terça-feira, 5 de junho de 2018

O Estado Deve Ser Confiável




Todas as relações humanas estão baseadas na confiança e o bom nome, a reputação, a consideração e o respeito estão atrelados a ela. 

A fidúcia ocupa um lugar de destaque no ordenamento jurídico pátrio e o modelo de confiabilidade deve partir do Estado. Os homens públicos devem estabelecer o padrão de confiança e respeito que irá refletir na sociedade. Como isso nem sempre acontece o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 544, a saber: 
"Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas." 
A isenção sob condição onerosa é aquela concedida mediante o cumprimento de determinadas obrigações pelo empresário. 

Determinada cidade do Estado de Goiás concedeu diversas isenções, sob a condição de que as empresas se instalassem em determinado local e que os veículos fossem licenciados no município. As isenções se encerrariam no ano de 2024.

Pois bem, o citado município, sob "nova administração", resolveu suprimir os decretos de isenção. Ocorre que isso não é possível quando a isenção é concedida a título oneroso. Eis a redação do artigo 178 do CTN: 

A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições,pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. 

A norma legal corrobora o entendimento do STF de que não se pode suprimir a isenção concedida a prazo certo e sob condição onerosa enquanto não se der o termo final estipulado na norma legal concessiva.

O Legislador e o STF não ignoram a discricionariedade e a necessidade do administrador público incrementar a receita do município, contudo não se pode encher o cofre e esvaziar a confiança dos empreendedores. Os resultados a médio e longo prazo sempre se mostram danosos à comunidade e ao ambiente de negócios. 

Nesta altura convém transcrever a lição do brilhante HUGO DE BRITO MACHADO:[1]

"A nosso ver a tese segundo a qual as isenções concedidas por prazo certo ou mediante o atendimento de determinadas condições que implicam ônus para o interessado é uma incontestável decorrência da ideia de que o Estado há de ser confiável. Não pode prometer algo em troca de determinado comportamento do particular e depois, consumado aquele comportamento, suprimir o que havia prometido. É na verdade um direito distinto da isenção apenas porque é possível isenção sem prazo determinado, ou sem as exigências de condições onerosas, e neste caso, não existirá o direito à irrevogabilidade." 
E continua: 

"A isenção é um direito. Ou, se se pretende dizer assim, é uma situação jurídica subjetiva. Tal situação, porém, em princípio pode ser alterada. O direito à inalterabilidade é algo que se acrescenta em razão de haver sido a isenção concedida por prazo certo ou em razão de determinadas condições onerosas para o interessado." (Grifei). 
Burlar a isenção onerosa concedida a várias empresas do município, considerando a arrecadação momentânea e desconsiderando os efeitos nocivos no médio e longo prazo, ferem a boa-fé e esta quebra de confiança pode e deve ser questionada em juízo. Eis interessante ementa do Tribunal de Justiça de Goiás: 

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL C/C DECLARATÓRIA. ISSQN (ISS). ISENÇÃO ONEROSA CONCEDIDA PELO MUNICÍPIO DE APARECIDA DE GOIÂNIA ATRAVÉS DA LEI N.º 1.562/96 E DECRETO “N” N.º 455/98. REVOGAÇÃO NA VIGÊNCIA DO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. ADESÃO AO SIMPLES NACIONAL. LEI POSTERIOR. NÃO APLICÁVEL. TAXA DE EXPEDIENTE E MULTA FORMAL. EXIGÍVEL. 1 – O Município de Aparecida de Goiânia concedeu isenção onerosa do ISSQN (ISS) a parte autora, com fulcro na Lei n.º 1.562/1996, através do Decreto “N” n.º 455/98, pelo prazo de 20 (vinte) anos. Portanto, nos termos do artigo 178 do CTN, a isenção onerosa não pode ser livremente suprimida, com amparo na mera conveniência do legislador tributário. 2 - A lei posteriormente editada (Lei n.º 2.888/2009) no sentido de extirpar a isenção para aquelas empresas optantes do SIMPLES NACIONAL (§ 5º do art. 100 do CTM) somente produzirá efeitos para o sujeito passivo beneficiário (apelante) após findo o prazo de isenção concedido (20 anos) ou superadas as condições estabelecidas, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito ou ao direito adquirido. (…) APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, 5ª Câm. Cív., AC nº 2455-56.2012.8.09.0206, Rel. Des. Alan S. de Sena Conceição, DJe 1924 de 04/12/2015)." 
Conclusão 

O Estado há de ser confiável. 

Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas. (Súmula 544 do STF). 

A isenção onerosa se traduz em verdadeiro direito líquido e certo que não pode ser alcançado por qualquer lei, decreto ou medida retroativa, visto que não pode ser suprimida antes do implemento do termo final convencionado. 

O empresário deve consultar um advogado antes de resolver transferir suas atividades para outro município. 

Só a confiança permite que a vida siga um curso normal de interação, de tranquilidade e de desenvolvimento. É disso que o país mais precisa. 

REFERÊNCIAS

[1] Comentários ao Código Tributário Nacional. Editora Atlas, 2005, vol. III, página 611. 

POR LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA













- Marido, Pai,Advogado, Escritor 

Nota do Editor:

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