Autora: Marilice Pereira Ruiz do Amaral Mello(*)
Em minha atual prática, professora de curso de pós-graduação em disciplinas relacionadas à inclusão escolar para crianças, adolescentes e jovens com Transtornos do Espectro Autista (TEA) e também atendimento a criança em Clínica como Pedagoga Especialista em Análise do Comportamento Aplicada, reconheço a necessidade de trazer para reflexão uma de nossas inquietações: Como enfrentar as dificuldades dos profissionais e familiares que trabalham com crianças, adolescentes e jovens com TEA nas diversas modalidades, família, escola e clínica, e que não realizam um atendimento interdisciplinar e multidisciplinar?
Ter acesso a casos de sucesso que venham evidenciar este processo é uma ferramenta de grande valor para motivar a realização de um atendimento de qualidade para as pessoas com TEA.
Mas, o que é uma equipe interdisciplinar e multidisciplinar com foco na inclusão escolar?
Iniciamos pelo conceito de interdisciplinaridade que não possui um sentido único e estável, pois
Trata-se de um neologismo cuja significação nem sempre é a mesma e cujo papel nem sempre é compreendido da mesma forma....o princípio delas é sempre o mesmo, caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa. [1]
Faremos aqui uma ligação com os atendimentos e projeto de pesquisa, irá se relacionar com o estudo de caso de cada pessoa atendida.
Para tanto, Fazenda (2015) nos apresenta cinco princípios da interdisciplinaridade; coerência, humildade, respeito, espera e desapego.
Trazemos para a nossa reflexão seus princípios relacionados a intensidade das trocas entre os especialistas e o que essas trocas podem contribuir para a inclusão escolar, o aprendizado de todas as crianças.
Importante lembrar que a Interdisciplinaridade é tida aqui como uma questão de atitude, atitude essa que faz com que os diferentes saberes dos profissionais que atendem as pessoas, possam contribuir para um novo saber em busca de melhor qualidade do aprendizado.
Acreditamos que estes princípios são necessários para a realização de um trabalho multi e interdisciplinar.
Para realmente sermos coerentes é importante que estejamos alicerçados em percepções existenciais e intelectuais, neste caso os saberes se complementam e as práticas externam crenças e convicções.
A humildade se faz necessária para a aceitação de mudanças, sempre que novos olhares do grupo proporcionem, assim incorporar e aprofundar as dimensões do trabalho multi e interdisciplinar. Acreditamos que este seja um dos princípios mais importantes para que realmente aconteça um trabalho interdisciplinar, em que os profissionais, a família e a escola possam juntos construir um novo modelo de intervenção sempre que for preciso, e este possa contribuir com todos os envolvidos no referente caso.
Respeitar o outro, seja o outro a criança, o profissional, as pessoas da família, professores e outros profissionais da escola, de forma que pela reflexão e análise apontem novos rumos para o trabalho, alicerçados a valores éticos, estéticos e culturais.
Espera porque o saber pertence a todos e a cada um, é um saber construído no coletivo, no ritual do encontro desenhando ligações entre todos os envolvidos pelo aprendizado e desenvolvimento da criança com TEA, a espera é dinâmica não para com as intervenções necessárias.
Desapego suspender suas crenças e aceitar o saber do outro. A força está na parceria, no olhar, na descoberta de nós mesmos e do outro, amparados sempre pela atitude e pelo olhar interdisciplinar. (Fazenda, 2015).
Esses princípios, quando praticados, irão contribuir diretamente com a inclusão, assim, devemos nos revestir de intencionalidade e comunicar experiências de nossas práticas com as crianças em sala de aula, nos ambientes familiares e nas clínicas.
A Interdisciplinaridade é tida aqui como uma questão de atitude, faz com que os diferentes saberes dos profissionais que atendem as crianças, possam contribuir para um novo saber em busca de melhor qualidade do aprendizado da criança.
Ser interdisciplinar é saber perguntar e pesquisar a resposta para assim acontecer a aprendizagem. Acreditamos que no momento em que estivermos praticando esses princípios iremos sim contribuir para a inclusão escolar.
Trazemos agora a equipe Multidisciplinar de atendimento a crianças com TEA, que é composta por vários profissionais da saúde e da educação, professor, psicopedagogo, psicólogo, neurologista, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e outros. O direito a aprendizagem é de todos, toda criança aprende, a criança com TEA também aprende, para tanto se faz necessário entender como cada criança aprende.
