quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Contratos de uso temporário de imóveis


 Autora: Andrea Teichmann Vizzotto (*)

Atualmente, as plataformas digitais oferecem serviços de toda a natureza, facilitando a vida cotidiana. Por meio de aplicativos, é possível escolher, em detalhes, onde você gostaria de se hospedar na sua próxima viagem. Afora os benefícios para os viajantes, o uso temporário do imóvel é outro modo de obtenção de renda para os proprietários de imóveis. Essa modalidade surgiu nos idos de 2008, nos Estados Unidos, prometendo rapidez e segurança para viajantes e proprietários de imóveis. E esse é um ponto muito positivo para os usuários desse tipo de alojamento.

Entretanto, a natureza da contratação e a intensa rotatividade de hóspedes, em curto espaço de tempo, gera discussões sobre a relação entre hóspedes e os condomínios residenciais.  O trânsito extraordinário de pessoas não residentes dentro dos condomínios tem sido objeto de reclamação dos moradores porque os hóspedes, muitas vezes, não conhecem e não se sentem obrigados a cumprir as regras condominiais quanto ao uso do imóvel e horário de silêncio, por exemplo.

Segundo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a contratação de uso temporário de imóveis, via plataformas digitais, assemelha-se aos serviços de hotelaria, não aos de locação. Nesse sentido, a decisão do STJ foi no sentido de que o condomínio poderá convencionar, por meio de assembleia, a regulação ou a vedação dessa contratação temporária.

O tema está longe de se pacificado, pois, aparentemente, opõe a exploração econômica ao direito de propriedade e ao sentido constitucional de que a propriedade é protegida pelo ordenamento jurídico tão somente enquanto possuir uma função social. Nesses casos, me filio à segunda hipótese.
Mais informações: https://youtu.be/flsKs_3mS3M

ANDREA TEICHMANN VIZZOTTO



Advogada, consultora jurídica e professora universitária;

Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do RGS (1985);

Procuradora aposentada do Município de Porto Alegre (RS);

Doutora em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do RGS (2018);

Professora de Direito Urbanístico e Municipal em cursos de extensão e pós-graduação da Escola Superior do Ministério Público do RGS;

Especialista em Direito Municipal pela Faculdade Ritter dos Reis e Escola Superior de Direito Municipal (2000);  e
Site: https://andreavizzotto.adv.br/ e

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Naquele tempo...

 


Me pediram para escrever um conto, algo leve que ajudasse a passar o tempo. E venho pensando muito no tempo, em como tudo mudou. Resolvi contar algo sobre minha visão, como advogado, do que mudou desde as primeiras vezes em que pus uma gravata para ir ao fórum, certo de que estas minhas impressões também se aplicam a um grande número de profissões igualmente atingidas pela informática que, acredito, sofrem o mesmo destino da advocacia.

Naquele tempo um escritório de advocacia de bom porte possuía, além dos advogados (óbvio), datilógrafas, estagiários, secretárias, garçom, cozinheira.

Também não podiam faltar a vasta biblioteca, salas de reunião, arquivos, máquinas de escrever e de xerox.

Aliás, as máquinas de escrever merecem uma explicação à parte.

Minha primeira máquina de escrever foi uma Triumph portátil, que acabei herdando de meu pai. Essa máquina serviu a meu pai por décadas assim como a mim por outras tantas. Foi nela que escrevi minhas primeiras petições, que receberam os primeiros protocolos de minha vida profissional.

Para os que não sabem, uma máquina de escrever é, segundo uma das definições, um teclado que já vem com uma impressora e uma copiadora acopladas (quando se usa papel carbono), e que não precisa de nenhum outro software além dos já instalados na cabeça do digitador. Cada tecla acionada imprime imediatamente uma letra na folha de papel que já está inserida no aparelho.

Essas máquinas, inicialmente mecânicas, passaram a ser elétricas e depois eletrônicas. Essas últimas permitiam uma digitação mais rápida e já traziam corretores de texto que permitiam corrigir os erros de digitação sem a necessidade de digitar a página inteira novamente no caso de erro. Isso mesmo. Dependendo do erro, era necessário digitar a página inteira novamente e, às vezes, várias...

Faço uma observação. As máquinas mecânicas bem conservadas ainda prestam seus serviços e estão prontas para uso, enquanto as elétricas e eletrônicas há muito tempo estão encostadas sem peças de reposição.

Ainda me lembro da primeira entrevista de que participei para estagiário em um grande escritório em São Paulo.

O ar solene da sala de reunião com piso todo coberto com um belo tapete vermelho escuro, a grande mesa de reunião, as paredes e o teto da sala todo recoberto em madeira exalando um agradável perfume. O café servido com toda gentileza pelo Sr. Messias e uma curta prosa agradável que, soube mais tarde, completou as impressões do entrevistador, proprietário da banca.

Havia, em tudo, um certo glamour. O contato com os colegas, as dicas sobre os cartórios. As pesquisas que viravam dias e noites, regadas a café, sanduiche e bolachas. As happy hours de sextas feiras.

