Advogada, consultora jurídica e professora universitária;
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do RGS (1985);
Nota do Editor:
Advogada, consultora jurídica e professora universitária;
Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do RGS (1985);
Nota do Editor:
Me pediram para escrever um
conto, algo leve que ajudasse a passar o tempo. E venho pensando muito no
tempo, em como tudo mudou. Resolvi contar algo sobre minha visão, como
advogado, do que mudou desde as primeiras vezes em que pus uma gravata para ir
ao fórum, certo de que estas minhas impressões também se aplicam a um grande
número de profissões igualmente atingidas pela informática que, acredito,
sofrem o mesmo destino da advocacia.
Naquele tempo um escritório de
advocacia de bom porte possuía, além dos advogados (óbvio), datilógrafas,
estagiários, secretárias, garçom, cozinheira.
Também não podiam faltar a vasta biblioteca,
salas de reunião, arquivos, máquinas de escrever e de xerox.
Aliás, as máquinas de escrever
merecem uma explicação à parte.
Minha primeira máquina de
escrever foi uma Triumph portátil, que acabei herdando de meu pai. Essa máquina
serviu a meu pai por décadas assim como a mim por outras tantas. Foi nela que
escrevi minhas primeiras petições, que receberam os primeiros protocolos de minha
vida profissional.
Para os que não sabem, uma
máquina de escrever é, segundo uma das definições, um teclado que já vem com
uma impressora e uma copiadora acopladas (quando se usa papel carbono), e que
não precisa de nenhum outro software além dos já instalados na cabeça do
digitador. Cada tecla acionada imprime imediatamente uma letra na folha de
papel que já está inserida no aparelho.
Essas máquinas, inicialmente
mecânicas, passaram a ser elétricas e depois eletrônicas. Essas últimas permitiam
uma digitação mais rápida e já traziam corretores de texto que permitiam
corrigir os erros de digitação sem a necessidade de digitar a página inteira
novamente no caso de erro. Isso mesmo. Dependendo do erro, era necessário
digitar a página inteira novamente e, às vezes, várias...
Faço uma observação. As máquinas
mecânicas bem conservadas ainda prestam seus serviços e estão prontas para uso,
enquanto as elétricas e eletrônicas há muito tempo estão encostadas sem peças
de reposição.
Ainda me lembro da primeira entrevista
de que participei para estagiário em um grande escritório em São Paulo.
O ar solene da sala de reunião com
piso todo coberto com um belo tapete vermelho escuro, a grande mesa de reunião,
as paredes e o teto da sala todo recoberto em madeira exalando um agradável
perfume. O café servido com toda gentileza pelo Sr. Messias e uma curta prosa
agradável que, soube mais tarde, completou as impressões do entrevistador,
proprietário da banca.
Havia, em tudo, um certo glamour.
O contato com os colegas, as dicas sobre os cartórios. As pesquisas que viravam
dias e noites, regadas a café, sanduiche e bolachas. As happy hours de sextas
feiras.
A redação varando as noites
obrigava a pesquisas por dezenas de livros de coletâneas de julgados e de
autores renomados, todos espalhados sobre a mesa, entre folhas e mais folhas de
papel manuscrito, rascunhos e mais rascunhos rasgados, amassados e amontoados
em pilhas nos lixos da sala. Um trabalho que lentamente ia tomando forma, passando
de pensamentos espalhados pela sala a ideias organizadas e impressas em folhas
de papel.
Os rascunhos eram feitos a mão, a
caneta e papel e repassados para a digitação.
Os arquivos eram armários pesados
e preenchiam espaços enormes dos escritórios e muitas horas de trabalho para
organizar.
O contato pessoal com juízes,
promotores, procuradores, escreventes era essencial, como era essencial o manuseio
físico dos documentos. Havia a formalidade de um protocolo físico, com o
carimbo evidente de uma autoridade que emprestava a certeza e a segurança de
haver sido recebido o documento.
Mas todas essas pessoas e toda
aquela traquitana ocupavam, normalmente, ao menos um andar inteiro em edifícios
nos centros comerciais mais valorizados.
E não me orgulho nem um pouco ao lembrar
de que participei do primórdio das mudanças que se seguiram para o que temos
hoje.
Para muitos advogados, o início
da era dos computadores era apenas a instalação de máquinas de escrever mais
complicadas, sucessoras das máquinas de escrever.
