURY JIM BARBOSA LOBO
- Advogado - OAB/CE 33153;
- Formado pela Faculdade Paraíso do Ceará (2015);
- Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri - URCA (2016);e
- Sócio Fundador do Escritório OLIVEIRA, PESSOA & LOBO – ADVOGADOS, situado em Juazeiro do Norte/CE
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