Estamos vivendo momentos muito difíceis. Basta passarmos alguns minutos diante da TV, ou nas mídias digitais e suas redes sociais para percebermos a turbulência de fatos de todas as ordens que nos deixam estupefatos. Surpreende-mo-nos, cotidianamente, diante de condutas, valores, decisões políticas, intolerâncias, conflitos e maneira de pensar e de agir das pessoas. Eventos que pulverizam o caráter e minam a convivência pacífica e tranquila de indivíduos em quaisquer segmentos sociais.
Neste contexto, questiona-se o papel da escola nos processos de formação de seus atores, currículos e objetivos, em fim, o papel e contributo deste espaço sistemático de educação para construção social. Costuma-se ouvir de professores que educado o aluno deve vir de casa, que na escola é espaço de aprende a ler, escrever, contar, ou seja, as disciplinas estabelecidas que contemplam as áreas de conhecimento.
A escola não é segmento isolado e impermeável às mudanças de seu entorno. Ela reproduz o contexto social, gestando objetivos de formação visando à esperada transformação para emancipação humana e seus espaços de convivência. Ao professores cabem duas posturas: ou reproduzem o que a sociedade inevitavelmente impõe pelas demandas do ter, ou transgridem e transformam os momentos de formação numa construção sólida do ser. A lei maior brasileira em seu Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, Da Educação, em seu artigo 205, preconiza que ‘A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.’ Apresenta assim seu objetivo primeiro – preparar para o exercício da cidadania.
O que significa ser cidadão hoje? Que meios dispõe a escola, diante do contexto social, para contemplar este objetivo? Pode-se afirmar que ser cidadão hoje significa estar atento aos grandes problemas do mundo e aos pequenos problemas do quotidiano, contribuindo para resolução desses problemas, principalmente, dos problemas cotidianos locais. Assim definido, cabe a reflexão: que recursos materiais e humanos possui a escola para estarem atentos aos problemas do mundo? Como viabilizar a contribuição para resolução de problemas locais se a escola nem sai às ruas em seu entorno para compreender o que é a cidade? Basta lermos as estatísticas para constatarmos índices alarmantes relativos à educação no Brasil. Tanto se fala na bordagem de se ensinar a pensar criticamente, ou a formar cidadãos críticos. Os docentes interpretam abordagem como levar o aluno a ter a visão de mundo do professor, forma velada e imperceptível do autoritarismo docente. Isto não é ensinar a pensar. Ensinar o raciocínio crítico é ensinar a formular seus próprios juízos sobre os fatos locais ou globais, levar o aluno a raciocinar historicamente e cientificamente, pesquisando evidências, permitindo ao aluno estabelecer livremente suas referências. Assim, refletir, cotidianamente, diante dos eventos que ocorrem no entorno escolar e do mundo, abordando direitos humanos, políticos, sociais e culturais são fundamentais, pois contemplam nossa formação como pessoa humana e definem o que de melhor podemos obter do espaço público.
A escola necessita ir à cidade, trazer para o seu interior para pertinente reflexão os portadores textuais que propiciem entender como funcionam as relações sociais, suas mediações e a hierarquia de poder que a mantém estratificada e seus porquês. A pólis, a qualidade do espaço público, é primordial para o aprendizado dos direitos e obrigações do cidadão. As obrigações são o respeito e a boa educação que devemos exercer para com os nossos semelhantes, sobretudo para com os mais frágeis que dependem, certamente, de compreensão e tolerância daqueles cujas oportunidades fluíram de maneira natural sem desvios injustos.
Podemos avaliar quando um povo tem qualidade cidadã, principalmente, pela forma como a sociedade cuida de seu vulneráveis e frágeis. A sociedade cidadã é aquela que trata os desfavorecidos com dignidade e respeito.
Há uma tênue fronteira quando pensamos no que se deve fazer quanto às ações e cuidados aos frágeis e vulneráveis. Neste sentido pode-se observar que uma sociedade com qualidade em cidadania é aquela que se auto-organiza, aquela que não institucionaliza seus cidadãos para que vivam com dignidade, pois o respeito e o cuidado aos mais frágeis e vulneráveis deve ser demanda autônoma do indivíduo, da sociedade civil que respeita seu semelhante próximo.
É pertinente um questionamento: Quem são os vulneráveis sociais? Uma sociedade que institucionaliza esses cidadãos não é uma sociedade ideal, pois privilegia de forma generalista segmentos sociais, inviabilizando formas de convivência que conscientizem demandas e obrigações dos indivíduos. A sociedade ideal é aquela na qual os mais idosos, pois perdem habilidades para sobrevivência autônoma, vivenciam limitações assim como os mais vulneráveis em saúde que devem ser considerados como os únicos cidadãos a serem privilegiados. Privilégios de raça, gênero, religião, status profissional, ou quaisquer outras atitudes que sectarizam cidadãos, é ingerência de supremacias sociais.
