Ao longo do nosso desenvolvimento, desde de nosso nascimento, vamos entrando em contato com mundo e compreendendo a realidade que nos cerca. Num primeiro momento o mundo é um mistério e tudo é espetacular. O mundo vai sendo apresentado a nós e isso possibilita que a realidade seja transformada em imagens, sendo construído no intelecto uma representação disso que é captado pelos sentidos. A experiências vividas e as histórias que me são contadas vão enriquecendo esse imaginário, de forma que essa representação cada vez mais se torna composta e complexa. Quanto mais esse mundo interno vai se tornando elaborado, mais relações são produzidas e mais desdobramentos da realidade são criados, tornando possível que o mundo real seja melhor compreendido, de forma que quanto mais rica seja essa realidade interior, mais adequada seja a percepção do sujeito sobre o mundo e sobre si mesmo.
Tal fato vai sendo possível conforme o sujeito vai se desenvolvendo em sua história e seu imaginário vai ganhando novos elementos. O imaginário vai se tornando mais complexo e robusto, com ele a imaginação vai se nutrindo de forma que o que é visto logo se torna mais um elemento nesse mundo interior. Dentro desse processo temos o desenvolvimento da linguagem como mediação, pois através dela o sujeito qualifica e representa a realidade através da formação de imagens e faz relações lógicas entre a imagem e a realidade. Esse desenvolvimento é processual, pois, tão logo a consciência humana se percebe ela se diferencia da realidade, decodificando-a em signos e símbolos. Isso parece se revelar com nitidez nos processos históricos que deram origem as grandes civilizações, mas também nas consciências individuais. Os sujeitos, em um primeiro momento, percebem o ambiente em um nível mental de consciência ou perceptividade, atribuindo a realidade adjetivos, para na sequência descrevê-las.
Assim, começamos a compreender o lugar da imaginação, pois ela constrói modelos possíveis da experiência humana. No mundo da imaginação vale tudo que seja imaginável, mas nada acontece de verdade. Se acontecesse, sairia do mundo da imaginação para entrar no mundo da ação. Nesse aspecto, existe o senso do real que se funda na distinção básica entre o que pensamos e imaginamos por vontade própria com os dados que nos são impostos pela situação presente. Meu olhar está limitado ao que vejo, mas minha imaginação não. A imaginação me faz compreender o real e ir além dele, criando modelos, que para sua aplicabilidade dependem da sua relação com real. Ou seja, eu até posso imaginar uma máquina de tele transporte, mas fazê-lo irá depender das condições reais para sua construção. Reside aí a diferença entre a ficção e a imaginação que torna possível a filosofia, a ciência e a cultura enquanto tal.
Dessa perspectiva temos origem dois mundos: aquele que se vive e aquele que se quer viver. Assim, a realidade que nos cerca vai se transformando em lar, com aquilo que é visto se busca construir uma nova realidade. Desencadeia-se um processo no qual a realidade e o mundo pensado se convertem a uma linguagem e agir prático que visa transformar a realidade natural em uma realidade propriamente humana, social, se utilizando dos elementos existentes, mas construindo outros. Numa evolução dessa capacidade, temos hoje as ciências aplicadas como a engenharia, agricultura, medicina, arquitetura e em alguma medida as artes. O querer humano motiva a ação através do desejo de trazer à existência um caráter tipicamente social e humano. Começamos a perceber o papel da imaginação, que cria modelos possíveis da existência humana.
E assim, conforme se dá o desenvolvimento humano ele vai saindo de si e percebendo sua realidade circundante. Observa-se o mundo como algo objetivo e que é imposto, e esta realidade vai sendo aos poucos depuradas pelo intelecto em curiosidade e emoção sobre as coisas. Há o estabelecimento de uma linguagem num caráter mais prático, mas conforme o ser humano vai se adequando a realidade, ele vai criando uma linguagem para imaginação, que denominamos de linguagem literária. A imaginação, deste modo, dá origem as ciências e as artes, mas uma parte do mundo como ele é e a outra como o mundo deveria ser.
Com isso, começamos a perceber o papel da imaginação educada, pois ela deve criar a conexão correta entre o real e o eu, pois há esforço do sujeito em adequar suas imagens mentais, suas concepções e seus sentimentos para a construção de uma realidade que atualize todas as suas potências, gerando o máximo de felicidade possível. Assim, a base da educação se daria pela correta formação do imaginário, pois se o imaginário for bem formado desde a infância, o sujeito conduzirá seu desenvolvimento educacional sabendo agir e conduzir sua vontade quando assim for necessário. Sua capacidade de perceber e interpretar a realidade e a sua própria construção interior teriam maior capacidade de orientar sua ação de modo que suas escolhas e ações sejam tomadas com maior maturidade e discernimento, formado a partir de um senso moral interior. Caso a imaginação não seja bem-educada, corre-se o risco de que ela seja apenas um escapismo do mundo real, o que fortalece nossas neuroses.