A redação varando as noites obrigava a pesquisas por dezenas de livros de coletâneas de julgados e de autores renomados, todos espalhados sobre a mesa, entre folhas e mais folhas de papel manuscrito, rascunhos e mais rascunhos rasgados, amassados e amontoados em pilhas nos lixos da sala. Um trabalho que lentamente ia tomando forma, passando de pensamentos espalhados pela sala a ideias organizadas e impressas em folhas de papel.

Os rascunhos eram feitos a mão, a caneta e papel e repassados para a digitação.

Os arquivos eram armários pesados e preenchiam espaços enormes dos escritórios e muitas horas de trabalho para organizar.

O contato pessoal com juízes, promotores, procuradores, escreventes era essencial, como era essencial o manuseio físico dos documentos. Havia a formalidade de um protocolo físico, com o carimbo evidente de uma autoridade que emprestava a certeza e a segurança de haver sido recebido o documento.

Mas todas essas pessoas e toda aquela traquitana ocupavam, normalmente, ao menos um andar inteiro em edifícios nos centros comerciais mais valorizados.

E não me orgulho nem um pouco ao lembrar de que participei do primórdio das mudanças que se seguiram para o que temos hoje.

Para muitos advogados, o início da era dos computadores era apenas a instalação de máquinas de escrever mais complicadas, sucessoras das máquinas de escrever. 

Me recordo de iniciar minhas investidas na informática ao alimentar bancos de dados de videotexto, por meio de um teclado improvisado em madeira, acoplado a um televisor telefunken colorido, ligado a um modem feito a mão, conectado a uma linha de telefone discado que transmitia dados na então enorme velocidade de 1.4Kb. Levava horas para mandar um pequeno texto pela linha de telefone.

O que? Videotexto? Foi uma tentativa de uma rede de internet dos anos 80, que mantinha uns pequenos terminais disponíveis em locais específicos, e que permitia consultar somente alguns serviços: IOB – Informações Objetivas – com comentários muito curtos das mudanças em legislação, TELESP – com a lista de telefones de assinantes da cidade de São Paulo, processos do Tribunal de Justiça de São Paulo e PRODASEN – Sistema de Processamento de Dados do Senado Federal, com acesso às leis e projetos de lei.

Esse serviço durou poucos anos, mas foi uma experiência para os sistemas de comunicação de dados.

O primeiro computador com que tive contato, um PC XT que, para ser ligado exibia, no monitor, em letras verdes: “inserir o disco 1 no drive A” e, após carregar o computador com os programas do tal disco 1, mostrava: “inserir disco 2 no drive B”, para poder abrir os arquivos. Esses discos eram de sete e meia polegadas, feitos de uma película que girava dentro de um envelope de papel cartão e guardavam no máximo uns vinte documentos.

Somente a operação de acionamento de um computador podia levar uns 15 minutos.

Mas esses mistérios, entre a entrega do texto feito à mão até o recebimento das páginas impressas, os advogados deixavam para serem resolvidos pelas secretárias e datilógrafas.

O tempo passou. Hoje, meu celular acessa arquivos em alguma nuvem em qualquer lugar em que esteja. O notebook, o modem conectado a um provedor de internet e uma sala de reunião compartilhada em qualquer prédio de São Paulo, substituem com tranquilidade toda a parafernália que um dia foi essencial.

Um escritório inteiro, com todos os equipamentos essenciais, pode ocupar hoje alguns poucos metros quadrados, e uma peça jurídica pode ser escrita em questão de minutos. Antes impressas, as peças escritas agora são encaminhadas aos tribunais por via digital, e o protocolo é virtual.

Pela internet temos acesso aos mais variados artigos, das mais variadas fontes do País e do exterior em questão de segundos. Podemos pesquisar os processos de qualquer cidade, em qualquer Estado, em qualquer fórum e qualquer tribunal, coisa impensável há alguns anos. As reformas legais permitem que mais pessoas procurem seus direitos, a um custo muito menor.

Mas nem tudo são flores. A redação tem sido substituída por um sem fim de “recorta e cola” no monitor, de peças compradas prontas em algum site especializado ou copiadas mesmo, sem qualquer pudor, economizando o tempo de pesquisas mais profundas e elaboradas, adaptadas a cada caso.

Os discos de sete e meia polegadas deixaram de existir há muito tempo. Foram substituídos por menores, com cinco polegadas, depois pelos HD’s e pelos pen drives. Os arquivos de papel foram apagados, queimados, rasgados, destruídos, substituídos por espaços em nuvem, sabe-se lá onde e aos cuidados de quem.

Já tive ao longo dos anos mais de dez computadores, todos eles substituídos por melhores e mais velozes, incapazes que eram de suportar as inexoráveis inovações que se seguiram.

Foi-se embora o glamour. Foi-se embora a segurança. Temos agora a velocidade e a facilidade.

Abro a caixa da máquina antiga com certa formalidade, com o respeito que merece essa veterana, e lhe entrego a dignidade de me servir novamente, nem que seja para um pequeno rascunho, ainda que inservível, pois os textos que ela escreve hoje, sequer são recebidos no judiciário.

E me pergunto, com preocupação: Por quanto tempo ainda existirá o pouco que resta da advocacia.


ALCEU ALBREGARD JUNIOR
















-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie(1985);
-Atua principalmente nas áreas dos Direitos Tributário, Imobiliário e Consumidor.
Contato: alceu.adv@albregard.com.br


Nota do Editor:
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