quarta-feira, 6 de junho de 2018

Os Princípios em Defesa do Consumidor nos Contratos Bancários


INTRODUÇÃO

Dentre os diversos contratos de consumo, os contratos bancários e financeiros, são sem soma de dúvida os de maior repercussão para prática no atendimento as necessidades do consumo como condição de inserção e atuação no mercado. O Homem atual e denominado como consumidor depende da atividade bancária para intermediar suas relações econômicos-financeiras, para ter acesso ao crédito e a meios de pagamentos automatizados de crescente utilização no mercado.

Daí, o Código de Defesa do Consumidor ter previsto expressamente os serviços bancários, financeiros e de crédito como objeto de relação de consumo, em seu artigo 3º, § 2º. Ocorre que, neste particular, é mister definir o que seja um contrato bancário, para se possa examinar suas principais espécies. Conforme Ruy Rosado de Aguiar Junior relata "a definição de contrato bancário conforma-se a partir de dois elementos, primeiro, o elemento subjetivo, pelo qual, exige-se que um dos contratantes seja um Banco uma Instituição Financeira, segundo, o elemento objetivo, que diz respeito ao objeto do contrato, o qual deve estar vinculado à finalidade desta atividade econômica".[1]

Nos dias atuais não resta qualquer resistência à aplicação do CDC nos contratos bancários, ao contrário, verifica-se que s partir do entendimento quanto á sua aplicabilidade, a Súmula 297 do STJ, traz certa tendência de conferir a sua aplicação inclusive a contratos de financiamento em que o tomador de crédito é uma sociedade empresária de grande porte e cujos recursos sejam destinados ao incremento de sua atividade econômica.

Muitos contratos bancários que se qualificam como contratos de consumo caracterizam o fenômeno que já se teve a oportunidade de identificar como uma relação de negócios que é característica da atividade bancária em geral e seu relacionamento com a clientela.[2]

DOS PRINCÍPIOS

Os princípios do código que regem os direitos do consumidor são encontrados no artigo 4º do CDC, não precisamente em relação aos contratos bancários, mas nas relações de consumo em geral. São eles: o princípio da função social do contrato; o princípio da boa-fé objetiva (transparência e informação) e o princípio da equivalência material do contrato, sendo eles fundamentais para se evitar contratos abusivos, desigualdade contratual e injustiças.

A utilização de princípios e cláusulas gerais sempre foi vista com muita reserva pelos juristas, ante sua inevitável indeterminação de conteúdo e, no que concerne ao hegemônico individualismo jurídico do Estado liberal, o receio da intervenção do Estado nas relações privadas, por meio do juiz. Todavia, para a sociedade em mudanças, para a realização das finalidades da justiça social e para o trato adequado do fenômeno avassalador da massificação contratual e da parte contratante vulnerável, eles constituem ferramentas hermenêuticas indispensáveis e imprescindíveis. (ALENCAR, 2006).

Destarte percebemos o fundamental e importante papel das cláusulas gerais como caminho para alcançar a decisão mais sensata, coesa, concreta, fundamentada para o juiz, afim de que se interprete a norma à luz da realidade sócio-jurídica da cultura contemporânea, dentro de sua historicidade.

Neste contexto, buscaremos nestas poucas linhas ressaltar não obstante os princípios suscitados na relação consumidor x banco, igualmente tão importantes quanto, que segue:


PRINCIPIO DO PROTECIONISMO DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

Do texto legal, o princípio do protecionismo do consumidor pode ser retirado do artigo 1º da Lei 8.078/1990, segundo o qual o Código Consumerista estabelece normas de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5, inciso XXXII e do artigo 170, inciso V da Constituição Federal, além do artigo das Disposições Transitórios, ademais, como já ressaltado anteriormente. Não podendo esquecer por fim que, conforme o segundo comando constitucional citado, a proteção dos consumidores é um dos fundamentos da ordem econômica brasileira.

O princípio do protecionismo do consumidor enfeixa algumas consequências práticas que não podem ser esquecidas. A primeira consequência é que as regras da Lei 8.078/90 não podem ser afastadas por convenção entre as partes, sob pena de nulidade absoluta. Como fundamento para essa conclusão, podemos citar a previsão do art. 51, inciso XV do CDC, segundo o qual são nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor. Como segunda consequência, frisa-se a intervenção do Ministério Público em questões envolvendo problemas de consumo. O artigo 82, inc. II do CPC enuncia que, compete ao MP intervir nas ações em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte, o que é justamente o caso das demandas de consumo. 

Por fim a terceira consequência, toda a proteção constante a lei Protetiva deve ser conhecida de ofício pelo Juiz, caso de nulidade de eventual cláusula abusiva. Assim sendo, fica claro que representa um total desrespeito ao princípio do protecionismo do consumidor o teor da Súmula 381 do STJ, segundo o qual, nos contratos bancários é vedado ao Julgador conhecer de oficio das abusividades das cláusulas contratuais.

PRINCIPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

O mencionado princípio é o princípio que fundamenta a existência e aplicação do direito do consumidor. O artigo 4º, I do CDC estabelece entre os princípios informadores da Politica Nacional das Relações de Consumo o “ reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. A existência do direito do consumidor justifica-se pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. É esta vulnerabilidade que determina ao direito que se ocupe da proteção do consumidor.

A noção de vulnerabilidade no direito associa-se à identificação de fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhe são inerentes ou, ainda, de uma posição de força que pode ser identificada no outro sujeito da relação. Nesse sentido, há possibilidade se sua identificação ou determinação a priori in abstrato, ou o contrário, sua verificação a posteriori, in concreto, dependendo, neste último, caso, da demonstração da situação de vulnerabilidade.[3]

A doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo diversas espécies de vulnerabilidade. Entre nós é conhecida a lição de Claudia Lima Marques que distinguiu a vulnerabilidade em três grandes espécies: vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica; a vulnerabilidade fática; por fim a vulnerabilidade informacional.[4]

A vulnerabilidade técnica do consumidor se dá em face da hipótese na qual o consumidor não possui conhecimentos especializados sobre o produto ou serviço que adquire ou utiliza em determinada relação de consumo. O fornecedor, por sua vez, presume-se que tenha conhecimento aprofundado sobre o produto ou o serviço que ofereça. É dele que se exige a expertise e o conhecimento mais exato das características essenciais do objeto da relação de consumo. O que determina a vulnerabilidade, neste caso é a falta de conhecimentos específicos pelo consumidor e por outro lado a presunção ou exigência destes conhecimentos pelo fornecedor.[5]

A vulnerabilidade jurídica se dá na hipótese da falta de conhecimentos, pelo consumidor, dos direitos e deveres à relação do consumo que estabelece, assim como a ausência da compreensão sobre as consequências jurídicas dos contratos que celebra. Claudia Lima Marques denomina esta espécie de vulnerabilidade de jurídica ou científica, [6] incluindo sobre esta classificação, também a ausência de conhecimento em economia ou contabilidade pelo consumidor, o que determina sua incapacidade de compreensão das consequências efetivas das relações que estabelece sobre o seu patrimônio.

Vulnerabilidade fática é espécie ampla, que abrange genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento da debilidade do consumidor. A mais comum neste caso, é a vulnerabilidade econômica do consumidor em relação ao fornecedor. 

Por derradeiro, desta vulnerabilidade, depreendem-se daí como subespécie, a vulnerabilidade informacional, característica da atual sociedade, a doutrinadora Claudia Lima Marques, denomina como, "sociedade da informação" em que o acesso às informações do produto ou serviço e a confiança despertada em razão da comunicação e da publicidade, colocam o consumidor em uma posição passiva e sem condições, a priori, de atestar a veracidade dos fatos, bem como suscetível aos apelos do marketing dos fornecedores.[7]
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

O princípio da boa-fé constitui-se em um dos princípios basilares do direito do consumidor assim como no direito privado em geral. A boa-fé está prevista expressamente no artigo 4º, III do CDC, com sua origem no direito alemão, por intermédio do parágrafo 242 do Código Civil de 1900 ( BCG). Este determina que os contratantes devem comportar-se de acordo com a boa-fé e usos de tráfico.

Segundo ensina Karl Larenz " o principio da boa-fé significa que cada um deve guardar fidelidade com a palavra dada e não frustrar a confiança ou abusar dela, já que esta forma a base indispensável de todas as relações humanas".[8]

Ainda, o princípio da boa-fé impõe ao fornecedor, um de ver de informar uma vez que não exige simplesmente o cumprimento formal do oferecimento de informações, senão o dever substancial de que estas sejam efetivamente compreendidas pelo consumidor.

Neste âmbito é que podem se desenvolver, de acordo com as peculiaridades da relação de consumo de que se trate, modos específicos sobre como devem ser cumpridas as exigências do princípio da boa-fé. É o caso do dever de esclarecimento, pelo qual o fornecedor, aqui em comento o Banco ao celebrar um contrato bancário, de informar sobre todas as taxas, tarifas e custos que incidem o contrato de financiamento, além de seus riscos se houver, e outros aspectos relevantes da contratação.