Pensando nas limitações da criança quando decorrentes do TEA é necessário enfatizar a importância da intervenção nos atendimentos das crianças concretizada pela equipe de profissionais multidisciplinares e interdisciplinares com o foco na busca da qualidade de vida, autonomia, socialização e aprendizagem da criança autista. O diagnóstico muitas vezes é tardio e até mesmo falho, sendo a equipe multidisciplinar nem sempre interdisciplinar o que torna um desafio aos profissionais, a família e a escola. Faz-se necessário que os profissionais que atendem as crianças se unam para criar intervenções adequadas e que auxiliem nas dificuldades de comunicação e interação, tendo a criança como o centro já que são muitas as barreiras existentes para o acolhimento das crianças no contexto escolar.
O atendimento multidisciplinar e interdisciplinar para crianças com TEA é de fundamental importância, pois é preciso a partir de vários saberes, criar um novo saber para efetivas intervenções as crianças, a troca real de conhecimentos e uma integração mais profunda na realização de ações, contribui para o desenvolvimento integral da criança com TEA.
É sabido que a criança com TEA, possui comprometimento nas diferentes áreas do desenvolvimento e, portanto, requer uma programação detalhada para o ensino de diferentes comportamentos que integram o desenvolvimento. Diante de tal situação acreditamos que o trabalho conjunto entre diferentes profissionais favorece a abrangência de conhecimento nesse âmbito de investigação (Velloso et al., 2011), sobretudo quando apresentam uma atuação interdisciplinar relacionada à avaliação e definição dos programas de ensino que serão trabalhados em cada área do desenvolvimento.
Ademais, é fundamental ressaltar o direito do aluno com TEA ao atendimento multiprofissional, conforme descrito no artigo 2°, parágrafo 3°, da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA (Brasil, 2012), promulgada pela Lei n. 12.764. Tal atendimento ao ser conduzido em uma perspectiva interdisciplinar favorece o trabalho colaborativo intensivo (Curtis et al., 2006).
O envolvimento de diferentes profissionais, incluindo professores regulares e especiais, especialistas em diferentes áreas (psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, e outros) favorece o processo inclusivo dos estudantes público-alvo da educação especial (Smith, 2008), principalmente aqueles com TEA, e, além disso, cria a oportunidade para envolver um conjunto de contingências comportamentais entrelaçadas como uma prática cultural (Glenn, 1988).
Esse trabalho conjunto é essencial para a elaboração de currículos individualizados que atendam às necessidades específicas de cada estudante com TEA, baseados na proposição de procedimentos sistemáticos e graduais de ensino de habilidades pré-verbais e verbais, que identificam as variáveis controladoras dos comportamentos específicos e ensinam classes de comportamentos socialmente relevantes (por exemplo, uso funcional da linguagem, em detrimento de comportamentos agressivos) a partir da aplicabilidade dos princípios analítico-comportamentais. (Cooper, Heron, & Heward, 2007).
Nesse contexto, é possível identificar as habilidades que precisam ser ensinadas e aquelas que poderiam ser minimizadas do repertório de cada pessoa com TEA, a partir do trabalho conjunto entre diferentes profissionais.
No caso dos indivíduos com TEA, a adoção da Análise do (Applied Behavior Analysis – ABA) por diferentes profissionais tem demonstrado resultados promissores no tratamento desse público-alvo, por conta do uso de procedimentos derivados de princípios comportamentais comprovados cientificamente (Cooper et al., 2007).
Uma aplicação comportamental analítica, certamente, emprega os princípios do comportamento, visando ao ensino de comportamentos específicos, e avalia a ocorrência de possíveis modificações comportamentais, com a função de verificar se tais modificações foram oriundas ou não da aplicação planejada. O termo “aplicada”, por sua vez, se refere ao ensino de comportamentos socialmente relevantes, de acordo com a comunidade verbal em que o aluno está inserido (Baer, Wolf, & Risley, 1968).
Existem evidências crescentes de que intervenções comportamentais intensivas precoces catalisam o desenvolvimento intelectual e verbal de crianças com TEA, com resultados bastante promissores com crianças abaixo de 3 anos de idade (Cooper et al., 2007; Maurice, Green, & Luce, 1996).
As intervenções comportamentais intensivas são documentadas na literatura desde a década de 1980 como intervenções eficazes para o tratamento de alunos com TEA, no sentido de ensinar diferentes comportamentos específicos que integram as distintas áreas do desenvolvimento infantil. Isso nos faz acreditar ainda mais no trabalho multi e interdisciplinar contribuindo para o desenvolvimento da criança com TEA.
CONSIDERAÇÕES
Por conta de minha atuação como professora, e além dos muros da escola atender crianças com o Transtorno do Espectro Autista que estão enfrentando dificuldades na escola de ensino regular, percebo o quanto está difícil encontrar uma escola com profissionais preparados, com formação adequada para ensinar as crianças com TEA e outros transtornos.