Me recordo de iniciar minhas
investidas na informática ao alimentar bancos de dados de videotexto, por meio
de um teclado improvisado em madeira, acoplado a um televisor telefunken
colorido, ligado a um modem feito a mão, conectado a uma linha de telefone discado
que transmitia dados na então enorme velocidade de 1.4Kb. Levava horas para
mandar um pequeno texto pela linha de telefone.
O que? Videotexto? Foi uma
tentativa de uma rede de internet dos anos 80, que mantinha uns pequenos
terminais disponíveis em locais específicos, e que permitia consultar somente alguns
serviços: IOB – Informações Objetivas – com comentários muito curtos das
mudanças em legislação, TELESP – com a lista de telefones de assinantes da
cidade de São Paulo, processos do Tribunal de Justiça de São Paulo e PRODASEN –
Sistema de Processamento de Dados do Senado Federal, com acesso às leis e
projetos de lei.
Esse serviço durou poucos anos,
mas foi uma experiência para os sistemas de comunicação de dados.
O primeiro computador com que
tive contato, um PC XT que, para ser ligado exibia, no monitor, em letras
verdes: “inserir o disco 1 no drive A” e, após carregar o computador com os programas
do tal disco 1, mostrava: “inserir disco 2 no drive B”, para poder abrir os
arquivos. Esses discos eram de sete e meia polegadas, feitos de uma película
que girava dentro de um envelope de papel cartão e guardavam no máximo uns
vinte documentos.
Somente a operação de acionamento
de um computador podia levar uns 15 minutos.
Mas esses mistérios, entre a
entrega do texto feito à mão até o recebimento das páginas impressas, os
advogados deixavam para serem resolvidos pelas secretárias e datilógrafas.
O tempo passou. Hoje, meu celular
acessa arquivos em alguma nuvem em qualquer lugar em que esteja. O notebook, o
modem conectado a um provedor de internet e uma sala de reunião compartilhada
em qualquer prédio de São Paulo, substituem com tranquilidade toda a parafernália
que um dia foi essencial.
Um escritório inteiro, com todos
os equipamentos essenciais, pode ocupar hoje alguns poucos metros quadrados, e
uma peça jurídica pode ser escrita em questão de minutos. Antes impressas, as
peças escritas agora são encaminhadas aos tribunais por via digital, e o
protocolo é virtual.
Pela internet temos acesso aos
mais variados artigos, das mais variadas fontes do País e do exterior em
questão de segundos. Podemos pesquisar os processos de qualquer cidade, em
qualquer Estado, em qualquer fórum e qualquer tribunal, coisa impensável há
alguns anos. As reformas legais permitem que mais pessoas procurem seus
direitos, a um custo muito menor.
Mas nem tudo são flores. A
redação tem sido substituída por um sem fim de “recorta e cola” no monitor, de
peças compradas prontas em algum site especializado ou copiadas mesmo, sem
qualquer pudor, economizando o tempo de pesquisas mais profundas e elaboradas,
adaptadas a cada caso.
Os discos de sete e meia
polegadas deixaram de existir há muito tempo. Foram substituídos por menores,
com cinco polegadas, depois pelos HD’s e pelos pen drives. Os arquivos de papel
foram apagados, queimados, rasgados, destruídos, substituídos por espaços em
nuvem, sabe-se lá onde e aos cuidados de quem.
Já tive ao longo dos anos mais de
dez computadores, todos eles substituídos por melhores e mais velozes,
incapazes que eram de suportar as inexoráveis inovações que se seguiram.
Foi-se embora o glamour. Foi-se
embora a segurança. Temos agora a velocidade e a facilidade.
Abro a caixa da máquina antiga
com certa formalidade, com o respeito que merece essa veterana, e lhe entrego a
dignidade de me servir novamente, nem que seja para um pequeno rascunho, ainda
que inservível, pois os textos que ela escreve hoje, sequer são recebidos no
judiciário.
E me pergunto, com preocupação: Por
quanto tempo ainda existirá o pouco que resta da advocacia.
ALCEU ALBREGARD JUNIOR
-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie(1985);
-Atua principalmente nas áreas dos Direitos Tributário, Imobiliário e Consumidor.
Contato: alceu.adv@albregard.com.br
Nota do Editor:
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