A decisão é uma das ações mais relevantes e poderosas do pensamento humano, independentemente da época em que é tomada, pois, a partir dela, caminhos são definidos, destinos traçados.
Todavia, estamos falando de decisão quando tomada por uma pessoa, porém, tratando-se de mais de uma pessoa e mais especificamente, quando se está em um contexto familiar, toma-se uma dimensão ainda maior, pois se está definindo posições pessoais em detrimento às outras pessoas, que convenhamos, nem sempre há concordância com esta imposição.
Desta forma, iremos abordar, de forma sintética, como as decisões pessoais ou multipessoais tomadas dentro de um ambiente familiar podem repercutir de forma não positiva, a exigir uma resposta do Poder Judiciário a uma demanda não resolvida naquela família.
Por este motivo, o Judiciário será chamado a proferir uma decisão na qual irá repercutir nas primeiras decisões realizadas no âmbito familiar, por não terem sido exitosas, tanto assim que, faz-se necessária sua transferência decisória para os Tribunais.
Assim, irremediavelmente, comete à família se posicionar e tomar novas decisões de forma a atender o preceito contido na demanda judicial.
Neste olhar é que, entendemos que a atual concepção familiar passa em várias situações, por uma tríade decisória, quais sejam, dentro da família, dentro do judiciário e, por fim, incursa inexoravelmente dentro da família, podendo-se equiparar a um caminho circular familiar-jurídico-familiar.
Faremos um breve demonstrativo de alguns novos arranjos familiares a ensejar corajosas decisões pessoais e coletivas.
Para entendermos melhor os avanços sociais implementados no Brasil, faz-se necessário ingressarmos um pouco na história deste país, especificamente nas questões afetas às famílias, com um olhar mais estreito na Constituição vigente à época, e, por conseguinte, o seu desenvolvimento ao longo dos anos, pois, somente entenderemos com uma maior facilidade os dias atuais, permitindo-nos entender o que outrora se passara, e seu respectivo caminho circular, anteriormente citado.
Impende observar que, a Constituição de 1824, portanto na época do Império, fazia somente uma referência à família, qual seja, ao fazer alusão à Família Imperial.
Este fato ocorreu, tendo em vista a nítida conjectura familiar como instrumento de transferência hereditária do Poder Imperial e não objetivamente como composição familiar.
A primeira Constituição Brasileira da República foi do ano de 1891, que segundo Bonavides (2003, p. 364): "Com o advento da República, o Brasil ingressou na segunda época constitucional de sua história. Mudou-se o eixo dos valores e princípios de organização formal do poder".
Ressalte-se que, a Constituição de 1891 tenta suprimir todas as conexões com o império, podendo-se relatar somente uma citação sobre a família, especificamente em relação ao casamento, especificamente no artigo 72, §4º, previa que "A República somente reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita", sem fazer menção à celebração religiosa (NAHAS, 2008, p.66). O Código de 1916 regulava a família composta exclusivamente pelo instituto do matrimônio.
A Constituição de 1934 abrangeu um pouco mais as questões familiares, todavia, tal garantia se ateve à união matrimonial, sem a possibilidade de dissolução. A referida Constituição foi breve, porquanto, logo após o golpe de Estado de Getúlio Vargas, foi estabelecido o Estado Novo, havendo a outorga da Constituição de 1937 (NAHAS, 2008, p. 75). A única composição familiar possível era através do casamento.
Já na Constituição de 1946, pode-se observar a existência de um capítulo inteiro destinado à família. Alerte-se que, houve um importante salto dos direitos inerentes à mulher, até então subjulgada legalmente, pois neste período constitucional foi promulgada a Lei 4.121, de 27.08.1962, nominada de "Estatuto da Mulher Casada", pioneira e até hoje vigente.
A Lei ordinária federal 6.515, de 26 de dezembro de 1977, ocorreu Através da Emenda Constitucional 9, então denominada de "lei do divórcio".
Por fim, no dia 05 de outubro de 1988 foi promulgada a então vigente Constituição Federal do Brasil denominada por muitos como a "Constituição Cidadã".
Após breve passeio pelas constituições brasileiras, chegamos ao ponto nevrálgico em que se quer tratar, pois não há na atual Constituição brasileira uma conceituação fechada do que é família e qual sua composição. Fazemos uma forte sinalização para o fato proposital do constituinte não conceituar a família, pois sua formação não está restrita somente através do instituto do matrimônio, mas sim, através de novos arranjos familiares que nascerão, isto em função dos novos ares da democracia implementada no Brasil, oportunizando os cidadãos que aqui vivem, tomarem suas decisões sobre qual será a melhor formatação familiar que ser quer para a busca da real felicidade.
Aliás, a felicidade deixará de ser uma decisão unipessoal e passará a ser uma decisão constitucional, tendo em vista a se tornar um direito fundamental na atual Constituição, considerando a tramitação da PEC - PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010, na qual Altera o artigo 6º da Constituição Federal para incluir o direito à busca da Felicidade por cada individuo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito.
Podemos observar que, através do artigo 226, caput da Constituição Federal do Brasil de 1988, rompeu-se definitivamente o paradigma conceitual de família, pois não há referência a qual tipo de família está protegido constitucionalmente, ao contrário das Constituições anteriores panoramicamente relatadas. Desta forma, a proteção da Carta Magna abrange qualquer tipologia familiar.