Diante dessa situação evidenciamos a necessidade da formação adequada para os professores trabalharem com as crianças em sala de aula. Profissionais como os psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas educacionais, neurologistas e outros, que trabalham com as crianças também podem contribuir para um aprendizado de qualidade. Porém, se faz necessário que todos os profissionais envolvidos estejam dispostos a praticar ao menos os 5 princípios da interdisciplinaridade que são: coerência, humildade, respeito, espera, desapego.
Fazenda, em suas aulas, assim como em seus escritos, que são inúmeros vem contribuindo com uma educação inovadora e de melhor qualidade, uma educação interdisciplinar que tem como princípio maior a humildade.
Desta feita a formação dos professores deverá acontecer de várias maneiras e com profissionais de várias áreas diferentes, saúde, educação e familiares de crianças com TEA, profissionais humildes que aceitam outros saberes para assim terem uma formação interdisciplinar. Se faz necessário a vontade de ser uma pessoa melhor a fim de melhorar a vida das crianças atendidas, isso fará com que na sala de aula aconteça um exercício da prática multi e interdisciplinar em busca de um novo saber para trabalhar com as crianças nas famílias, nas escolas e nas clínicas.
Faz-se necessário uma formação específica com os profissionais para que eles entendam que a interdisciplinaridade deverá impor-se não só como forma de compreender e modificar o mundo, mas também como uma exigência interna das ciências, que buscam o restabelecimento da unidade perdida do saber.
CITAÇÃO E REFERÊNCIAS
[1] Fazenda, I. C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia, p.51;
BAER, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. (1968) Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91–97;
BRASIL (2012). Lei n. 12.764 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Recuperado de http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm.;
CURTIS, J. R., Cook, D. J., Wall, R. J., Angus, D. C., Bion, J., Kacmarek, R., Kane-Gill, S.L., Kirchhoff, K. T., Levy, M., Mitchell, P. H., Moreno, R., Pronovost, P., & Puntillo, K. (2006). Intensive care unit quality improvement: A “how-to” guide for the interdisciplinary team. Critical Care Medicine, 34(1), 211–218;
COOPER, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2007). Applied behavior analysis (2nd ed.). Upper Saddle River, NJ: Pearson Education;
GLENN, S. S. (1988). Contingencies and metacontingencies: Toward a synthesis of behavior analysis and cultural materialism. The Behavior Analyst, 11(2), 161–179;
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade. Grupo de Estudos e pesquisa em Interdisciplinaridade (GEPI). Educação: Currículo – Linha de Pesquisa: Interdisciplinaridade, v. 1, n. 6 – Especial (abril. 2015), São Paulo: PUCSP, 2015;
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). Dicionário em construção: interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez, 2001;
FAZENDA, I. C. A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 2011;
MELLO, Marilice Pereira Ruiz do Amaral. Formação inicial de professores e projetos integradores do curso de pedagogia: possibilidades e limites. 2013. Tese de doutorado em Educação: Currículo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP;
SMITH, D. (2008). Introdução à educação especial: Ensinar em tempos de inclusão. São Paulo: Artmed; e
VELLOSO, R. L., Vinic, A. A., Duarte, C. P., Dantino, M. E. F., Brunoni, D., & Schwartzman, J.S. (2011). Protocolo de avaliação diagnóstica multidisciplinar da equipe de transtornos globais do desenvolvimento vinculado à pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cadernos de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, 11, 9–22.
*MARILICE PEREIRA RUIZ DO AMARAL MELLO
--Graduação em Pedagogia com habilitação Pré-Escolar pela UniversidadeMetodista de Piracicaba (1984);
-Mestrado em educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (2001);
-Doutorado em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUCSP (2013);
-Pós-graduação em Análise do Comportamento Aplicada em Pessoas com TEA.Universidade Federal de São Carlos-UFSCAr (2019);
-Pós - Doutora pela UNEB- Campus VI- Caetité-BA, no Programa de Pós-graduação e em Ensino, Linguagem e Sociedade (PPGELS) - 2023;
-Tem mais de 40 anos de caminhada com atividades na educação como professora e gestora em diferentes níveis de ensino ;
- Há 18 anos iniciou seu trabalho com as crianças com TEA em Maceió- Al;
Em 2020 reativou seu Canal do Youtube com lives e vídeos, com conteúdos voltados a educação e desenvolvimento humano, assim como projetos do "Café com Pauta" que apresentam temas relacionados à inclusão escolar, sendo parte do projeto de pós doutoramento em Educação Inclusiva , com destaque às pessoas com TEA.
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