PRINCIPIO DA TRANSPARÊNCIA E DA CONFIANÇA NOS CONTRATOS BANCÁRIOS


O mundo contemporâneo é caracterizado pela enorme velocidade e volume crescente de informações – elementos identificadores da melhor concepção da mass consumption society -, armas de sedução utilizadas pelos fornecedores e prestadores para traírem os consumidores á aquisição de produtos e serviços.[9]


A Lei Consumerista estabelece em seu artigo 6º, inc. III, que constitui direito básico dos consumidores " a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Ainda, o amparo da informação transparente pode ser retirado especificamente do artigo 4º, caput do CDC, segundo o qual, " A Política nacional de relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo". A ideia central do dispositivo é de, como bem aponta a respeitável doutrinadora já ventilada, Claudia Lima Marques, "possibilitar a aproximação contratual mais sincera e menos danosa entre o consumidor e o fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo."[10]

Neste contexto, partindo da análise de alguns julgados que mencionam a tutela da transparência e da confiança, cite-se, em especial, um julgado, segundo o qual os Bancos devem detalhar aos consumidores, em prol da transparência, todas as transações que são feitas nas contas dos seus correntistas, máxime vênia, dever estes muitas vezes desrespeitados: “ Ação de prestação de contas. Explanação dos lançamentos em conta corrente. Direito do correntista. Interesse e processual manifesto. Independentemente dos fornecimentos dos extratos bancários destinados a simples conferência, o correntista possui interesse em propor a ação de prestação de contas se paira dúvida quanto à correção dos valores lançados na sua conta. Notadamente nos contratos em que há múltiplas e complexas operações de crédito e débito, a prestação de contas afigura-se essencial para o reconhecimento dos lançamentos que um dos contratantes faz à conta do outro. Ademais, em homenagem aos princípios da transparência e da informação consagrados do Código de Defesa do Consumidor, exsurge o dever da instituição bancária de esclarecer de forma pormenorizada a administração financeira do contrato” ( TJMG – Apelação cível 0142839-61.2008.8.13.0024, belo Horizonte – Décima Terceira Câmara Cível – Rel. Des. Claudia Maia – J. 09.12.2010 – DJEMG 01.02.2011). No mesmo sentido, seguem inúmeros julgados a respeito do caso em comento. [11]


Ainda, no contexto da transparência, desde 1999, o Banco Central vem disponibilizando medidas para aumentar a transparência no mercado de crédito, uma delas, é a ferramenta disponibilizada na internet que traz informações, por exemplo, sobre taxas de juros e encargos cobrados pelas instituições financeiras, assim como órgãos como PROCON, dentre outros, que informam o Consumidor acerca a cobranças de taxas e tarifas exigidas pelos Bancos nos seus contratos de financiamentos.


CONCLUSÃO


Os princípios aqui suscitados e meramente explanados são de extrema importância e, ao estarem igualmente presentes no novo código civil de 2002, possibilitou um avanço considerável no direito contratual, em todas as relações que permeiam o conceito, que é mais do que uma ferramenta interpretativa, é uma conduta almejada pela cultura e que acentua progressivamente, até os dias de hoje, a proteção do consumidor nas relações contratuais, em especial nas relações consumidor x banco. Com isso a tendência é que cada vez mais, tais princípios, também chamados de sobre normas, tenham eficácia plena e que sejam reconsiderados no momento da elaboração de um contrato bancário, com o intuito de, estabelecer um “mais justo” equilíbrio contratual entre as partes.

[1] MIRAGEM. Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 5.ed. 2014. RT. São Paulo., p. 390.
[2]  Neste sentido definiu-se em: MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário. São Paulo: RT, 2013, p. 59.
[3] FIECHETER-BOULEVARD, Fréderique. La notion de vulnérabillé et as consecration par le droit. In: Vulnérabité et doit. Le development de la vulnérabilité et ses enjeux em droit. Grenoble: Presses Universitaries de Grenoble, 2000, p. 13-32.
[4] MARQUES. Contratos..., 3 ed., p.147.
[5] MARQUES. Contratos no código de Defesa do Consumidor, 5.ed., p.330
[6] MARQUES. Contratos..., 3 ed., p.148.
[7] Idem, p.161-174.
[8] LARENZ. Karl. Derecho de obligaciones, t.l. Trade. Jaime Santos Brinz. Madrid. Editorial Revista de Derecho Privado.   1958., p.142.
[9] BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor, cit, p. 50.
[10] MARQUES. Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 594.
[11] TJ-DF - APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL ACJ 1241678120048070001 DF 0124167-81.2004.807.0001 (TJ-DF) - Data de publicação: 20/09/2005; TJ-MG - Apelação Cível AC 10647130018664001 MG (TJ-MG) - Data de publicação: 01/08/2014; TJ-MA - Agravo Regimental AGR 0014822016 MA 0000020-08.2015.8.10.0132 (TJ-MA) -Data de publicação: 27/01/2016;  TJ-RS - Recurso Cível 71005395389 RS (TJ-RS) - Data de publicação: 23/07/2015;

POR MARIA CRISTINA QUEIROZ DE ARAÚJO









-Advogada Cível Generalista;
-Especialista em Defesa do Consumidor;
-Pós-Graduada em Processo Civil 2009 e Código de defesa do Consumidor 2017 pela Faculdade Damásio de Jesus SP.

Nota do Editor:

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