Como conquistar este padrão de sociedade sem se percorrer os caminhos da ética social? Isto posto é pertinente a reflexão sobre a ética. Mas, abordar ética sem a concomitante reflexão sobre a moral não faz sentido, nem é eficaz, ainda mais que, no âmbito filosófico, ética e moral possuem diferentes significados. A ética está associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano em sociedade, enquanto a moral são os costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade. Os termos possuem origem etimológica distinta: “ética” vem do Grego “ethos” que significa “modo de ser” ou “caráter”; “moral” tem origem no termo latino “morales” que significa “relativo aos costumes”. Ética é um conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano ao tentar explicar as regras morais de forma racional, fundamentada, científica e teoricamente.
Papel preponderante tem a escola quanto ao ensino e aprendizagem da ética. É neste espaço propício que professores, alunos, funcionários e comunidade podem conquistar resultados positivos no processo educacional, melhorando o ambiente de trabalho, as mediações e interações nas conquistas do aprendizado que viabilizem o conhecimento e a sabedoria. Mais que abordagens teóricas e acadêmicas quanto à ética e à moral o agir no espaço escolar fundamentado em princípios éticos e morais trará resultados positivos, pois o exemplo concreto, palpável sedimenta valores e orienta formas cidadãs de convivência. As crianças e jovens aprendem mais com exemplos do que com palavras. O professor que age de forma ética com alunos passa aos mesmos um importante modelo de comportamento ético.
O que pode exemplificar a ética no cotidiano escolar? O simples fato de se esclarecer e cumprir com transparência e clareza os métodos de ensino e avaliações; saber ouvir e respeitar as opiniões dos alunos, propiciando reflexões quando esta se apresenta de forma equivocada; buscar incessantemente a qualidade no processo de ensino; demonstrar comprometimento e cumprir prazos, entregando com zelo e responsabilidades toda a documentação e registros dos atos escolares; não agir com parcialidade; não expor erros ou deficiências de alunos coletivamente – falhas coletivas, mediações coletivas, falhas particulares, mediações individuais; primar pela justiça nos atos avaliativos (todo percalço na aprendizagem merece mediação docente para correção de rumos) pois, apontar a deficiência do aluno sem a devida oportunidade de superação, não é ético, tendo em vista o direito subjetivo à educação; ser educado, respeitar os outros; ter ética profissional, evitando proferir críticas negativas de colegas e superiores, buscando sempre os meios legais para correção de distorções no sistema; estar coadunado com a Proposta Pedagógica da escola, visto que esta deve ter sido constructo coletivo e democrático; ser proativo e demonstrar volição quanto à inclusão.
A ética dos educandos tem seus alicerces na família e esta nem sempre é condizente com o que se exige em espaço social que desenvolve subsídios de natureza normativa próprios do ensino, que pressupõem sanções para balizarem os contextos da convivência. É competência da escola vivenciar a ética para que este processo otimize a convivência escolar e ecoe nas relações sociais intra e extra-muros escolares. Com os educandos devem ser evidenciadas atitudes como: o respeito ao trabalho dos que trabalham na escola; o direito ao aprendizado de todos, evitando os distúrbios de disciplina que oneram o aprender; portar-se de forma honesta nos processos avaliativos; não expressar intolerância de quaisquer natureza, praticar; buscar ter um comportamento que crie um ambiente positivo e agradável na escola; não estabelecer grupos que, motivados por estereótipos e preconceitos, pratiquem bullyng; respeitar regras e normas de funcionamento da escola, buscando participar de segmentos escolares como grêmios e similares para que vivencie formas democráticas para o estabelecimento e transformação de normas e contratos afeitos à ética de convivência.
Toda a equipe de gestão desempenha papel fundamental na construção de um espaço ético educacional, primando pelo respeito no trato de todos no espaço escolar.
Um projeto coletivo interdisciplinar e transdisciplinar que vise à leitura crítica e contextualizadora de textos que, no processo de desenvolvimento da história da humanidade, que preconizaram a busca condutas éticas de convivência, é excelente ponto de partida para as reflexões sobre ética, moral e cidadania. Dos 10 Mandamentos, passando pelos Direitos Universais do Homem, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Direitos e Deveres de todos que fazem parte do espaço educativo, merecem ser objetos de leitura e ampla socialização na comunidade escolar. Após os estudos e suas atividades significativas, é de estrema eficácia a produção de textos que expressem a ética e normas de convivência da comunidade escolar.
POR STELA MARIS LEITE CARRINHO DE ARAÚJO
POR STELA MARIS LEITE CARRINHO DE ARAÚJO
- Mestre em Educação- UNISAL SP;
-Licenciada em Português e Inglês -UNISAL Lorena;
-Pedagoga;
-Supervisor de Ensino da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo;
-Aposentada;
-Coordenadora do NEST – Núcleo de Estágio da FATEA;
-PROFESSORA DE:
-Prática de Ensino de Português;
- Didática , Leitura e Produção de textos;
- Políticas Públicas da Educação Básica; e
- Literatura Infanto Juvenil;
- Leciona nos cursos de:
- Design;
- Biologia;
- Pedagogia e
- Letras;
- Membro do CEP- Comitê de Ética e Pesquisa;
- Coordenadora do Grupo de Estudos Santa Teresa D'Ávila;e
- Membro do ISPIC- Instituto Superior de Pesquisa- PIBID-CAPES
Nota do Editor:
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