As pessoas, a sociedade e as famílias, como célula social, evoluíram em relação aos novos arranjos familiares. Não há mais uma definição única e inflexível do que se entende por família, pois seu resignificado está sendo moldado diariamente na evolução constante das questões humanas, quais sejam, na Psicologia, Sociologia, Demografia, Direito, Biológica, Antropológica.
Pode-se apontar que, tal evolução ocorreu naturalmente com o repensamento das questões até então definidas como masculinas e femininas, ou seja, o movimento feminista contribuiu de forma expressiva e definitiva para que este fenômeno surgisse, outrossim, com criação da pílula anticoncepcional, durante a década dos anos 60, possibilitou que a mulher pudesse decidir sobre o momento adequado da maternidade, vislumbrando, sobremaneira, novos horizontes em sua liberdade sexual e ingresso no mercado de trabalho.
Dentro do contexto anteriormente citado e fundamentado na democracia que permeia e garante a novel Constituição brasileira, oportuniza o surgimento de novos arranjos familiares das mais variadas matizes e formas. A seguir, iremos brevemente conceituar algumas o rol de novas composições familiares, de forma exemplificativa e não mais taxativamente, pois, a passos largos, surgem famílias, frutos de decisões até então, outrora inimagináveis, mas respaldadas no mesmo respeito e proteção constitucional franqueado às demais, até então conhecidas.
A família nuclear ou conjugal é aquela composta por um homem e uma mulher e seus filhos consanguíneos ou adotivos, não havendo mais distinção entre os mesmos. Ressalte-se que, este conceito está em plena mutação, considerando que esta tipologia familiar atualmente se enquadra perfeitamente à família homoafetiva ou homoparental, que adiante será destacada.
Existem também famílias com uma estrutura de pais únicos ou monoparental, tratando-se de uma variação da estrutura nuclear tradicional devido a fatos sociais, como o divórcio, óbito, abandono de lar, ilegitimidade ou adoção de crianças por uma só pessoa.
A família monoparental compõe-se estruturalmente por um único progenitor, tanto masculino como feminino, que advém de formações sociais advindas do divórcio, de adoção de crianças por uma pessoa somente, da morte do cônjuge ou do companheiro(a), dentre outras origens.
A família reconstituída não é um fenômeno recente, todavia, percebemos que mudanças nas questões sociais, econômicas e pessoais ensejam sua maior visibilidade.
Desta forma, este tipo familiar existe da união entre dois adultos, formando uma família, na qual ambos ou somente um deles trazem pelo menos um filho de uma relação anterior.
A família recomposta pode ocorrer sob dois prismas sociais. Ao primeiro dá-se o nome de família recomposta simples, ou seja, pode ser através de um casal, não necessariamente casado, no qual vive pelo menos com uma criança gerada de uma parceria precedente de pelo menos um dos cônjuges. Ao segundo, denomina-se de complexa, sendo esta quando tanto a mulher quanto o homem já constituíram o matrimônio, os dois tiveram filhos, trazendo-os para esta nova composição familiar.
A homoparentalidade é uma realidade que se vivencia nas sociedades atuais, na qual é regida pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e pelo Princípio da Vedação ao Retrocesso Social. Desta forma, especificamente no Brasil, na ausência de uma legislação contemplativa, tem-se a voz forte do Poder Judiciário que garantiu à união homoafetiva os mesmos direitos provenientes da união heteroafetiva, através do julgamento histórico realizado no Supremo Tribunal Federal no dia 05/05/2011.
Por todo o exposto, verificamos que o ato de decidir assume diversas formas, por diversas pessoas em diversos tempos. Uma decisão tem vários aspectos, desde a tomada de maneira individual até as decisões mais abrangentes em sede da Constituição Federal de um país, repercutindo de forma exponencial em toda a sociedade. Vimos também, sem a pretensão exaustiva das possibilidades, apresentar alguns dos arranjos familiares que as pessoas podem decidir em vivenciar e principalmente em serem felizes, sem o medo e o temor do preconceito que lamentavelmente permeia algumas mentes humanas.
Sabemos que a menor célula da sociedade é a família, mas devemos estar atentos, abertos ou no mínimo respeitosos a uma sociedade dinâmica e fervorosamente decidida a ser venturosa e feliz, não permitindo que um olhar retrógado, impeça a inescapável caminhada, rumo à decisão de construir uma família, seja ela de que formatação for, desde que esteja estruturada no amor, na tolerância e no respeito mútuo.
POR FLAVIO DE MELO FAHUR
-Advogado e Sócio Fundador do Escritório de Advocacia Flavio Fahur;
-Recebeu da Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro a MOÇÃO Nº7168/2014 de Louvor, Agradecimento e Congratulações pela sua luta e combate contra a discriminação e o preconceito social;
-Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/RJ;
-Membro da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ;
-Membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/RJ;
-Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM;
-Pós-Graduação em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Empresarial; e
-Especialista em Mediação e Arbitragem pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.
Avenida Presidente Vargas, nº542, sala: 1713, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP: 20071-901. Telefones: 99701-5650 – 2234-8177
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