No entanto, nosso imaginário vai se constituindo, sendo ele educado ou não. E com o fenômeno da cultura de massas e o enorme rol das técnicas que visam influenciar de modo subliminar as pessoas, por intermédio controle comportamental para a abolição de comportamentos morais e o a instrumentalização do sujeito para o consumo exacerbado, urge a necessidade de um cuidado para a educação do imaginário, que aqui recorremos ao uso da literatura. Há a crise dos grandes modelos que serviam para os parâmetros morais, depositando no indivíduo a capacidade de criar valores a si mesmo que orientem sua vida. Além disso, a indústria cultural dominou meios e técnicas que solapam dos sujeitos a capacidade de se ligar com o imaginário. Na era da reprodutibilidade técnica, como afirma Benjamin, na qual a indústria desenvolve o poder de produzir conteúdo não material, há uma continua redução dos processos imaginativos. A imagem técnica é produzida para o mero entretenimento, sendo uma condição da continuação do processo alienado nos quais os sujeitos estão submetidos. As campanhas publicitárias e outros produtos das novas mídias não produzem a capacidade de imaginar, mas sim uma ilusão sobre a realidade. A cultura de massa uniformiza o pensamento e torna os sujeitos incapazes de desenvolverem um processo imaginativo que culmine em um sujeito com maturidade de agir no mundo real e prol da construção de uma realidade que o torne mais humano. Esta condição na qual a maioria dos sujeitos estão submetidos terá uma relação direta com o fracasso da imaginação e, com isso, com o fracasso da educação. Essa seria um meio para que o imaginário se desenvolve elementos que conduziriam para uma ação baseada em valores morais sólidos e formaria o sujeito a partir das virtudes. Rompendo com certa doutrinação da imaginação.
Assim, a literatura traz em consigo uma série de componentes que ajudam a criar um imaginário capaz de simbolizar e entender a realidade. E o uso das obras literárias faz com que o sujeito vai se treinando na capacidade de criar imageticamente um outro mundo, no qual os elementos que dão sentido a esta realidade parte do mundo real, mesmo que as histórias contenham elementos fantásticos, para a o entendimento da história é necessário que o leitor suspenda o juízo e compreenda aquele mundo feito, mesmo não sendo histórias factuais, mas existe ali verdades e as verdades serão sempre verdades. Os feitos fabulosos tratam de dilemas tipicamente ligados à nossa realidade, mas a percepção desses feitos é ampliada e refletida. São quebradas algumas dimensões, mas os princípios lógicos e outros elementos permanecem. O próprio cristianismo se utilizou de parábolas para propagar seus valores e virtudes. Tais figuras se consolidam com enorme clareza no interior do sujeito. Além do efeito recreativo que a obra literária, os modelos que se apresentam podem servir de orientação e inspiração para uma conduta moral.
Obviamente, existem diversos tipos de obras produzidas, algumas tantas que não colaboram para este processo imaginativo. Russel Kirk faz uma diferenciação entre três tipos de imaginação: moral, idílica e diabólica. A imaginação moral é aquela constrói as pontes entre a geração atual, as gerações antigas e as verdades eternas. É uma imaginação que abre o sujeito para a beleza, a bondade e a verdade, são histórias que conduzem nessa direção. Já imaginação idílica são histórias que conduzem para crença na qual abrir mãos dos costumes e ir em direção a liberdade plena do sujeito com a ruptura dos costumes vai dar origem a um tipo de redenção temporal. Por último, a imaginação demoníaca é o culto do maligno, como exemplo o cinema nazista ou obras que cultuam o mau e a elementos que diminuem a potência humana. Dessa forma, a grande questão se daria por histórias que formassem a imaginação moral, que a imagem produzida refletisse o máximo do potencial e das virtudes humanas.
Isso deve acontecer desde a mais tenra infância, mas deve se estender à vida adulta. É um tipo de educação que vai além do ensino formal, no entanto, devido a limitação cultural no qual as gerações mais jovens estão submetidas, parece que a educação formal e os professores devem assumir esta responsabilidade de propagar o desenvolvimento do imaginário. O regresso as obras clássicas da literatura tipificando obras nos diversos níveis de ensino parece ser um princípio colaborador para a construção do imaginário. As obras literárias não perdem seu valor ao longo do tempo, pois as dimensões humanas que abordam rompem com a temporalidade e sempre adquirem um caráter de novidade. Desse modo, é importantíssimo que haja a leituras desses e de outros textos, e isso deve acontecer já no início da vida escolar. Além de ampliar o aspecto cultural, a educação da imaginação torna capaz o sujeito de compreender melhor a realidade, formando sua moralidade e ampliando seu horizonte para as dimensões mais fundamentais do mundo humano se ligando a beleza, bondade e verdade.
POR FÁBIO DA FONSECA JÚNIOR
-Professor de Filosofia e História da rede pública e privada de Minas Gerais e
-Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Lavras-MG.
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